quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Escavações Arqueológicas num Sambaqui Fluvial - Parte I

FOTO: O arqueólogo Paulo Dantas De Blasis, coordenador do projeto.

SUMÁRIO


1- INTRODUÇÃO

2- OS TRABALHOS REALIZADOS

2.1- O SÍTIO DE ESCAVAÇÃO

2.2- OS TRABALHOS DE ESCAVAÇÃO

2.2.1- Primeiro dia – 17/09/2006
2.2.2- Segundo dia – 18/09/2006
2.2.3- Terceiro dia – 19/09/2006
2.2.4- Quarto dia – 20/09/2006
2.2.5- Quinto dia – 21/09/2006
2.2.6- Sexto dia – 22/09/2006
2.2.7- Sétimo dia – 23/09/2006

2.3- AS ATIVIDADES EM LABORATÓRIO

2.3.1- Lavagem e secagem do material recolhido na escavação
2.3.2- Distribuição do material na mesa de trabalho
2.3.3- Classificação da arqueofauna
2.3.4- Colagem do material fragmentário
2.3.5- Caracterização, classificação e numeração dos líticos
2.3.6- Medição da arqueofauna maior
2.3.7- Os artefatos ósseos
2.3.8- Registro em inventário da arqueofauna

3- A ARQUEOLOGIA DE SAMBAQUIS

3.1- A QUADRÍCULA D-34

3.2- O SAMBAQUI DO MORAES

3.3- SAMBAQUIS DO RIBEIRA DO IGUAPE

3.4- A GRANDE QUESTÃO


4 – GLOSSÁRIO

5 - BIBLIOGRAFIA
1- INTRODUÇÃO

Pensamos na elaboração deste escrito, de início, de maneira concisa, de no máximo dez páginas. Minha inabilidade não conseguiu evitar que ele se tornasse extenso. Seria, de qualquer maneira, injustiça não deixar registrados, ou pelo menos sugeridos, todos aqueles momentos, que foram importantes sob o ponto de vista intelectual, didático, de aprendizado mesmo, mas também sob o ponto de vista afetivo; apaixonamos-nos pela arqueologia realizada. Assim, nosso trabalho se desenvolveu numa tentativa de aproximação da rigorosidade.
Nossa intenção, foi a de registrar todos os passos dos trabalhos desenvolvidos durante os últimos meses. Para isso tomamos algumas liberdades, inclusive a de relatar, na primeira parte do texto, quase que em forma de diário, com citações sobre o clima e o tempo. São registros que, de uma forma ou outra, indicam detalhes da geografia do local em que se desenvolveram os trabalhos de campo.
Além da anotação dos passos, fizemos questão de registrar todos os inventários, detalhes, descrições, para que este relatório possa ter alguma utilidade em alguma pesquisa que porventura necessite desses registros.
A primeira parte é descritiva, onde relatamos os trabalhos em campo e laboratório, constituindo em conseqüência, todo um inventário dos materiais arqueológicos recolhidos.
Na segunda parte, nos esforçamos em elaborar uma análise da quadrícula na tentativa de formular algumas hipóteses, utilizando argumentos que, com todos os defeitos que com certeza têm, consideramos válidos. Em seguida, passamos ao sítio, ao Vale do Ribeira e à questão geral dos Sambaquis, sempre tentando incorporar a discussão local, ampliando-a ao geral.
Destacamos como questão geral a importância didática de todo trabalho em campo e laboratório, assim como na elaboração deste relatório final.
Destacamos como questão central, a constituição do Sambaqui enquanto monumento, espaço ritual segregado do espaço de moradia, naquilo que Polignac aponta como a separação do mundo dos vivos do mundo dos mortos, como condição necessária para que haja uma delimitação do território de um grupo social politicamente organizado. Witfogel já havia percebido isso nos estudos das Sociedades Hidráulicas e Gordon Childe também. E nada me indica que estudar o aparecimento de sociedades desaparecidas a partir do estabelecimento de monumentos de rituais de fundo religiosos, entre em choque com a perspectiva de se estudar também sob o enfoque do modo de produção e da luta de classes.
Por fim, somamos outros objetivos aos trabalhos desenvolvidos. Registramos em fotografia, de forma analógica e digital, os contextos dos trabalhos realizados em campo e em laboratório, além do registro dos artefatos, líticos e arqueofauna, produtos de coleta em escavação. O esforço fotográfico foi aliado ao curso de Fotografia Aplicada, realizado no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Juntamos assim, didaticamente, duas atividades numa só.
2- OS TRABALHOS REALIZADOS

2.1- O SÍTIO DE ESCAVAÇÃO

O sítio do Sambaqui do Moraes localiza-se a nove Km da cidade de Miracatu-SP, Vale do Ribeira, às margens, praticamente, do córrego de mesmo nome, afluente do Rio São Lourenço, encravado num bananal de propriedade particular. Tem uma elevação de mais ou menos 2 m e cerca de 30 m de diâmetro. Limita-se ao sul e oeste com uma vala de irrigação, à leste com o córrego e ao norte com um terreno plano. É cortado por uma pequena estrada no sentido norte-sul em sua porção oeste, sendo envolvido em todos os lados por um bananal. O ponto Z (nível 0) está situado na parte central e mais alta do Sambaqui.
As escavações se organizam por quadrículas de um metro por um, sendo localizadas por letras, num sentido crescente, de oeste para leste, e números, também crescentes, de norte para sul, a partir de um ponto Zero (de contagem). Assim, o ponto Z (nível 0) está localizado entre as coordenadas L e M, assim como entre as 19 e 20, distanciando-se 22,5 m ao sudeste do ponto Zero (de contagem).
Nessa temporada, foram escavadas quadrículas das linhas E e F, dos números 20 ao 35, além da D-34 que fica rente à pequena estrada e de outras quadrículas no alto do Sambaqui, próximas ao nível Z, dando continuidade às escavações empreendidas pela expedição anterior de 2004.

2.2- OS TRABALHOS DE ESCAVAÇÃO

As escavações envolveram uma rotina de trabalho diário, que se desenvolveu entre os dias 17/09/2006 e 23/09/2006. Resumidamente, consistiu numa série de procedimentos, sendo os mais importantes:

- medição dos níveis de profundidade da quadrícula;
- escavação pela técnica de decapagem e recolha da arqueofauna, líticos e artefatos visíveis;
- peneiragem do material resultante da decapagem, lavagem no riacho e recolha de materiais menores;
- acondicionamento do material recolhido em saquinhos plásticos e vedados, com numeração própria por categoria de material (artefatos ósseos, líticos, arqueofauna) e por níveis de dez em dez centímetros;
- identificação dos níveis de profundidade, através do nivelador de distância, dos materiais importantes encontrados;
- observação geral da escavação e da estratigrafia, e registro dos aspectos observados.

Passamos, então, ao relato dos trabalhos que se desenvolveram e dos registros resultantes de tal esforço.

2.2.1- Primeiro dia – 17/09/2006.

Iniciamos os trabalhos já à tarde deste mesmo dia. Chegamos ao Sítio do Moraes por volta das 14:00 hs. Observamos de início, os vários sedimentos que se apresentam na encosta do barranco que fica rente à pequena estrada que rasgou o Sambaqui na porção oeste. São quatro segmentos e bem visíveis. Terra preta em cima, paleopraia embaixo, indicando que o terreno se situava às margens de um curso d’água. O concheiro é constituído de caramujos da espécie Megalobulimus, hoje praticamente extinta na região pela introdução há anos de um similar africano destinado à produção de carne (Scargot). Espécimes africanos escaparam, competindo com os nativos e se tornando extremamente venenosos aos seres humanos.
Após a apresentação geral do Sambaqui, o que incluiu duas covas incrustadas no barranco rente à estrada, de onde foram retirados vários enterramentos anteriormente, iniciamos a retirada de “pedra de brita” das quadrículas, que foram preenchidas por elas após a última escavação, no sentido de preservar o contexto do sítio das intempéries e intrusões. Este sistema vem a substituir com sucesso o preenchimento do espaço com sacos de terra ou areia, pois é muito menos trabalhoso e suscita menos atenção de estranhos, quando a equipe deixar o local.
Houve também a apresentação, com instruções de manejo, do nivelador de distância.
O ambiente era de chuva, garoa e neblina.

2.2.2- Segundo dia – 18/09/2006.

Choveu praticamente o dia todo, principalmente à tarde, quando montamos uma cobertura de plástico preto na área de escavação. Os caminhos viraram uns lamaçais, principalmente o que leva ao riacho, onde peneiramos e lavamos o material.
Pela manhã, foram feitas as medições, estabelecendo os marcadores que definiram as quadrículas. Todos escolheram as suas, e eu, a D-34. Em alguns casos, houve mais de uma pessoa trabalhando numa. Foi o nosso caso. Eu e a Quéfren trabalhamos conjuntamente na D-34, na parte da tarde e no dia 19/09/2006. No dia 20/09/2006 ela voltou a São Paulo.
As marcações de nível inicial foram:

- Z = 336 cm NE
- Z = 330 cm SE
- Z = 355 cm NO
- Z = 350 cm SO

Os registros nas fichas de nível de escavação foram:

Nível 00 – 10

- NP- 2326 – arqueofauna
- Pedra queimada – descartada – y=26 cm – x= 22 cm – z= 0-10 cm

Nível 10 – 20

- NP- 2360 – arqueofauna
- NP- 2333 – machado – y= 14 cm – x= 31 cm – z= 346 cm
- NP- 2347 – seixo lascado – y= 38 cm – x= 4 cm – z= 354 cm

É importante ressaltar que, na parte da tarde, ficou decidido que iríamos escavar apenas a metade leste da quadrícula D-34, pois havíamos atingido um bloco de argila na metade oeste, além dessa metade estar bem rente onde foi rasgada a pequena estrada, estando, portanto, provavelmente contaminada com o aterro resultante de tal corte. A continuidade da escavação na metade leste era necessária, pois, além de haver um seixo incrustado na parede leste da quadrícula, havia possibilidade de se encontrar restos de um sepultamento, que foi encontrado na expedição anterior na E-34. Havia também o objetivo de se atingir o máximo de profundidade, a fim de se desenhar o perfil estratigráfico, pois a D-34 se localiza nos limites do Sambaqui.


FOTO - Linha de escavação, sentido sul.

2.2.3- Terceiro dia – 19/09/2006.

O dia foi ensolarado, apesar de garoar um pouco de manhã. Importante ressaltar a presença de poucos líticos e muito carvão no nível 20 – 30, alguns no 30 – 40, indicando algum tipo de combustão. Foram encontrados também, muitos dentes de animais entre os níveis 20 e 40.
Digno de registro, uma concentração de pedras em leque, provavelmente resultante de rolagem Encontrado no final do dia, um afloramento de ossos, depositado sobre uma mancha de concheiro, que somente neste nível de escavação começa a aparecer.
As marcações de nível inicial, pela manhã, foram:

- Z = 351 cm NE
- Z = 354 cm SE
- Z = 355 cm NO
- Z = 350 cm SO
- Z = 356 cm Centro (metade oeste)
- Z = 360 cm Centro (metade leste)

FOTO- Pedra queimada descartada – y= 26 cm – x= 22 cm – z= 00 – 10

Os registros nas fichas de nível de escavação foram:

Nível 20 – 30

- NP- 2374 – arqueofauna
- NP- 2376 – arqueofauna
- Seixo descartado – y= 84 cm – x= 16 cm – z= 351 cm



FOTO - Concheiro aparecendo. Afloramento ósseo sobre ele. Marcações de profundidade coincidem com marcação inicial do dia 20/09/2006. Quadrícula D-34.

Nível 30 - 40

- NP- 2386 – arqueofauna
- NP- 2393 – arqueofauna
- NP- 2392 – seixo grande – y= 10 cm – x= 0 cm – z= 364 cm
- Seixo descartado – y= 38 cm – x= 12 cm – z= 367 cm
- NP- 2388 – seixo – y= 39 cm – x= 28 cm – z= 368 cm
- NP- 2389 – seixo – y= 29 cm – x= 46 cm – z= 372 cm
- NP- 2391 – seixo – y= 16 cm – x= 32 cm – z= 371 cm
- Seixo (permanece no local) – y= 0 cm – x= 16 cm – z= 365 cm
- Seixo descartado – y= 13 cm – x= 39 cm – z= 375
- Seixo pequeno descartado – y= 10 cm – x= 17 cm – z= 370 cm
- Seixo pequeno descartado – y= 24 cm – x= 7 cm – z= 368 cm
- Seixo pequeno descartado – y= 2 cm – x= 22 cm – z= 3,69 cm

Nível 40 – 50

- NP- 2406 – arqueofauna

Os seixos do nível 30 – 40 serão mais bem caracterizados mais na frente, quando retomaremos. Importante perceber a medida de profundidade dos, por enquanto assim classificados, seixos. Aqueles que foram descartados mantivemos em nosso arquivo particular.

2.2.4- Quarto dia – 20/09/2006

Pela manhã, neblina e garoa. À tarde, chuva que transformou os caminhos em lodaçais.
Durante a escavação, enquanto o nível 40 – 50 estava quase terminado, houve a orientação de continuar a decapagem apenas no quarto SE da D-34, pois apareceu um osso incrustado na parede sul, que poderia ser de restos humanos, além de também cumprir o objetivo de atingir o solo de granito, a fim de desenhar o perfil estratigráfico desse “fim de Sambaqui”. Destaque para esse osso incrustado, para o conjunto de ossos que foi retirado (ossos sobre o concheiro) e osso furado, possivelmente propositalmente, para ser usado como artefato.
As marcações de nível inicial foram:

- Z = 372 cm NE
- Z = 370 cm SE
- Z = 375 cm Centro (metade leste)
Os registros na ficha de nível foram:

Nível 40 - 50

- NP- 2433 – arqueofauna
- NP- 2434 – líticos
- NP- 2431 – conjunto de ossos – y= 49 cm – x= 15 cm – z= 374 cm
- NP- 2488 – osso incrustado (recolhido em 21/09/2006) – y= 0 – x= 32 cm – z= 380 cm

Nível 50 – 60

- NP- 2438 – arqueofauna
- NP- 2437 – osso com sinais de trabalho – y= 38 cm – x= 37 cm – z= 388 cm

2.2.5- Quinto dia – 21/09/2006.

O dia foi ensolarado, apesar da neblina de manhã e dos caminhos ainda terem permanecido bem enlameados.
Foi recebida a orientação de aprofundar mais, embora tenha chegado ao nível 70 no final do dia. Escavar mais fundo foi difícil pela posição que o corpo teve de tomar. Pelo fato de a D-34 delimitar visivelmente o final do sítio, tornou-se necessária a elaboração do perfil. Daí a providência de se cavar mais.
Continuamos a decapagem entre os níveis 50 – 60 cm. No entanto, por distração, ultrapassamos em profundidade. Por isso, juntamos dois níveis num só, o 50 – 70, que equivalem apenas ao quarto SE da D-34.
Os níveis de início, nessa data, foram:

- Z = 380 cm NE
- Z = 381 cm SE
- Z = 384 cm Centro (quarto NE)
- Z = 386 cm Centro (quarto SE)
Os registros foram:

Nível 50 - 70

- NP- 2489 – arqueofauna
- NP- 2468 – ponta óssea – y= 20 cm – x= 31 cm – z= 395 cm
- NP- 2480 – artefato ósseo (anzol) – na peneira – z= 60 – 70

Vale a pena destacar que foi encontrada uma placa de dente de capivara. Levy Figuti comentou que é um caso raro e que é o segundo encontrado nessa expedição. Posteriormente, em laboratório, encontramos entre o material recolhido um dente inteiro de capivara.

2.2.6- Sexto dia – 22/09/2006.

Não choveu. Pelo contrário, fez um ótimo dia.
Colhemos material até o nível 80. Após esse nível, encontramos argila pura e nenhum material de coleta. Avançamos até o nível 90, quando encontramos o granito.
Constatamos a presença de várias pedras entre os níveis 70 – 80, dez unidades na verdade, que foram descartadas, dispensando medidas individuais.
As medidas de níveis iniciais foram:

- Z = 382 cm – ângulo SE do quarto NE
- Z = 386 cm – ângulo SO do quarto NE
- Z = 398 cm – ângulo NE do quarto SE
- Z = 401 cm – ângulo SE do quarto SE
- Z = 405 cm – ângulo NO do quarto SE
- Z = 406 cm – ângulo SO do quarto SE

Foram registrados:

Nível 70 – 80
- NP- 2521 – arqueofauna
- NP- 2519 – conjunto de ossos (3 fragmentos) – y= 48 cm – x= 33 cm – z= 407 cm
- NP- 2520 – ponta óssea – na peneira – z= 70 – 80




FOTO-Atingindo a camada de granito.

A camada de granito foi atingida no final do dia, acusando a profundidade final de Z = 419 cm, no quarto SE da D-34.

2.2.7- Sétimo dia – 23/09/2006.

Eu e Flávia Urzua fizemos o perfil completo do quarto SE da D-34, no sentido sul, oeste, norte e leste. Cinco camadas estratigráficas foram encontradas, sendo, de cima para baixo: entulho; terra preta; concheiro; argila e solo granítico. Não encontramos paleopraia. Acreditamos que ela não atinja a periferia do Sambaqui.
Somente para registro, Juliana e eu acabamos a quadra E-35 do J. P., atingindo o nível de Z= 384.
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Eduardo Melander Filho
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2006


Escavações Arqueológicas num Sambaqui Fluvial - Parte II


FOTO: O arqueólogo Levy Figute, um dos coordenadores do projeto.

2.3 – AS ATIVIDADES EM LABORATÓRIO

As atividades em laboratório começaram a se desenvolver tão logo retornamos das atividades em campo. Nesse ínterim, aproveitamos para refazer as fichas de nível de escavação por estarem preenchidas de maneira indevida, impossibilitando sua compreensão.
A realização dessa gama de atividades, todas com o envolvimento meu e da Quéfren, obedeceu a um critério de etapas, as quais passamos a descrever.

FOTO - Secagem de material recolhido em escavação. Coluna da esquerda, de cima para baixo: NPs. 2434, 2488, 2326, 2374 e 2386. Coluna do meio, de cima para baixo: NPs. 2406, 2431, 2438, 2521. Coluna da direita, de cima para baixo: NPs. 2393, 2375 e 2433.

2.3.1- Lavagem e secagem do material recolhido na escavação.
Atividade desenvolvida no laboratório de lavagem durante os dias 28/092006, 01/10/2006, 02/10/2006, 04/10/2006 e 05/10/2006, quando encerramos essa etapa. Por se tratar de material, em sua maioria, composto por ossos e fragmentos muito pequenos, foi um trabalho demorado.

2.3.2- Distribuição do material na mesa de trabalho.

Fizemos a distribuição por nível de origem, organizados em linhas verticais, em contraste com os outros colegas que elegeram a linha horizontal. Embora a base de organização fosse o nível, dentro dele, mantivemos a separação por NPs. Optamos por este sistema pela falta de espaço disponível e melhor aproveitamento visual da distribuição.
Esse trabalho foi desenvolvido durante os dias 09/10/2006, 10/10/2006 e 19/10/2006.

2.3.3- Classificação da arqueofauna.

Trabalho que consistiu na separação por categorias de queima (normal, queimado, carbonizado, calcinado), por grupos de animais (mamíferos, anfíbios, peixes, aves, répteis, etc...), por espécies e por tipo de ossos. Envolveu estudos prévios sobre ossos humanos e de animais, assim como consulta de manuais especializados no assunto. Além disso, recebemos preciosas orientações do pessoal especialista nessa área. Foi o trabalho que maior tempo tomou, não só pelas minúcias, mas, também, por se tratar de material minúsculo em sua grande parte, no nosso caso.
Durante o processo de classificação, encontramos mais dois artefatos ósseos que haviam passados despercebidos na primeira instância. Receberam o número de sua NP de origem. Estão assim registrados:

Nível 40 – 50

- NP- 2433 – ponta óssea
- NP- 2433 – anzol

As atividades de classificação do material recolhido se desenvolveram durante os dias 26/10/2006, 03/11/2006, 09/11/2006, 14/11/2006, 16/11/2006 e 23/11/2006.

FOTO- Arqueofauna, líticos e artefatos ósseos recolhidos na quadrícula D-34 do sítio do Moraes distribuídos por linhas de nível na mesa de trabalho.

2.3.4 – Colagem de material fragmentário

Foram atividades que desenvolvemos entre ou nos dias das outras , colando fragmentos com o objetivo de tentar a identificação do animal a que pertencia e à parte do seu corpo que lhe correspondia. Nesse sentido, tivemos grande sucesso.
Foram quatro casos, conforme o que relatamos a seguir.

a- Onze fragmentos da NP- 2431. Refere-se àquele afloramento ósseo que despontou sobre o início do concheiro no nível 40 – 50. Durante a decapagem, o osso se desfez em contato com o ar. Colamos oito dos onze fragmentos e conseguimos identificá-lo. É um fêmur que supúnhamos, inclusive com a identificação positiva de um quase especialista, fosse humano. A expectativa durou pouco. Trata-se de um fêmur de mamífero grande, possivelmente um Cervo ou Anta, segundo nosso especialista chefe, Levy Figuti.


FOTO- Onze fragmentos de ossos da NP- 2431 – nível 40 – 50

b- Três fragmentos da NP- 2488. Refere-se ao osso incrustado na parede sul que também se fragmentou, nível 40 – 50. Após a colagem, foi identificado como um fragmento de fêmur ou tíbia de grande mamífero, possivelmente Onça ou Anta.

c- Três fragmentos da NP- 2519, que também se fragmentou, no nível 70 – 80. Colado, percebemos que se trata de uma vértebra de cauda de Anta.

d- Quatro fragmentos de concha da NP- 2360, nível 10 – 20. Colado três dos quatro fragmentos, o resultante foi identificado como fragmento de um Caracol marinho, pela espessura de sua carapaça. Não foi possível identificar a espécie.

FOTO- Fêmur de Cervo ou Anta – NP- 2431 – nível 40 – 50

Realizamos os trabalhos de colagem nos dias 31/10/2006, 07/11/2006, 08/11/206 e 09/11/2006.

2.3.5- Caracterização, classificação e numeração dos líticos.

O trabalho de classificação dentro da tipologia lítica, de verificação da constituição do seu material e numeração própria a este tipo de material, foi efetuado no dia 16/11/2006. No dia 03/12/2006, realizamos também os trabalhos de medição do material.
A maioria do material é constituída por lascas produzidas por debitagem e percussão, batedores de materiais diversos, além de raspadores, um deles feito do resto de um machado.


FOTO- Raspador feito de resto de machado quebrado, de basalto.

Relacionamos, a seguir, todos os líticos, juntamente com os dados produzidos pela nossa observação. As medidas estão designadas pelo maior comprimento, maior largura e maior espessura.

Nível 10 – 20

- Mo 1676 – Raspador em seixo lascado por debitagem – quartzo – NP- 2347 – Z= 354 cm – 11,0 x 8,4 x 3,5 cm.
- Mo 1691 – Raspador feito sobre machado quebrado – basalto – NP- 2333 – Z=346 cm – 11,8 x 6,8 x 2,7 cm
- Mo 1677 – lasca – sílex – NP- 2360 – 2,2 x 1,2 x 0,7 cm



FOTO – Raspador em quartzo lascado por percussão e debitagem.

Nível 20 – 30

- Mo 1678 – lasca – NP- 2375 – 3,1 x 2,9 x 0,6 cm
- Mo 1683 – lasca – basalto – NP- 2374 – 2,7 x 2,6 x 0,7 cm
- Mo 1684 – lasca – basalto – NP- 2374 – 2,0 x 2,0 x 0,4 cm
- Mo 1685 – lasca – quartzo – NP- 2374 – 2,0 x 1,4 x 0,6 cm
- Mo 1686 – lasca - basalto – NP- 2374 – 2,8 x 1,9 x 0,4 cm
- Mo 1687 – lasca – quartzo – NP- 2374 – 2,2 x 1,5 x 0,8 cm
- Mo 1688 – lasca – quartzo – NP- 2374 – 3,2 x 2,1 x 0,9 cm
- Mo 1689 – lasca – basalto – NP- 2374 – 3,1 x 1,7 x 0,5 cm
- Mo 1690 – lasca – quartzo – NP- 2375 – 1,5 x 1,2 x 0,8 cm
- NP- 2374 – 4 lascas
- NP- 2375 – 2 lascas

Nível 30 – 40

- Mo 1679 – batedor – quartzo – NP- 2388 – Z= 368 – 6,8 x 6,2 x 3,2 cm
- Mo 1680 – batedor – basalto – NP- 2389 – Z= 372 – 6,5 x 6,1 x 4,2 cm
- Mo 1681 – batedor – rocha básica – NP- 2391 – Z= 371 – 5,3 x 4,7 x 4,2 cm
- Mo 1682 – batedor – rocha básica – NP- 2392 – Z= 364 – 11,2 x 7,4 x 4,7 cm

Nível 40 – 50

- NP- 2434 – 8 lascas

Nível 70 – 80

- Mo 1692 – lasca – basalto – NP-2521 – 2,2 x 1,7 x 0,7 cm

2.3.6- Medição da arqueofauna maior.

Providenciamos também as medições da arqueofauna, no dia 04/12/2006, quando também fizemos as medições dos artefatos, conforme relacionamos abaixo.

- NP- 2360 – Caracol marinho – nível 10 – 20 – 3,2 x 1,6 x 0,5 cm
- NP- 2431 – fêmur de Cervo ou Anta – nível 40 – 50 – 11.8 x 2,0 x 2,0 cm – espessura do osso: 0,4 cm
- NP- 2488 – frag. de fêmur ou tíbia de Onça ou Anta – nível 40 – 50 – 7,6 x 2,6 x 1,2 – espessura do osso: 0,8 cm
- NP- 2519 – vértebra da cauda de Anta – nível 70 – 80 – 3,7 x 3,4 x 2,2 cm
- NP- 2521 – cabeça de tíbia de Anta – nível 70 – 80 – 3,8 x 2,8 x 2,2 cm


FOTO- Possivelmente trata-se de uma cabeça de tíbia de Anta.

2.3.7- Os artefatos ósseos.

Os artefatos ósseos foram lavados separadamente do conjunto do material, deixados também separadamente em um recipiente próprio para tal procedimento. No entanto, tivemos acesso a eles. Fizemos as medições dos objetos, juntamente com a arqueofauna grande e em mesma data. Vamos relacionar especificamente este material, a fim de subsidiar as reflexões que faremos em cima de todo o material coletado.



FOTO- De cima para baixo: ponta óssea, NP- 2468; osso com sinais de trabalho, NP- 2437; anzol, NP- 2433; ponta óssea, NP- 2433; ponta óssea, NP- 2520 e anzol, NP- 2480.

Os artefatos encontrados da quadrícula D-34 foram os abaixo relacionados.

- NP- 2468 – ponta óssea – nível 50 – 70 – y= 20 cm – x= 31 cm – z= 395 cm – 3,9 x 0,6 x 0,3 cm
- NP- 2437 – osso com sinais de trabalho – nível 50 – 60 – y= 38 cm – x= 37 cm – z= 388 cm – 6,9 x 1,1 x 0,9 cm
- NP- 2433 – anzol – nível 40 – 50 – 2,5 x 0,9 x 0,3 cm
- NP- 2433 – ponta óssea – nível 40 – 50 – 2,0 x 0,5 x 0,4 cm
- NP- 2520 – ponta óssea – nível 70 – 80 cm – 3,8 x 1,3 x 0,4 cm
- NP- 2480 – anzol – nível 60 – 70 – 3,1 x 0,5 x 0,4 cm



FOTO - Fragmento de fêmur ou tíbia de Onça ou Anta.

2.3.8- Registro em inventário da arqueofauna.

Nas páginas próximas, há o registro de toda a classificação da arqueofauna que fizemos, NP por NP, nível por nível, com totalizações separadas por classe de animais, espécies identificadas, tipo de ossos ou vestígios, por categoria de queima, etc...
Com esse último tópico, encerramos a descrição do trabalho que desenvolvemos nesse último período.
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Eduardo Melander Filho
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Escavações Arqueológicas num Sambaqui Fluvial - Parte III






















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FOTO: Perfil estratigráfico da quadrícula D-34
3- A ARQUEOLOGIA DE SAMBAQUIS

3.1- A QUADRÍCULA D-34

Partindo de uma reflexão inicial sobre os trabalhos de escavação, laboratório e o registro dos dados estratigráficos no perfil, podemos, grosso modo, adotar algumas constatações.
Primeiramente, em relação ao perfil do quarto SE da quadrícula D-34, numa leitura geral, percebemos que:

- A camada do concheiro começa no nível 40 cm, na parte nordeste da metade leste, segundo observações durante a escavação, registradas também através de foto;
- No quarto SE, a camada de concheiro vai se inclinando no sentido sudoeste, onde atinge uma profundidade máxima de 75/80 cm, numa espessura que passa dos 20 cm na face norte do quarto para cerca de 5 cm na profundidade máxima, se estreitando cada vez mais conforme corre nessa direção;
- Os primeiros 20 cm são constituídos de aterro, cuja origem se remete à abertura da pequena estrada lateral, que passa rente à quadrícula D-34;
- Há um seixo incrustado na parede sul do quarto SE, mais ou menos no nível 30 - 40 cm, que juntamente com outros líticos encontrados no mesmo nível, foi devidamente registrado, permanecendo como testemunha de um possível processo tafonômico;
- A camada de terra preta, vai do nível 20 cm ao 40 cm, quando se encontra com o concheiro, acompanhando-o conforme sua inclinação até o nível 75 cm;
- Entre os níveis 80 cm e 90 cm, há uma camada estéril de argila;
- Não há camada de areia configurada como paleopraia, o que acontece nas regiões mais centrais do Sambaqui.

Em segundo lugar, no tocante aos registros efetuados durante a escavação, pudemos observar a dois aspectos importantes:

- A presença de carvão entre os níveis 20 cm e 40 cm;
- Uma concentração de líticos mais ou menos no nível 30 - 40 cm.

Terceiro, como produto das observações realizadas durante os trabalhos de classificação do material recolhido em laboratório, consideramos de relevância que:

- Grande parte das lascas pequenas se encontrava concentrada no nível 20 – 30 cm;
- Os grandes líticos aparecem entre os níveis 0 e 20 cm, assim como no nível 30 - 40 cm;
- Os vestígios de arqueofauna grande aparecem somente nos níveis 40 – 50 cm e 70 – 80 cm;
- Os artefatos aparecem somente do nível 40 cm para baixo.

Por último, numa rápida observação, a contabilização da arqueofauna nos indica que:

- Existe uma quantidade desproporcional de arqueofauna entre os níveis 40 cm e 70 cm;
- Há uma alta quantidade de fragmentos de ossos não identificados.

A partir deste quadro, abraçando a hipótese de que o Sambaqui do Moraes é um centro de atividades rituais ligadas aos sepultamentos, vamos também formular duas pequenas hipóteses iniciais. A primeira se refere às atividades que foram desenvolvidas naquele espaço periférico durante os vários períodos e os processos de construção e constituição daquela porção de terreno. Propomos então, a seguinte sucessão:

1- A camada referente ao nível 70 – 80 cm é estável e seus vestígios se ligam a atividades em torno de sepultamento (s) não muito próximo (s) do local;
2- As camadas que vão do nível 40 cm ao 70 cm, referem-se a um período de atividades mais intensas, provavelmente ligadas aos rituais filiados ao sepultamento encontrado entre as quadrículas E- 33 e E-34 e outros próximos, se constituindo numa camada estável e com pouca ou nenhuma contaminação coluvial;
3- Os líticos que apareceram no nível 30 - 40 cm é material de colúvio, produto de rolamento pela inclinação do terreno;
4- A camada que vai do nível 20 cm ao 40 cm, constitui-se, grande maioria, de material de colúvio, sendo que, no entanto, houve, nas mesmas camadas, atividades de combustão proposital e de lascamento;
5- Os líticos encontrados entre as camadas 0 e 20 cm foram trazidos de outro lugar, durante as escavações da pequena estrada.

A segunda hipótese que nos atrevemos a propor, refere-se à alimentação daquele povo. Abraçamos a proposta de que eram caçadores e que o consumo de carne era preferencialmente de mamíferos. Falaremos disso mais adiante. No momento, começamos com a primeira hipótese.
Antes de tudo, é importante colocarmos que, por se tratar da extrema periferia do sítio, provavelmente nenhuma camada estratigráfica se apresenta completamente imune de material de

colúvio. O que estamos tentando dizer aqui é que, entre os níveis 40 cm e 80 cm, houve uma grande estabilidade, com pouca contaminação. Assim, o que está em jogo é se houve o desenvolvimento de atividades ligadas ao sepultamento ao lado e se os vestígios podem mostrar isso. Nesse sentido, a pouca contaminação é um indicador positivo.
A quantidade de arqueofauna encontrada nessa camada, provavelmente associada a restos de alimentos oferecidos aos mortos e ou consumidos em companhia dos mortos, atingiu proporções que nunca mais seriam atingidas. A presença de grandes ossos e fragmentos de ossos de grandes mamíferos, muito embora apareçam nos níveis 40 – 50 cm e 70 – 80 cm, são um indicativo de oferendas de grandes nacos de carne aos mortos. Não devemos nos esquecer que toda essa camada, de 40 cm a mais ou menos 70 cm, faz parte de um mesmo período, em que as deposições se dão por cima do concheiro, que se inclina de 40 cm a 75 cm, no sentido SO. Assim, quando encontramos grandes ossos em níveis tão díspares, estamos, na verdade, falando de uma mesma camada, na prática.
A presença de artefatos feitos em ossos, não encontrados em outros níveis, vem reforçar nossa hipótese de grandes atividades desenvolvidas no período de ocupação referente. Inclusive, a garra de Siri que foi encontrada no nível 50 – 70, não se sabe se resto de alimentação ou de outra utilização, indica também o contato desses homens com o litoral.
Propomos, por estas razões, que houve uma estabilidade decorrente do aumento da intensidade de utilização do espaço. No entanto, nossa hipótese não se baseia no aumento de ocupação do espaço do Sambaqui, mas sim no espaço da D-34, em função de rituais ligados a sepultamentos próximos, notadamente o da E-33/34. Tal hipótese pode ser testada através de comparação com outras quadrículas nas cercanias de outros sepultamentos, nas mesmas camadas, estabelecendo um padrão ou não. Nossa preocupação aqui é a de fazer, no momento, uma tentativa de estudo de fenômenos que se referem à D-34, mais exatamente.
Finalmente, por estar esta camada na base do sítio, representando o início das atividades humanas ali desenvolvidas, por isso mesmo, é menos susceptível aos processos tafonômicos que alterariam sua integridade inicial muito profundamente.
Mais acima dessa camada, no nível 30 – 40 cm, nos limites do nível 40 – 50 cm, aparecem alguns seixos e líticos, de maneira contígua, que, segundo nossa hipótese, se acumularam na D-34 por rolamento de encosta, por colúvio. O fenômeno preenche quatro condições para que ele pudesse ser reconhecido como tal.
A primeira condição é a existência de um terreno inclinado. Obviamente, pelos detalhes apresentados, pelo que sugere também o perfil e pelo fato da quadrícula D-34 estar localizada na periferia do sítio, esse é um terreno propício a tal acontecimento.



FOTO- Deslizamento em leque – nível 30 – 40 cm – Da esquerda para a direita (as pedras em linha) – 1- Mo 1682 – NP-2392 – Z = 364 cm – 2- descartada – Z = 367 cm – 3- Mo 1679 – NP- 2388 – Z = 368 cm – 4- Mo 1681 – NP- 2391 – Z = 371 cm – seguindo inclinação no sentido sudoeste.

A segunda condição é que as pedras, ou material, se acomodem em relação a essa inclinação de maneira também inclinada, seguindo o curso. No nosso caso isso também acontece. A primeira rocha possuía Z = 364 cm e a última, no sentido da inclinação abaixo, Z = 375 cm.
Não menos importante é a abertura em leque que a rolagem deve fazer no sentido da inclinação abaixo. Também esse quesito corresponde ao evento, conforme se pode verificar em registro fotográfico, feito em campo.
Por último, a forma das pedras. Elas devem ter o formato arredondado para que se permita a “rolagem ladeira abaixo”. Todas as pedras eram arredondadas, tipificando enfim o fenômeno que queríamos retratar.
Associado, encontramos processo semelhante, mais do que isso, provavelmente parte de um mesmo evento, na quadrícula E-35, onde no mesmo nível, apareceram pedras em disposição semelhante.



FOTO- Lítico recolhido em contexto decorrente de processo coluvial.

O processo que se dá na camada que se encontrava entre os níveis 20 cm e 40 cm é diferente. Muito provavelmente boa parte do material recolhido nessa faixa de nível pode ser coluvial. Apesar da ausência de estruturas de queima ou resquícios dela, pois não encontramos pedras queimadas ou pedaços de carvão de bom tamanho (encontramos um bom espécime no nível 40 – 50 cm, que seria uma boa amostra para exames antracológicos), acreditamos que houve queima produzida no local. A ausência pedaços maiores de carvão ou madeira pode ser explicada por processos tafonômicos, causados por chuva, colúvio, etc...
Para testar essa hipótese, vamos comparar o grau de queima de ossos com os outros níveis, pois sabemos que ossos são queimados se jogados na fogueira ou se elas forem feitas em cima dos ossos. Sabemos que a maior concentração de carvão se deu no nível 20 – 30 cm. Portanto ossos de arqueofauna desse nível, assim como do nível 30 – 40 cm, devem apresentar um grau de queima maior que os recolhidos em níveis que não apresentam sinais de fogueira.
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Eduardo Melander Filho
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Escavações Arqueológicas num Sambaqui Fluvial - Parte IV





























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A porcentagem que se estabelece para os níveis 20 – 30 cm e 30 – 40 cm, 53%, é reveladora, pois tanto numa quanto noutra, pouca variação ocorre no gráfico de representação. Por outro lado, reveladora também é a porcentagem dos níveis 40 – 50 cm e 50 – 70 cm. Enquanto que, nas primeiras, a quantidade de ossos e fragmentos é mais que 50%, nas segundas, a quantidade de ossos normais é maior.
É possível aqui se concluir que houve queima no local, provavelmente por fogueira, pois a amostra estatística é contundente.
Igualmente, percebemos que a quantidade de lascas, algumas provavelmente produto de sucessivas reutilizações de líticos, que se encontraram no nível 20 – 30 cm é muito grande. Com exceção de uma lasca de sílex encontrada no nível 10 – 20 cm, talvez até integrante da mesma leva e nos limites dos níveis, e de outra de basalto encontrada no nível 70 – 80 cm, além de oito lascas não numeradas (por serem pequenas demais) encontradas no nível 40 – 50 cm, todas as outras nove lascas numeradas e seis não numeradas foram encontradas nesse nível. Por essa razão, acreditamos que essa concentração se deve a alguma atividade de lascamento por debitagem que foi desenvolvida diretamente no local e cercanias. Porém, pode se tratar sim de material coluvial, além de não ser nada fácil a verificação da hipótese, pois pode haver grande concentração de lascas nas cercanias e também por colúvio.



FOTO- Lasca produzida por debitagem.

O último nível da sucessão, para efeito de mera classificação, é constituído por entulho decorrente da abertura da pequena estrada que passa ao largo do Sambaqui, inclusive cortando parte dele. Os três líticos – raspador no machado, raspador em seixo lascado e lasca de sílex -, podem ter sido encontrados na superfície limite entre os níveis. Contudo, a tafonomia do terreno indica que provavelmente os materiais foram depositados por transferência. Foi também no nível 10 - 20 cm que foi encontrado fragmentos de uma concha marinha, outra indicação de contato desse povo com o mar.



FOTO- Caracol marinho de espécie não identificada.

Antes de avançar no segundo tema passível de hipóteses, é importante colocarmos que partimos da hipótese de que o contexto que se situou entre os níveis 40 cm e 70 cm, foi um contexto preservado, com pouquíssima contaminação por processos tafonômicos. Assim sendo, quando fizermos uma comparação entre a arqueofauna ali encontrada com a encontrada em outros níveis, estaremos procurando algumas regularidades ou diferenças expressas nas diferentes porcentagens que aparecem nas respectivas contagens, mesmo que estes outros níveis apresentem algum grau de contaminação. Através dessas regularidades ou rupturas, poderemos ou não sugerir novas hipóteses.
Uma outra consideração se faz necessária. As escavações, no começo, foram efetuadas em toda a quadricula D-34. Mais ou menos a partir do nível 20 cm, continuamos escavando somente a metade leste da quadrícula. A partir do nível, mais ou menos, 55 cm, seguimos escavando apenas o quarto sudeste da quadrícula. Isso criou uma situação insólita, no sentido de se fazer uma contabilização do material recolhido nos vários níveis. No entanto, conforme veremos, isso pouco afetará nas estatísticas, pois o volume resultante da decapagem do nível 40 – 50 cm, é o mesmo do nível 50 – 70 cm (por serem dois níveis em conjunto), não afetando nos encaminhamentos dos objetivos desse pequeno estudo.
Devemos também colocar que a quantidade de arqueofauna coletada, por se tratar da periferia do Sambaqui, em oposição às zonas centrais, é pequena. Não obstante, cremos na suficiência dessa amostragem, mesmo que ínfima.
Partindo da dúvida que se estabelece quanto ao consumo da carne do Megalobulimus como alimento pelos sambaquieiros fluviais, pois não temos vestígios consistentes de tal consumo como furos indicativos de extração de carne ou sinais de queima, dúvida que pode ser esclarecida através de estudos de composição química dos ossos resgatados dos sepultamentos, vamos considerar apenas os dados fornecidos pelo inventário da arqueofauna encontrada.
Tal comparação, que a princípio pode não ter significado, pois quantidade de ossos não significa necessariamente quantidade de alimento, visa, repetimos, procurar alguma regularidade porcentual. Já sabemos de antemão que, provavelmente, a maioria das refeições, rituais ou como oferendas, se constituíam de carne de mamíferos.
Mas mesmo essa totalização de mamíferos pode ser complicada, pois grande parte dos ossos encontrados, enquanto unidades, foram classificados como “fragmentos de ossos não identificados”. Em função disso, procuramos saber se havia alguma regularidade entre a proporcionalidade desses ossos em relação ao total de ossos de mamíferos em seus diversos níveis. Obtivemos o seguinte resultado:
- Nível 00 – 10 cm = 69%
- Nível 10 – 20 cm = 58%
- Nível 20 – 30 cm = 61%
- Nível 30 – 40 cm = 83%
- Nível 40 – 50 cm = 52%
- Nível 50 – 70 cm = 57%
- Nível 70 – 80 cm = 00%

Como se vê, independente dos processos de contexto que porventura tenham ocorrido nos respectivos níveis, há uma regularidade na proporção de fragmentos de ossos não identificados em relação ao total de ossos de mamíferos nos níveis respectivos, com exceção do nível 70 – 80 cm, que não apresentou ossos fragmentados e 94% de ossos normais em relação da categoria de queima, por isso mesmo, pois ossos queimados são mais fáceis de se fragmentar, e o nível 30 – 40 cm, cuja arqueofauna se localizava sob outro nível cujo registro arqueológico detectou queima contínua, segundo nossa interpretação, por isso mesmo, aí sim, fragmentados.
Mas, mesmo que desconsiderássemos todos os fragmentos de ossos não identificados, o total de ossos de mamíferos, em todos os níveis, sempre totalizou mais que o dobro da de outras classes de animais.
Para efeito de estatística percentual, desprezamos os répteis e os invertebrados marinhos, pois os primeiros referem-se a quatro ossos de cabeça de Jacaré encontrados no nível 50 – 70 cm, provavelmente ossos representantes de um único espécime, e um maxilar de Teiú, encontrado no nível 10 – 20 cm, e os segundos referem-se a um Caracol marinho e uma pata de Siri, com dúvidas se utilizados como alimento.
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Eduardo Melander Filho
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quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Escavações Arqueológicas num Sambaqui Fluvial - Parte V





























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Se considerarmos uma evolução crescente, do mais antigo ao mais recente, isto é, se a partir do nível 70 – 80 cm avançarmos gradativamente ao nível 00 – 10 cm, então poderemos deduzir que:

A- A variação da porcentagem das aves transita entre 1% e 5%, podendo ser considerada 3% uma média razoável;
B- Os anfíbios começam com 12% e 13%, descem para 7% no nível 40 – 50, e daí sofrem uma queda brusca em direção ao 1%, média que praticamente se mantém até o final;
C- Os peixes começam com 6%, depois 4%, 3% no nível 40 – 50, caindo também, a partir daí, a uma média de 2% até o final, na prática;
D- Os mamíferos começam com 79%, depois 80%, 89%, 92%, mantendo no final uma média de 95%.

Eis aqui um fenômeno evidente. Não se trata de analisarmos o aumento percentual da arqueofauna mamífera, mas sim de compreendermos o porquê a arqueofauna de peixes e, principalmente, anfíbios, caíram tão bruscamente. No caso dos anfíbios, praticamente deixaram de aparecer. Se considerarmos, e é o que indica, que esses espécimes serviam de alimento, tanto ritual como no cotidiano, houve uma mudança radical nos hábitos alimentares. E aí, podem ser levantadas várias hipóteses.
Mudança climática é a primeira idéia que nos vêm. Ali era uma região de charco, daí a grande proliferação de anfíbios. Sabemos que há 7.000 anos AP, o nível do mar era 3 m acima do nível presente e que foi baixando gradativamente até 1 m acima do nível presente, há 2.000 anos AP. Ora, a ocupação do Moraes se deu em anos 5.985 AP até 4.511 anos AP, durante 1.474 anos. Nesse período, o nível do mar estava descendo gradativamente. Teria essa variação causado a seca da região charcosa em torno do Moraes? Houve mesmo seca ou outra variação climática qualquer? Essas hipóteses podem ser testadas através da história geológica da região.
Haveria a hipótese de mudança cultural. Mas daí, como se explicaria a diminuição também do consumo de peixes? Sintomática é a presença de dois anzóis entre os níveis 40 cm e 80 cm, pois certamente peixes eram produtos importantes.
A possibilidade de diminuição do consumo de peixes e anfíbios deve ser confrontada com os resultados de escavação de outras quadrículas em todos os setores e se fazer uma datação comparativa do fenômeno, se for comprovado enquanto tal, a fim de se compreender o processo que levou a redução do consumo dos espécimes em questão.
Resumindo, não sabemos se os sambaquieiros do Moraes consumiam carne do megalobulimus. Provavelmente consumiam vegetais, inclusive algumas raízes semelhantes à mandioca, pois exames dentários de corpos resgatados dos sepultamentos indicam essa prática. Sabemos que consumiam carne de mamíferos mais do que de outras espécies, ao que tudo indica, tendo diminuído o consumo de peixes e anfíbios por problemas ligados à ecologia da região em determinado momento histórico desse grupo.
Finalmente, gostaríamos de registrar que foram encontrados exemplares de ossos de animais que representam praticamente toda a fauna ainda hoje existente na Mata Atlântica, apontando para a diversidade dos costumes alimentares dessa população sambaquieira.

3.2- O SAMBAQUI DO MORAES

Os vestígios arqueológicos encontrados na quadrícula D-34 coincidem, em sua maior parte, com os encontrados no restante do Sambaqui do Moraes por expedições anteriores, que foram três.
A primeira aconteceu em 2001, quando foram escavadas as quadrículas F-11 a F-26.
A segunda ocorreu em 2002, quando quinze alunos finalizaram as quadrículas F-11 a F-26, além de abrirem quadrículas novas, da F-07 a F-10.
A terceira expedição de escavação realizou-se em 2004, quando doze alunos escavaram das quadrículas EF- 28 a EF-34.
Nossa expedição praticamente pegou o rescaldo dessa última.
As quantidades de líticos encontrados são pequenas. São eles constituídos, a maioria, de quartzo, sílex (que é raro na região) e basalto, o que também ocorreu na D-34. No entanto, encontramos várias peças grandes, como batedores e raspadores. São encontradas, também, pontas ósseas diversas, o que também nos ocorreu. Havia a prática de reutilização de objetos líticos, como é o caso do machado que encontramos, reaproveitado como raspador.
Encontraram-se, no sítio, ossos de pequenos animais de pequeno porte e anfíbios, sendo que ossos de grandes animais, aves, peixes e répteis são raros. No nosso caso, encontramos alguns ossos de fauna grande. No mais, essa descrição bate com o encontrado na D-34, a não ser peixes que apareciam na última camada e os anfíbios que desapareceram.
Há evidências de conexão com o litoral, conforme já o dissemos, e de atividades intensas em torno dos sambaquis, relacionadas com as práticas funerárias. A existência de vestígios de fogueira e lascamentos na D-34 devem se enquadrar nessa perspectiva.
Foram realizados estudos de zooarqueologia e paleopatologia, no sentido de se buscar conhecer o modo de vida dos sambaquieiros.
A única ocupação detectada no sítio foi a dos sambaquieiros, assim como não foi constatada a presença de cerâmica.
Característica fundamental do sítio do Moraes é a de que ele é, fundamentalmente, um cemitério, não se localizando nenhuma estrutura de residência em seu perímetro ou cercanias.

3.3- SAMBAQUIS DO RIBEIRA DO IGUAPE

Os Sambaquis fluviais são hoje entendidos como uma construção intencional, no sentido de marcar a paisagem e definir uma cerca territorialidade.
Localizados numa zona de transição entre o planalto e o litoral, o Vale do Rio Ribeira do Iguape, hoje se considera que seus antigos habitantes, de baixa estatura e constituição franzina, em contraposição aos habitantes do litoral que eram mais altos e robustos, assumiam comportamentos culturais do litoral, possuindo traços físicos do planalto. São sedentários e a ocupação dos Sambaquis é contínua e de longa duração.
Em sua grande maioria, são constituídos por concheiros entre 80 cm e 150 cm, medindo de 500 metros quadrados a 1900 metros quadrados, numa média de 1000 metros quadrados.
Possuem estruturas funerárias, que são mais freqüentes na periferia do Sambaqui. Encontram-se líticos de sílex, quartzo, arenito e calcário, produtos de lascamento por percussão direta. Artefatos polidos, mãos de pilão, machados, adornos de dentes, pontas ósseas, dentes pontiagudos, chifres e anzóis, são também encontrados.
Há certa abundância de restos de mamíferos como catetos, pacas e pequenos roedores, assim como também há a presença de peixes, anfíbios, aves e répteis.
Vinte e nove Sambaquis fluviais são hoje conhecidos no Vale do Ribeira, distribuídos em três regiões distintas: Miracatu e Pedro do Toledo; Cajatí; Itaoca/Iporanga.
São conhecidas três fases de ocupação dos Sambaquis, abaixo relacionadas:

Primeira fase – de 9.200 anos AP a 8.500 anos AP – dois sítios em Jacupiranga/Cajati;
Segunda fase – de 7.000 anos AP a 3.500 anos AP – nove sítios nas três regiões, inclusive o Moraes;
Terceira fase – de 1.700 anos AP a 1.200 anos AP – sete sítios em Itaoca;
Primeira interfase (não ocupação) – de 8.500 anos AP a 7.000 anos AP;
Segunda interfase – de 3.500 anos AP a 1.700 anos AP.

Quanto à questão da origem das populações que habitavam os Sambaquis fluviais do Vale do Ribeira, acreditava-se que eram de origem litorânea e que esse grupo, talvez por motivos populacionais, estava subindo em direção ao planalto. No entanto, exames bioantropológicos conferem a essa população uma etnogenia diferente da litorânea, indicando que eles vieram do planalto.
Para polemizar ainda mais a questão, exames feitos no crânio achado no sítio de Capelinha indicam que ele é mais parecido com paleoíndios, cujas características são, segundo Walter Neves, negróides. É uma velha polêmica, pois esse bioantropólogo propõe uma entrada nas Américas de um grupo com características australóides por volta de 14.000 anos AP, anterior, portanto, à migração da leva mongolóide, cujas características são as que prevalecem hoje entre os indígenas americanos. O povo de Lagoa Santa, simbolizado em “Luzia”, seria o representante brasileiro dessa leva australóide ou negróide. Os homens dessa “raça” chamada láguida teriam descido o planalto em direção ao litoral.
Exames feitos em ossos recuperados em sepultamentos no sítio do Moraes, embora até agora inconclusivos, revelam certa similaridade entre esses habitantes e o homem de Capelinha, embora separados no tempo de 3.000 a 4.000 anos. De qualquer maneira, como já o dissemos, as características dos habitantes dos Sambaquis fluviais são diferentes das dos habitantes dos Sambaquis litorâneos.
A antiguidade do sítio Capelinha ultrapassa a antiguidade dos Sambaquis litorâneos, criando nova polêmica. Porém, há 10.000 anos AP o litoral encontrava-se abaixo do nível atual. Como já vimos, por volta de 7.000 anos AP ele atingiu 3 m acima do nível atual em sua subida gradual desde o final do pleistoceno. Assim, se houve Sambaquis no litoral nessa época, eles estão hoje debaixo do mar ou simplesmente desapareceram os seus vestígios para sempre.

3.4- A GRANDE QUESTÃO

Os arqueólogos e estudiosos dos Sambaquis no Brasil polemizavam em torno de duas correntes de interpretação. A primeira denominada naturalista avaliava os Sambaquis como produto de formação natural, sem interferência do homem em sua constituição. A segunda, artificialista, defendia como produto da intervenção humana.
Superada essa polêmica com a agregação quase que unânime em torno dos artificialistas, surge dentro desta corrente dois novos grupos: aqueles que defendem que os Sambaquis foram formados por sucessivas ocupações, por restos de detritos e de alimentos e aqueles que defendem o Sambaqui como lugar de sepultamento, segregado do local de habitação. A polêmica que se estabelece entre estas correntes, denominadas de “moradia” e de “cemitério”, é a que dá o tom do momento no debate entre os arqueólogos da velha e da nova geração.
Madu Gaspar, assim como outros notórios acadêmicos, alguns dignitários do MAE-USP, entende o Sambaqui como o resultado de um trabalho social ordenado na construção de um marco paisagístico. Compara o estudo da construção de um Sambaqui com o estudo da construção de uma igreja. Para ela, a grande variabilidade de rituais funerários encontrados nos Sambaquis, nos acompanhamentos funerários e também nos corpos, indica o início de uma divisão social. Esse pensamento faz parte de uma corrente que pensa nos Sambaquis e Aterros, como os do Amazonas, como construções, portanto, com uma arquitetura proposital.
Esse posicionamento intelectual suscita novas reflexões, pois para se construir um monumento paisagístico é necessário que haja uma ordem social que permita tal construção. Uma ordem social mais complexa, onde já se tenha aparecido indícios de divisão do trabalho.
Tradicionalmente, as etapas de evolução tecnológica das populações em estudos no passado são classificadas de: paleoíndios, que são organizados em bandos pequenos em regime igualitário; período arcaico, organizados em grupos maiores de caçador-coletores ou coletor-pescadores, também em regime igualitário; e período formativo, organizados em tribos de agricultores ceramistas, igualitárias.
Os Sambaquieiros já foram classificados em todas essas etapas: como bando de nômades, residentes temporários dos assentamentos Sambaquieiros; como pescador-caçador-coletores, inclusive constituindo uma tradição lítica, assim como as tradições Umbu, Humaitá e Itaparica; e como ceramistas, assim como as tradições Tupi-Guarani, Amazônicas, Taquara-Itararé, Una, Aratú e Uru, pois no Maranhão há um Sambaqui em que foi encontrada a cerâmica mais antiga da América.
Na perspectiva da construção intencional de um monumento paisagístico, centro funerário de rituais ligados, provavelmente, por comparação etnográfica, ao culto dos antepassados, os grupos sociais não poderiam estar organizados em bandos ou tribos, mas em chefias, organizações sociais que reuniam milhares de pessoas, em que também apareceriam diferenciações sociais. Dessa forma, o Sambaqui não pode ser visto como uma unidade isolada, mas sim integrante de um sistema maior de Sambaquis, que envolve toda uma região.
Essa é a grande questão hoje na discussão dos Sambaquis.
GLOSSÁRIO

Antracologia – Estudo do carvão
AP – Antes do presente. Datação em Carbono 14. O presente deve ser entendido como o ano de 1950, quando começou esse tipo de datação. Assim, se temos 5000 anos AP, deve ser calculado como 1950 menos 5000 anos.
Arqueofauna – Vestígios de fauna com indícios de ação direta ou indireto do homem.
Artefatos – Instrumentos fabricados pelo homem de materiais diversos.
Batedor – O mesmo que percussor.
Camada de terra estéril – Camada estratigráfica onde não há contextos arqueológicos.
Camada estável – Que não sofreu deposições coluviais
Concheiro – Camada estratigráfica composta por conchas de várias espécies ou caramujos.
Debitagem – Pequenos retoques que se dá com um percussor em torno de uma peça lascada para melhor modelação.
Decapagem – Escavação onde a terra é removida em finas camadas sucessivamente.
Deposições – Referência aos materiais arqueológicos depositados nas camadas estratigráficas.
Estratigrafia – As distintas camadas dos diversos níveis de escavação, cada qual com propriedades várias e próprias, sendo as mais antigas as mais profundas e as mais recentes as próximas à superfície.
Estrutura – Fogão, enterramento, manchas, etc.
Fichas de nível de escavação – Para cada nível escavado, correspondente a cada quadrícula (ex: nível 10 cm – 20 cm), há uma ficha onde são registrados todos os materiais recolhidos e suas coordenadas.
Holoceno – Período que começou com o fim do Pleistoceno, com duração até os dias de hoje.
Homem de Capelinha – Homem datado de 9.000 anos AP, encontrado no Sambaqui Fluvial Capelinha II, no Vale do Ribeira.
Lavagem de material – Todo material recolhido numa escavação é lavado um a um em laboratório antes que se comecem os trabalhos de análise.
Líticos – Instrumentos feitos de pedras ou rochas que sofreram a ação direta ou indireta do homem.
Luzia – Crânio encontrado por Anette Laming Amperére em 1975 em Minas Gerais, datado de mais ou menos 11.000 anos AP. Walter Neves estudou esse crânio e chegou à conclusão de que se trata de um espécime australóide e não mongolóide como são os atuais índios americanos.
Nível – Referente ao ponto “Z” (ponto mais alto do sítio), quando é marcado em centímetros abaixo, ou referente ao nível “0” da quadrícula no início da decapagem, quando é marcardo em 0-10 cm, 10-20 cm, e assim sucessivamente.
Nível Z – O nível zero da escavação. Normalmente o ponto mais alto do sítio.
Nivelador de distância – Instrumento que serve para medir o nível de profundidade das escavações.
Paleoíndios – Os índios do Pleistoceno.
Paleopraia – Praia de um antigo curso dágua.
Pedra Queimada – Pedras queimadas por ação direta ou indireta do fogo, provavelmente por fazerem parte de estruturas conhecidas por “fogão” (pedras dispostas em torno de uma fogueira).
Percussor – Pedras cujo possível uso era o de tirar grandes lascas de uma rocha núcleo, funcionando como um martelo.
Perfil estratigráfico – Desenho onde aparecem as distintas camadas estratigráficas.
Pleistoceno – Período entre o Plioceno e o Holoceno, de duração entre 1,8 milhão de anos AP e 10.000 anos AP.
Ponto Zero – O ponto a partir do qual começa o mapeamento do sítio arqueológico. É um ponto qualquer arbitrário fora do sítio propriamente dito.
Processo tafonômico – O processo dos movimentos pós-deposicionais.
Raspador – Artefatos que possivelmente foram usados para raspar peles, madeira, etc.
Tafonomia – Estudo dos movimentos pós-deposicionais. Ex: alterações de depósitos arqueológicos por passagem de arados; alterações de terreno causados por chuva; etc.
Terra preta – A camada de terra preta indica solo fertil antropogênico, pois é produto de assentamentos humanos do passado.
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