domingo, 28 de setembro de 2008

Reportagem sobre o Museu de Arqueologia Municipal de Monte Alto-SP

Luiz Carlos Borges Pinto, especialista do MAE-USP, restaurando uma urna funerária

Fragmentos de cerâmica aguardando tombamento após higienização





Museu de Arqueologia de Monte Alto




Publicada em: [ 25/09/2008 ]




Thiago Oliva


Assessoria de Imprensa




O Museu de Arqueologia de Monte Alto, situado no Centro Cívico Cultural, recebeu entre os dias 10 a 13 de setembro, a visita de sua Curadora, a professora Dra. Márcia Angelina Alves, também arqueóloga da USP, para a realização dos seguintes trabalhos:- Catalogação do material cerâmico retirado do sítio arqueológico na campanha da escavação de 2006;- Montagem de 2 vitrines que representam os VESTÍGIOS FÁLICOS (piercing de pedra e um instrumento de fertilidade) e os FRAGMENTOS CERÂMICOS DE CUSCUZEIRO (vestígios que indicam a cultura do milho);- Montagem de uma exposição permanente para deficientes visuais.Durante os trabalhos, a professora esteve acompanhada de Eduardo Melander Filho, historiador e mestrando em arqueologia, que desempenha o trabalho de reconstrução e catalogação do material cerâmico da reserva técnica do Museu e Luiz Carlos Borges Pinto, técnico do museu da USP (São Paulo), responsável pela conservação e restauração do material arqueológico."Essa reestruturação do Museu tinha que acontecer pois queremos sempre o melhor para os nossos visitantes", declarou Antonio Eduardo Justino Leite, professor de Biologia e Diretor do Museu de Arqueologia, que colaborou com os trabalhos juntamente com o monitor Vilson de Oliveira.




FONTES




PREFEITURA MUNICIPAL DE MONTE ALTO-SP. Site Oficial de oferecimento de serviços aos munícipes. Disponível em: <http://www.montealto.sp.gov.br/noticias.php?id=1347>. Acesso em: 28 set 2008.
.
Jornal Cidade Sonho, Monte Alto, 26/09/2008. Caderno 1, p. 1 e Caderno 3, p. 2 respectivamente.
.
Tribuna Região, Monte Alto, 26/09/2008. Cotidiano. Disponível em: <http://tribunaregiao.com.br/cotidiano/noticias.php?idNot=15645>. Acesso em: 15/10/2008.

Comentários sobre um texto de Sartre a partir de reflexões hermenêuticas: "La Nausée"

La Nausée em sua edição em português

Jean Paul Sartre



Eduardo Melander Filho


O personagem-narrador do romance de Sartre, Antoine Roquentin, escreve seu diário na cidade de Bouville, na França, onde procura concluir suas pesquisas históricas sobre o marques de Rollebon.

“A figura do marquês é como a tinta com que escrevo: empalideceu muito, desde que trabalho com ela.
Antes de mais nada, a partir de 1801 deixo de lhe compreender os actos. Não são os documentos que faltam: cartas, fragmentos de memórias, relatórios secretos, arquivos da polícia. Pelo contrário, tenho documentos de mais. O que falta, em todos estes testemunhos, é firmeza, consistência. Não se contradizem, isso não, mas também não concordam; dir-se-ia que não se referem à mesma pessoa. E, todavia, os outros historiadores trabalham sobre informações da mesma espécie. Como é que fazem? Serei mais escrupuloso ou menos inteligente? ...
Evidentemente, pode admitir-se que Rollebon tenha tomado parte activa no assassínio de Paulo I, que tenha aceitado em seguida uma missão de alta espionagem no Oriente, por conta do czar, e traído constantemente o czar em benefício de Napoleão. Pode ao mesmo tempo ter mantido uma correspondência activa com o conde de Artois e ter-lhe comunicado informações de pouca importância para o convencer de sua fidelidade. Nada disso é inverossímil; Fouché, na mesma altura, representava uma comédia muito mais complexa e perigosa. Talvez também o marquês fizesse por sua conta comércio de espingardas com os principados asiáticos.
Sim, é verdade: fez possivelmente tudo isso, mas nada está provado;começo a pensar que não se pode provar coisa nenhuma. São tudo hipóteses sustentáveis e capazes de explicar os factos: mas vejo distintamente que saem de mim próprio, que são apenas uma maneira de unificar os meus conhecimentos. Do lado de Rollebon não vem a mínima luz. Lentos, preguiçosos, enfadados, os factos conformam-se mais ou menos com a ordem que entendo dar-lhes; mas o marquês permanece-lhes exterior. Fica-me a impressão de fazer um trabalho de imaginação pura. E, mesmo assim, tenho a certeza de que personagens de romance pareceriam mais verdadeiras: seriam, em todo o caso, mais divertidas.”

J.P.Sartre, A Náusea, pp.26-27. Lisboa: Europa-América, 1969.




O trecho referente foi retirado de “A Náusea” – La Nausée - primeiro romance de Jean-Paul Sartre, publicado em 1938 e dedicado à Simone de Beauvoir. A obra trata do historiador Antoine Roquentin, que se viu em voltas de escrever e pesquisar sobre o Marques de Rollebon, na cidade de Bouville, França. Antoine, durante o processo, vai chegando à conclusão de que a existência precede a qualquer significado. Por fim, desiste da investigação por não encontrar nenhum sentido naquilo que estava fazendo, recusando-se a dar vida a um personagem histórico, para inventar um personagem numa novela que ele escreve, personagem, que por se tratar de uma ficção, é desprovido de existência.
Na obra há a citação de Fouché. Possivelmente trata-se de Joseph Fouché, conhecido pela habilidade de assegurar sua própria sobrevivência e por ter se mantido no poder não importando quem estivesse no governo da França. De Girondino passou a Jacobino radical, participando ativamente do Terror e depois conspirando contra Robespierre. Participou também do golpe de Estado de Napoleão e depois conspirou pelo retorno dos Bourbons. Foi destituído apenas em 1816.
O personagem historiador Antoine Roquentin revela uma amargura imensa por não conseguir escrever sobre o Marques de Rollebon. Ele não consegue trabalhar com os documentos da maneira que ele gostaria. Eles nada revelam. Até consegue articular os fatos de tal maneira que correspondam às suas expectativas, mas não se convence. Sua angústia o leva a impressão de estar fazendo um trabalho de imaginação pura e que os personagens de um romance pareceriam mais verdadeiros.
Vamos examinar o texto de acordo com os problemas que se apresentam ao historiador, ou seja, o personagem Antoine. Obviamente já estudamos o perfil do historiador, seguindo o conselho de Carr, mesmo que ele seja apenas um personagem literário.
O historiador em questão possui dois tipos de problemas: de relacionamento com os documentos e de compreensão. Vamos então tratar dos temas um a um, de acordo com os textos dos hermeneutas.
O primeiro problema, de relacionamento com os textos, Antoine nos diz que não faltam documentos, mas falta-lhes firmeza, além de parecer que não se referem à mesma pessoa. Na verdade os textos não falam por si só. A reprodução do que os documentos diziam, esse fetiche pelo documento, próprio da escola metódica e dos positivistas e mesmo do século XIX – segundo Carr - hoje é considerada ultrapassada, mas não na época do personagem.
Collingwood designa essa história documental de história de cola e tesoura, como se fossemos recortando o que nos interessa e colando numa ordem pré-fixada. Numa comparação com a história científica, recorda que os historiadores de cola e tesoura lêem o documento com o espírito receptivo para descobrir o que eles dizem, enquanto que os historiadores científicos lêem os documentos interrogando-os mentalmente. Os historiadores de cola e tesoura lêem os autores considerando que nunca serão capazes de descobrir, a partir dos mesmos autores, aquilo que eles lhe dizem.
E. G. Carr, que também critica essa reverência excessiva dos metódicos ao documento, que consideram a história documental como imutável depois de escrita, considera, em relação aos fatos históricos, que eles nunca chegam puros, cabendo a mente idealizá-los. Por isso muitos eruditos – de cola e tesoura - por causa do excesso de documentos, da pesquisa interminável conseqüente, impacientes que ficam, caem no ceticismo, considerando que todos os julgamentos históricos são relativos, não havendo por isso verdade histórica objetiva. Carr nos lembra que o estabelecimento de fatos básicos não repousa na qualidade dos fatos, mas da decisão a priori do historiador.
Como vemos, o personagem historiador porta-se como um historiador de cola e tesoura, esperando que o texto lhe diga o que não pode dizer e que os fatos se revelem por si só.
O segundo problema, o de compreensão, quanto a isso, Antoine confessa de, apesar dos fatos se conformarem com a ordem que ele quer dar, a figura do marques permanece exterior. A interioridade que o personagem deseja alcançar seria possível através da compreensão.
Dilthey considera a compreensão como um método que consiste em “entrar na cabeça do objeto de estudo através da ‘empatia’”. O ato de se colocar no lugar do outro é compreender, sempre levando em questão de que o historiador é também sujeito histórico. Entende como empatia o universo do pensamento que é compartilhado socialmente, principalmente a linguagem. Todos já nascem compartilhando de uma simbologia comum, no que Dilthey dá o nome de inconsciente coletivo compartilhado.
E. G Carr considera possível alcançar a compreensão não através da empatia, mas através da “imaginação”.
Croce também faz parte da linha da compreensão. Para ele, o alcance da compreensão se dá pela via do reencenamento, ou seja, reviver teatralmente a experiência do sujeito histórico. O conceito de reviver, só é possível aplicá-lo pela ligação cultural e temporal que se manifesta acima do indivíduo, o espírito coletivo. Croce também considera que toda a história é do presente, que é uma história viva. A história passada, a que já não tem ligação com o presente, é uma história morta. Nessa linha, separa a história (história viva) da crônica (história morta). Assim, toda a história separada dos documentos vivos são narrações vazias e, porque vazias, privadas de verdade.
Collingwood pratica a maneira Croceana de reviver o passado. Para ele o que se tem que compreender são as intenções contidas num conjunto de ações. Em relação aos documentos considera que a interpretação não se funda no testemunho, pois o historiador vai para o testemunho não para aceitá-lo, mas para criticá-lo. Sendo a história a história do pensamento, o historiador deve tentar recuperar o que há de comum entre o dele e o dos outros através do re-encenar. Pode-se alcançar a compreensão através da “afinidade” do historiador com o objeto de estudo, a fim de recuperar o pensamento. Para a história, o objeto a ser descoberto não é o evento, mas o pensamento expresso nele. Descobrir o pensamento é compreendê-lo. A história do pensamento, ou seja, toda a história, é a re-pre-sentação do pensamento passado no próprio espírito do historiador. Re-presenta-o no contexto do próprio conhecimento, e ao re-presenta-lo , critica-o, faz dele juízo de valor e corrige possíveis erros que nele encontre.
Antoine reclama no final por ficar com a impressão de estar fazendo um trabalho de imaginação pura, mas é justamente essa imaginação uma das condições necessárias, segundo Croce e Collingwood pelo menos, para se alcançar a compreensão. Mas quais seriam os desígnios do personagem enquanto personagem literário? Não sabemos. Mas, com certeza, isso é tarefa da literatura. De nossa parte, preferimos tratar dos que existem e existiram, deixando de lado àqueles que nunca existirão.


2006

Comentários sobre um texto de Dostoievski a partir de reflexões hermenêuticas: Memórias do subsolo

Capa da edição em português

Fyodor Dostoievski



Eduardo Melander Filho



“é possível ser absolutamente franco, pelo menos consigo mesmo, e não temer a verdade integral? Observarei a propósito: Heine afirma que uma autobiografia exata é quase impossível, e que uma pessoa falando de si mesma certamente há de mentir. Na sua opinião, Rousseau, por exemplo, com toda certeza, mentiu a respeito de si mesmo, na sua confissão, e fê-lo até intencionalmente, por vaidade. Estou certo de que Heine tem razão; compreendo muito bem que se possa às vezes, apenas por vaidade, até urdir crimes a respeito de si mesmo, e percebo muito bem de que tipo essa vaidade pode ser. Mas Heine estava emitindo juízo sobre um homem que fazia sua confissão em público, e eu escrevo unicamente para mim, e declaro de uma vez por todas que, embora escreva como se me dirigisse a leitores, faço-o apenas por exibição, pois assim me é mais fácil escrever.Trata-se de forma, unicamente de forma vazia, e eu nunca hei de ter leitores. Já declarei isso uma vez ...”



F. Dostoiévski, O Homem do Subsolo, pp.52-3. S. Paulo: Ed. 34, 2000





O romance “O Homem do Subsolo” foi publicado pela primeira vez em 1864 na revista literária “Época”, fundada por Dostoievski e seu irmão. O personagem “Sem Nome”, funcionário da baixa burocracia russa, é um angustiado e pessimista. Revela-nos um absoluto desprezo pelo mundo a sua volta escolhendo a solidão, fato que o torna mais amargurado ainda. Dá-nos a certeza de sua profunda aversão pelo racionalismo e pela mentalidade positivista proeminentes no século em que vivia. Representa a constituição da sociedade moderna fundamentada na razão iluminista e suas contradições. Manifesta uma relação entre desejo e culpa e a frágil linha que separa a demência da razão.
A obra tem como um dos componentes centrais a questão dos limites impostos ao homem e esses limites são as leis da natureza, as ciências naturais, a matemática, a razão como medida única de todo o existente, que o personagem chama de “muro de pedra”.
Nesse trecho da obra em questão é também citada a figura de Heine. Cremos que se refira a Heinrich Heine, personagem histórico, poeta alemão do romantismo – em oposição ao iluminismo – de influência enorme dentro e fora da Alemanha da segunda metade do século XIX. Seus poemas são cheios de infelicidade e lamentações amorosas, de um lirismo melancólico profundo. Não é coincidência a ligação do poeta com o personagem sem nome. Conhecidas se tornaram frases de efeito de autoria do poeta, tais como: “Deus me perdoará. É a sua profissão” e “Quem nunca na vida foi doido, jamais foi sábio”.
No início do trecho em epígrafe, “Sem Nome” se pergunta se há a possibilidade da franqueza absoluta e não temer a “verdade integral”, pelo menos consigo. Mas o que é essa “verdade integral”?
O termo “integral”, segundo dicionários vários, significa: inteiro; completo; total; perfeito; exato; inatacável; global. Textos canônicos recentes, alguns escritos pessoalmente pelo Papa Bento XVI, chamam a cristandade em rumo à “verdade integral “ através dos Evangelhos, em oposição ao relativismo que prolifera hoje em todo o mundo. Podemos entender então “verdade integral” como verdade única, que não admite verdade relativa ou qualquer outra verdade, que é “plena”, “llena”, cheia, que não tem para onde transbordar porque tudo está ocupado dela. Então essa “verdade” só pode ter duas origens inspiratórias: É uma “verdade integral” emanada de Deus ou é uma “verdade integral” emanada das leis da natureza.
Croce, a propósito, vê uma relação muito intrínseca entre o naturalismo imanente e a filosofia da história transcendente, conforme o que escreveu: “O naturalismo é sempre coroado por uma filosofia da história... (...) ...quer o universo se explique pelos átomos que se entrechocam... (...) ...choques e movimentos produzem o curso histórico... (...) ...quer ao Deus oculto se chame Matéria, ou Inconsciente... (...) ...quer, finalmente, se conceba como uma Inteligência que se vale da cadeia das causas para realizar seus desígnios.” Em seguida: “ ...todo o filósofo da história é um naturalista e isto porque é dualista e concebe Deus e um mundo, uma Idéia e um facto diferente da Idéia ou subordinado a ela, um Reino de fins e um Reino ou sub-reino de causas, uma cidade celestial e outra que é mais ou menos diabólica ou terrena.” Obviamente que aqui não se trata de uma comparação com a afirmação anterior, mas sim uma tentativa de correlacionar extremos naquilo que eles tem de mais comum: sua verdade como única totalidade universal.
Nosso personagem continua exemplificando em seguida, colocando que Heine afirma que autobiografia exata é quase impossível e que aquele que a faz, há de mentir, afirmação esta que o indagador concorda e até compreende. Até aqui o que nos surpreende é o fato de o personagem central utilizar termos totalizantes próprios também das ciências naturais, quando ele é avesso aos princípios dessa mesma ciência – essa aversão embora não esteja explícita no trecho discutido, está implícita, pois a incorporamos das informações preliminares - e de que um poeta romântico, portanto avesso ao Iluminismo, utilize a palavra “exata”, própria da terminologia Iluminista. Acontece que se trata de uma alegoria em que as indagações e afirmações se dão em tom de sarcasmo.
A trama contida na alegoria começa se tornar mais clara quando se diz que Rousseau, um dos maiores expoentes do iluminismo, intencionalmente mentiu na sua confissão pública por vaidade. É uma alegoria do próprio Iluminismo em cheque.
I. Berlim nos diz mais sobre as origens desse confronto, referindo-se a Voltaire como figura central do Iluminismo, pois foi um implacável divulgador dos seus princípios. O Iluminismo, baseado em “ ...verdades eternas, infinitas, idênticas em todas as esferas da atividade humana – moral e política, social e econômica, científica e artística... “, reconhecíveis somente pelo instrumento da “razão”, não era interpretado por Voltaire pelo método dedutivo da lógica ou matemática, mas pelo “bom senso”, que embora não fosse exato, atingia grande proximidade, própria para os assuntos humanos.
A primeira reação contra essa ditadura da razão, veio de Giambattista Vico de Nápoles. Vico afirmava que a matemática, apesar de ser uma disciplina que levava a proposições irrefutáveis de validade universal, não era, como desde os pensadores antigos se sustentava, reflexo da estrutura básica da realidade, aliás, não era reflexo de nada. A matemática não era uma descoberta, mas sim uma invenção humana. Assim, através de premissas criadas pelo próprio homem, os matemáticos, com regras criadas por eles, podiam chegar a conclusões que, na verdade, resultavam logicamente dessas premissas. Por isso, pelo fato de ser criado pelo homem, poderia ser conhecida por dentro, não como a natureza que era uma criação externa ao homem. Em 1719, Vico afirmou que a história humana também poderia ser conhecida por dentro, pois era um produto dos homens. Como homens, nós éramos privilegiados como observadores de nós mesmos, e, portanto, não poderíamos nos submeter ao ideal de uma ciência unificada de tudo o que existe. Vico via a possibilidade da reconstrução da história pela possibilidade recapturar a experiência coletiva de nossa “raça” pela fantasia, numa espécie de projeção daquilo que seria uma memória coletiva dos primitivos.
Algumas das formulações de Vico foram desenvolvidas posteriormente também por Herder, muito embora não se saiba de algum contato com a obra original. Importante e lembrar da estreita ligação entre Herder e Heine pelo Romantismo alemão, embora sejam de épocas distintas. É também no Romantismo alemão que surge a maior reação aos conceitos do Iluminismo.
Voltando ao texto, necessário é algum esclarecimento a respeito da confissão de Rousseau. A referência se deve, creio mais uma vez, a um incidente ocorrido no séc. XVIII. Um panfleto anônimo, ao que parece escrito por Voltaire, intitulado “Lê sentiment des citoyens” – o sentimento dos cidadãos - acusava Rousseau de hipócrita, pai desnaturado e amigo ingrato. Particularmente denunciava Rousseau de entregar seus cinco filhos com sua empregada doméstica a instituições públicas, depois de considerá-los bastardos. Rousseau, depois disso, resolveu escrever sua autobiografia que se intitulou “Confissões”.
A alegoria assim toma forma: é a negação do Iluminismo através do Romantismo; da verdade produto da natureza através da verdade produto humano; da perfeição pela imperfeição; do racional pelo irracional. Mas “Sem Nome” não se conforma. Diz que, afinal, Rousseau fez uma confissão pública através de um documento público. Ele não. Suas confissões são para si mesmo. Também ele mente sobre si mesmo?
Croce diria que existem história viva e história morta. Um documento público pode ser um documento da história viva, mas jamais um documento nunca divulgado e escrito para si mesmo. Uma autobiografia pública interessa à história na medida em que traga uma contribuição à história dos – e não do – homens de toda uma época. Uma que é reflexão de si para si não interessa. Faz parte, de antemão, da história morta.
E. G. Carr diria mais a respeito. Para o historiador não importa o ponto de vista moral de um determinado protagonista histórico. Só interessaria no caso deste detalhe influenciar de fato nos acontecimentos. Assim, para o historiador, o fato de Rousseau ter mentido sobre si mesmo é irrelevante historicamente. Até por que nenhum documento é sinônimo de verdade, e, por isso mesmo, o historiador tem de duvidar de antemão da veracidade da narrativa. Também não interessa se o personagem “Sem Nome” minta ou não para si mesmo. Interessa sim que este documento jamais será lido por alguém e, portanto, não é documento.
E aqui se fecha a alegoria: homem público x homem privado; sociedade x indivíduo; narrativa história x narrativa literária. Numa metáfora final, são personagens reais em oposição ao personagem fictício. E por ser fictício, nunca esteve no processo histórico.
Mas quem é o personagem, enfim? Lembra-nos as duas dimensões da Grécia Nietzschiana: a Apolínea, que representa a ordem, racionalidade, simetria, etc..., e a Dionisíaca, que representa o mistério, o disforme, a irracionalidade, etc... “Sem Nome” representa a própria face de Dionísio. Só que o personagem escolhe esse seu destino e essa escolha talvez seja um gesto de liberdade. Porque, talvez, para sobreviver, tenha que se transformar no super homem Nietzscheano. Ou, talvez, prefira aquilo que E. G. Carr revela como o mito de Kirilov, personagem em Demônios de Dostoievski que se suicida para demonstrar a liberdade perfeita, pois qualquer outro ato possível seria social.


2006

Exposições Universais

O Palácio de Cristal

Cena dentro do Palácio de Cristal

Estrutura vista a partir do interior do Palácio de Cristal


Eduardo Melander Filho


S U M Á R I O


1- Apresentação do trabalho
2- Conjuntura sócio-cultural e ideológica das Exposições
3- O clima de entusiasmo contagiante das Exposições
4- As críticas e as previsões: Siemens, Marx, Engels, Dostoievski, Walter Benjamim
5- A monumentabilidade
6- A indústria cultural e a crítica ao “enobrecimento”
7- Celebração do Nacionalismo e do Imperialismo – “A paz Universal”
8- Os internacionalismos: burguês e operário




1- Apresentação do trabalho

Escolhemos refletir sobre o texto original “Exposições Universais: Breve itinerário do exibicionismo burguês” IN “Trem Fantasma: A Modernidade na Selva” de Francisco Foot Hardman, no intuito de combinar uma apresentação em Seminário que fizemos sobre o tema no Museu Paulista da USP (do Ipiranga), por ser ele, o texto, bastante amplo quanto às perspectivas de discussão sobre um assunto tão instigante quanto o é o das Exposições Universais da segunda metade do século XIX.
Particularmente não gostamos de trabalhos em grupo. Isso devido à própria trajetória histórica desse tipo de trabalho de pesquisa. Antes, há muitos anos atrás, a proposta era a da construção coletiva de um projeto também coletivo. Hoje, em consonância com o pós-modernismo desintegrador e fragmentário, é apenas uma somatória de trabalhos individuais realizados separadamente sobre um tema, com enfoques distintos e muitas vezes díspares. A apresentação do nosso Seminário foi um pouco disso, muito embora, em nossa opinião, tenha sido excelente.
Assim, neste escrito, pretendemos individualmente, numa coerência que se mostra impossível num trabalho conjunto nos dias de hoje, apresentar uma visão mais pessoal dentro das perspectivas e expectativas que giram em torno daquilo que consideramos a locomotora da história: a luta de classes.
Neste trabalho, que pretende ser uma resenha crítica sobre o texto em epígrafe, a título de enriquecimento, introduzimos vários “enchertos”, utilizando para isso de outros textos que constam da bibliografia da disciplina “Cultura Visual no Século XIX: Museus, Exposições e Cidades” do Museu Paulista da USP, assim como da bibliografia de apoio ao Seminário que apresentamos, além de outras. Pretendemos com isso dar maior consistência à interpretação do texto, sem contudo mutilar a resenha enquanto tal.
O autor é Livre-docente pela Universidade Estadual de Campinas desde 1994. Fez Mestrado em Ciência Política na própria Unicamp, Doutorado em Filosofia na Universidade de São Paulo e Pós-doutorado no College Internacional de Philosophie, em França. Publicou e organizou dezenas de livros e centenas de artigos diversos.
Duas questões precedem a apresentação da resenha propriamente dita.
A primeira é em relação ao período analisado e que muitos autores do passado recente sugeriram a segunda metade do século XIX como sendo a época da “segunda revolução industrial”. É necessário precisar os conceitos que vamos utilizar no nosso entendimento da questão.
Sob o ponto de vista Marxista, revolução deve ser entendida como um processo de ruptura onde surge uma nova ordem econômico-social-político-cultural em detrimento de uma antiga ordem da mesma monta. O período definido como revolucionário, em que formas antigas e novas de sociedade e modo de produção convivem lado a lado, pode variar em termos temporais. Autores marxistas diferem na situação da duração deste período. Alguns o situam entre 1789 e 1795. Outros como Maurice Dobb, o situam entre 1789 e 1840. A maioria concorda que após 1820 a revolução burguesa está encerrada, não mais havendo formas feudais determinantes no conjunto social da época.
Dessa maneira, devemos entender que não houve uma segunda revolução industrial, mas um processo de afinamento cultural, que poderíamos até de chamar pretensiosamente de revolução cultural burguesa num contexto de reorganização social do trabalho.
Jonathan Crary em “A modernidade e o problema do observador” parece concordar com essa visão. Sobre aquela nova sociedade que se organiza em torno de um novo visual, ele faz a seguinte colocação: “Estou sugerindo aqui que uma transformação mais ampla e muito mais importante nas características da visão ocorreu no início do século XIX. A pintura modernista dos anos 1870 e 1880 e o desenvolvimento da fotografia a partir de 1839 podem ser vistos, como sintomas ou conseqüências dessa mudança crucial de sistema, que estava se processando por volta de 1820”
Sobre o conceito de revolução, Crary coloca que: “A noção de modernização torna-se um útil quando retirada das determinações teológicas e originalmente econômicas e quando abrange não apenas mudanças estruturais em formações políticas e econômicas, mas também a imensa reorganização de conhecimento, linguagens, redes de espaços e comunicações e a própria subjetividade”.
A segunda questão se dá em relação ao movimento cultural da segunda metade do século XIX, particularmente expresso nas Exposições Universais do igual período, onde a “nova realidade” aparece como natural, dada, inevitável e inexorável. Uma realidade a ser assimilada e imitada. Obviamente que, sob nossa interpretação, trata-se de uma realidade ideologicamente criada, com objetivos claros e ligados ao capitalismo recém triunfante. Trata-se de criar um comportamento social novo e compatível com o novo modo de produção.
Heloisa Barbuy em “Museus, exposições e cidade: cultura visual no século XIX” revela algo sobre a criação de algo que nunca existiu, quando escreve sobre a Exposição retrospectiva do trabalho e a evolução das técnicas de produção na Exposição Universal de 1889 e da aldeia Caiová montada na Exposição Nacional de 1908: ambas as técnicas se assemelham à aldeia da pré-história (algo que nunca existiu de fato).
Essa tendência a recriar o que nunca existiu vem da necessidade de transformar em naturais comportamentos adaptativos a serem criados em função dessa nova ordem ou, em última análise, em função da máquina, a grande “vedete”.
Barbuy, em “A Exposição Universal de 1889 e o problema da visualidade” parece corroborar nossa visão. Diz: “As exposições universais são manifestações especialmente ricas da “sociedade do espetáculo”... (...) ...mistos de museus, teatros, atrações populares e vitrines comerciais. (...) ...a ser apreendida, visualmente, por um observador que obedece à disciplina própria do espetáculo, tendo de seguir regras determinadas de comportamento para poder participar do que lhe é apresentado”.
Recentemente fomos obrigados a comparecer num “poupa tempo”. As pessoas andavam direitinho em “cima” das faixas indicativas de direção sem se desviar um centímetro sequer de seu destino. Pegavam sua senha e aguardavam sentadas e em silêncio ao seu chamamento. Inconformados que ficamos com aquela ordem extrema, sentamo-nos num encosto de banco. Em menos de um minuto veio o vigilante nos alertar da proibição: “aí não é lugar de se sentar”. Prosseguimos permanecendo em pé, quando novamente nos alertaram que estaríamos “em melhor acomodação” se estivéssemos sentados. Por fim, chamaram-nos pelo número. Aí, fomos obrigados a assinar o documento num “retângulo minúsculo”, sem a opção de assinar da maneira que individualmente temos nos expressado, com laços amplos e de acordo com a nossa marca pessoal. Essa é a nova sociedade e aquele ambiente é igualmente pedagógico. Uma nova sociedade assustadora.
Finalizando, dividimos a apresentação do texto em “capítulos”, divisão esta totalmente arbitrária, que obedece a critérios ligados ao entendimento preliminar que tivemos sobre o escrito.

2- Conjuntura sócio-cultural e ideológica das exposições

“Do deslumbrante Palácio de Cristal em Londres (1851) à sublime Torre Eifel em Paris (1889): entre a transparência do vidro e a maleabilidade do ferro, desvela-se, muito mais do que um ensaio de combinação dos materiais, a própria exhibitio universal da civilização burguesa – didática em sua nova taxionomia dos produtos do trabalho humano, magnífica em seu mosaico ilusionista de curiosidades nacionais, insuperável na construção de santuários destinados ao fetiche-mercadoria”. São com estas palavras que o autor começa o segundo capítulo de seu livro: “Trem fanstasma – A modernidade na Selva” e que praticamente definem sua interpretação de toda uma época.
As Exposições Universais foram possuidoras daquilo que viria a ser chamado posteriormente de “otimismo progressista”, que se manifestou por toda uma época, desde a primeira grande exposição de impacto, a de 1851, a do Palácio de Cristal, até os princípios da primeira guerra mundial, ocasião em que, pela própria natureza do evento, declinou com ela a fé incondicional na modernidade e, consequentemente, na humanidade e em sua capacidade de produzir seu próprio destino em direção a um mundo melhor. A guerra foi, nesse sentido, um exemplo inconteste.
Giravam em torno de um ideal centrado no saber enciclopédico e num europocentrismo travestido de “cosmopolitismo liberal e altruísta”, correlatos ao conceito de civilização em vigência na segunda metade do século XIX. “Eram amostras de cultura de massas: espetáculos populares em que se alternavam o mistério de territórios exóticos e a magia das artes mecânicas”. A atmosfera reinante nesses espetáculos era carregada de símbolos nacionais e de “adoração à pátria”, movida pelo desejo de entretenimento manifestado pelas massas populares e que as levavam ao “transe lúdico do fetiche-mercadoria”.
Sandra Jatahy Pesavento, em seu livro “Exposições Universais – Espetáculos da Modernidade do Século XIX”, transcreve um texto de orientação aos visitantes da Exposição Universal de Paris de 1889, publicado pelo “Guide Bleu du Figaro et du Journal”, cujo conteúdo é o que vem a seguir e que define bem o caráter “didático” da disposição dos espaços da exposição como organizadores de uma nova ordem: “Com que espírito é preciso visitar a Exposição? É preciso vê-la para se instruir e para se divertir. Ela é para todo mundo, para todas as idades, para os sábios, assim como para os menos instruídos, uma incomparável “lição de coisas”. O industrial aí toma uma idéia geral e suficiente das maravilhas, sempre em progresso, da indústria moderna. Um pode aí encontrar o caminho da fortuna, pelo estudo dos processos aperfeiçoados de fabricação; outro aí encontra, com os objetos usuais colocados sob seus olhos, a satisfação econômica do seu gosto”. Percebemos nessa transcrição todo o caráter “pedagógico” e “ideológico” que se manifestava por trás dos materiais expostos através de sua organização espacial, que revelava toda uma visão de mundo ligada ao enciclopedismo: cada coisa no seu lugar, agrupadas de acordo com sua classificação.
Heloisa Barbuy em “O Brasil vai a Paris em 1889: um lugar na Exposição Universal” insiste nessa questão. Citando ela mesma em obra anterior, escreve: “Entendemos as Exposições (Universais) como modelos de mundo... (...) Trata-se de um veículo para instruir (ou industriar) as massas sobre os novos padrões da sociedade...”.
Mas as massas não iam às Exposições apenas em busca de “instrução” que as levasse à inclusão neste mundo novo organizado de forma “perfeita”, iam em busca, acima de tudo, do espetáculo em si, das surpresas, do fantástico, do maravilhoso. Joy Kenseth em “A Era das Maravilhas: uma introdução”, discorrendo sobre o século XVII e os que o antecede imediatamente: “...chama a atenção para o significado que Vasari conferia ao maravilhoso como objeto e como reação subjetiva, como causa e como efeito”. Confere, da mesma forma, a importância do maravilhoso: “Por ocasião da publicação da primeira edição de Vida dos Artistas, em 1559, até o final do século XVII, críticos profissionais, assim como amadores, reafirmavam seguidamente seu apreço pelo maravilhoso, pelo inesperado e extraordinário...”.
Por trás de toda a organização das Exposições, do espetáculo que se apresentava ao público, do intuito de divertir e instruir havia toda uma ideologia baseada no conceito de progresso da humanidade. Margarida de Souza Neves, no seu texto intitulado “Gávea” (sic), referindo-se a uma das Exposições Nacionais realizadas no Rio de Janeiro, bem define essa ideologia: “É certo que ao percorrerem as salas e os pavilhões da Urca os visitantes eram expostos às lições perenes das Exposições: o otimismo do progresso que constrói uma ordem nova; o estímulo da emulação que premiava os melhores entre os bons; o valor dignificante do trabalho que potenciava infinitamente as riquezas naturais do país; transformando-as em valores de civilização e cultura; a negação do conflito na sociedade e entre as nações; a criação de um espaço de maravilha que fazia vislumbrar um tempo novo de concórdia e paz que a opacidade do cotidiano não permitia perceber”. O progresso em direção a uma ordem nova, valor dignificante do trabalho e harmonia e paz entre as nações são os valores que emanavam como propostas das Exposições, segundo a autora. Para ela, o seqüencial: ordem, progresso, civilização, primado da racionalidade e da dignidade do trabalho; se opõe ao seqüencial: desordem, atraso (colonial, no caso do Brasil), barbárie, primado das paixões e da ociosidade. Maria Inez Turazzi em “Poses e Trejeitos”, ressalta que mesmo quando a natureza brasileira era exaltada nas Exposições Universais na época do Império era sempre como resultado de uma ação civilizatória desse mesmo Império em detrimento da imagem ligada ao “exótico e selvagem” que se fazia na Europa sobre o Brasil.
Heloisa Barbuy, na obra citada anterior, destaca que os expositores brasileiros sempre tentavam mostrar o Brasil como essencialmente industrial em sua potencialidade, estágio esse que atingiríamos num curto espaço de tempo, negando aquilo que seria a “vocação brasileira” segundo os países da Europa: o de “manancial de matérias primas e celeiro do mundo”.
Charles Baudelaire escreveu em sua época uma série de artigos sobre crítica de arte na Exposição Internacional de Paris de 1855. Neles, Baudelaire ressaltava a idéia de ordem e hierarquia universal que se manifestava na Exposição, quando se comparava as nações entre si através de seus respectivos produtos em exposição. Havia a idéia de uma hierarquia determinada pelo progresso de cada nação e uma vocação natural para a produção de determinadas classes de produtos.
Sandra Jatahy Pesavento coloca em evidência, em seu livro, o “caráter pedagógico de “efeito” das Exposições, com a demonstração das crenças e virtudes do progresso, da produtividade, da disciplina do trabalho, do tempo útil, das possibilidades redentoras das técnicas, etc...” No entanto, segundo a autora, esse “Encontro Universal em nome do progresso, concórdia, da instrução e do divertimento”, “tinha um apelo de canto de sereia, tanto no sentido do engodo, da sedução, do jogo das aparências e dos ocultamentos”.
Karl Marx foi um dos primeiros a perceber todos esses ocultamentos. Nas primeiras linhas de “Das Kapital”, ele define as Exposições como “uma ininterrupta coleção de mercadorias”. No capítulo “Maquinaria e grande indústria”, inspira-se numa máquina americana de fazer cartuchos de papel exposta na Exposição de Londres de 1862, para ilustrar o “processo de combinação de várias ferramentas num só mecanismo”, como exemplo da passagem da manufatura a fábrica moderna. No “Manifesto Comunista”, refere-se a “Um mundo construído à imagem e semelhança da burguesia”.
Nas exposições, “o progresso era passível de ser verificado”. Esta frase de Pesavento resume bem o caráter das Exposições Universais e suas “sucursais” nacionais realizadas como pré-condição de participação nas amostras internacionais.

3- O clima de entusiasmo contagiante das Exposições

Havia como era de se esperar, um clima de grande entusiasmo reinante nas dependências das Exposições e cercanias, decorrente da grandiosidade apresentada nos eventos e em função do caráter civilizador aventado pela ordem de apresentação dos produtos em exposição. Era a prova viva de um progresso palpável e demonstrável aos olhos de todos, como prova inequívoca de um futuro harmonioso reservado à humanidade. No entanto, a indústria moderna era minoritária na época, tanto nas Exposições quanto, de fato, na sociedade européia.
A indústria que foi apresentada nas Exposições da segunda metade do século XIX, era em grande parte derivada de experimentos de vanguarda nos campos da inovação técnica, transferência tecnológica, sistema de trabalho fabril, publicidade e consumo de massa. Como exemplo temos o alumínio que surgiu em 1855. Júlio Verne em “Da Terra à Lua”, livro que escreveu dez anos depois, promulgou o uso do alumínio em foguetes espaciais. Mas somente, como todos nós sabemos, um século depois é que efetivamente esse material começou a ser utilizado em larga escala. No entanto, esse aspecto futurista que impregnava os ares das Exposições não deve ser desprezado.
Um dos exemplos premonitórios de “senso no futuro”, sem dúvidas, foi Thomas Cook. Agente de viagens de ferrovias, promoveu excursões para Londres durante a Exposição Universal de 1851, visando à classe operária. Para isso, cobrava preços “módicos” de sua clientela. Efetivamente, três por cento dos visitantes do Palácio de Cristal foram levados pela sua agência. Ou seja, duzentas mil pessoas.
Outro exemplo a ser destacado foi o de Paul Julius Reuter, que aproveitando a instalação do primeiro cabo submarino ligando a Inglaterra a França, fundou sua agência de notícias durante a realização da “Great Exhibition” de 1851. Sabemos que a Agência Reuter Internacional de Notícias existe até hoje e detém grande parte do monopólio de fornecimento de fatos jornalísticos aos periódicos do mundo inteiro.

4- As críticas e as previsões: Siemens, Marx, Engels, Dostoievski, Walter Benjamim.

A historiografia da época em que foram realizadas as grandes Exposições assinala frequentemente a “mobilização do sensível” por parte dos engenhos da indústria moderna, com as massas “maravilhando-se diante dos espetáculos”.
Inspirados nas Exposições, diversos participantes criaram verdadeiros impérios. Werner Von Siemens confessou em suas memórias, sobre a importância das Exposições na divulgação de suas experiências eletromecânicas. Siemens, assim como A. E. G. Farbem, a família Krupp e outros, a maioria oriunda da “classe” reacionária dos “terratenentes” (Junkers) alemães, constituiu empresas que produziram armas para a primeira e segunda guerras mundiais, utilizaram trabalho escravo judeu e ainda hoje são grandes empresas em plena atividade. São uma triste alegoria da promessa de progresso da humanidade do século XIX, que se transformou em instrumento de destruição dessa mesma humanidade. Alguns anteviram, entre “estupefatos e irônicos – sinais de convulsão histórica mais profunda”.
Marx e Engels escrevem em novembro de 1850, sobre as Exposições: a “Burguesia do mundo erige na moderna Roma seu Panteão, onde exibe seus deuses, os quais ela mesma construiu... (...) ... burguesia celebra sua festa máxima, num momento em que é iminente o desmoronamento de todo o seu esplendor...”. Era a previsão de uma nova era baseada na destruição do capitalismo, cujo germe dessa destruição estaria sendo gerado dentro do próprio capitalismo. Marx particularmente escreveu, segundo Sandra Pesavento: “Para apanhar o ‘trem da história’, nada mais indicado que participar da exposição”. O trem da história deve ser entendido como as “condições objetivas da revolução”, a partir das quais seriam construídas as condições subjetivas, as passíveis de decisão e vontade humanas.
Engels, fazendo um paralelo entre a “exhibitio material e espiritual da burguesia alemã” no prefácio de “Anti-Dühring” em 1878, escreveu: “Ruído de latão em poesia, em filosofia... (...) ...por todo o lado, com a pretensão de superioridade e de profundidade de pensamento, que não deve ser confundido com o de latão comum, liso e vulgar de outras nações. Latão, o produto mais característico e abundante da indústria intelectual alemã... (...) ...barato, mas de má qualidade, como qualquer outro produto de fabricação alemã”. Nessa metáfora em que opõe o latão, produto ordinário, ao ferro e ao vidro, Engels faz uma crítica à vulgaridade intelectual e da capacidade industrial da burguesia alemã, numa antevisão do que há de vir.
Dostoievski publicou em 1864 as suas “Memórias do subsolo”, que são as “narrativas de uma consciência urbana dilacerada”, qualidades próprias do espírito do homem contemporâneo. Como personagem central, uma figura carregada de incoerência metódica e desespero crônico, um personagem sem nome. Em torno da imagem do Palácio de Cristal, o personagem, em sua narração, faz comentários sobre a dialética do construir-destruir. O construtor condenado a sempre construir, por trás dele, “esconde-se uma paixão pela destruição e pelo caos”. “Para evitar que a ociosidade descambe em agressão, o civilizado constrói um caminho que chegará em qualquer parte”.
A imagem do Palácio de Cristal para o narrador-personagem nasce de uma voz subterrânea atormentada. Desconfia da firmeza do edifício, pois sua exatidão não contempla o sofrimento: “o sofrimento é dúvida, é negação, e o que vale um Palácio de Cristal do qual possa se duvidar?”.
Para Hardmann, se em Engels “a imagem do latão sugere o desnudamento da parafernália exibicionista e enganosa dos produtos materiais-espirituais da sociedade burguesa”, em Dostoievski “é a rudeza prosaica de um galinheiro que se defronta com a indestrutibilidade aparente do edifício de Cristal”. Em ambos, latão e galinheiro são espaços degradados contra a ideologia do progresso.
O livro de Dostoievski foi escrito em resposta ao livro “O que fazer” de N. G. Chernichévski, escrito em 1863. Nele, a personagem Vara Pavlovna, num sonho, imagina a humanidade organizada como no Palácio de Cristal, símbolo modernista e da esperança de um futuro melhor para a humanidade. No sonho da personagem, as multidões percorriam o interior da Exposição em êxtase e vivendo como reis, numa indicação que o mundo poderia ser feliz se a razão e o desejo de progresso se sobrepusessem à irracionalidade e ao obscurantismo.
O romance “O Homem do Subsolo” foi publicado pela primeira vez na revista literária “Época”, fundada pelo autor do romance e seus irmão. O personagem “Sem Nome”, funcionário da baixa burocracia russa, é um angustiado e pessimista. Revela-nos um absoluto desprezo pelo mundo a sua volta, escolhendo a solidão, fato que o torna ainda mais amargurado ainda. Dá-nos a certeza de sua profunda aversão pelo racionalismo e pela mentalidade positivista proeminentes no século em que vivia. Representa a constituição da sociedade moderna, fundamentada na razão iluminista e suas contradições. Manifesta uma relação entre desejo e culpa e a frágil linha que separa a demência da razão.
A obra tem como um dos componentes centrais, a questão dos limites impostos ao homem, e esses limites são as leis da natureza, as ciências naturais, a matemática, a razão como medida única de todo o existente, que o personagem chama de “muro de pedra”.
Mas quem é o personagem enfim? Lembra-nos as duas dimensões da Grécia Nietzchiana: a Apolínea, que representa a ordem, racionalidade, simetria, etc..., e a Dionisíaca, que representa o mistério, o disforme, a irracionalidade, etc... “Sem Nome” representa a própria face de Dionísio. Só que o personagem escolhe esse seu destino e essa escolha talvez, seja um gesto de liberdade. Porque, talvez, para sobreviver, tenha que se transformar no super homem Nietzcheano. Ou, talvez, prefira aquilo que E. G. Carr revela como o mito de Kirilov, personagem em Demônios de Dostoievski, que se suicida para demonstrar a liberdade perfeita, pois qualquer outro ato possível seria social.
Walter Benjamim considerou as Exposições como lugares de “peregrinação ao fetiche-mercadoria”. O Palácio de Cristal e congêneres eram espaços dedicados ao universo das mercadorias, onde são expostos fragmentos de todos os lugares do mundo para se converter em lugar nenhum. Locais onde se rememoravam os “acontecimentos” da história universal, misturando-os num todo sem forma e desprovido de densidade histórica. Lá, tudo possuía uma ordem hierárquica, mas os visitantes eram multidão. As galerias eram naus sem rumo, como no filme “A nau dos insensatos”.
O Palácio de Cristal, para Benjamim, o “desenho mais translúcido da sociedade surgida nos bastidores da indústria moderna, também seu delírio mais bem arquitetado”. “O processo material de produção do fetiche-mercadoria condenou os homens ao erro e a burrice”, com trabalhadores expropriados e sem memória.
Sandra Jatahy, sobre Walter Benjamim, escreve: “Pensa naquilo que a modernidade tem de mais concreto – paisagens, panoramas, as exposições... (...) ...mas também daquilo que se encontra encoberto e não dito: a dominação do capital sobre o trabalho, os silêncios produzidos na história pela ordem burguesa, as relações sociais subjacentes ao sistema de fábrica, a expulsão dos pobres dos centros das cidades, a defesa da propriedade em nome da ordem, o progresso do capital travestido como progresso social e da humanidade, etc...”.
Jatahy destaca também da dimensão de universalidade das Exposições pela abrangência dos itens expostos e o acúmulo de formas antigas e futuras, manifestando a idéia de progresso e evolução. Essa mercantilização extrema produz a assimilação da “fantasmagoria” à própria vivência de cada um, que além de sentir e sonhar as fantasmagorias como realidade, as convertem na sua própria realidade, reafirmado na frase de Rouanet: “A fantasmagoria não é uma forma de apreensão do real, mas o próprio real”.

5- A monumentabilidade

O processo de sedução das massas se utilizou de vários subterfúgios no sentido de atraí-las às Exposições, mas a mais evidente dessas seduções foi a própria arquitetura dos locais onde se instalaram. Foram criadas especialmente para as Exposições, muitas vezes para serem utilizadas apenas por elas para, em seguida, serem desmontadas após a realização dos eventos. Foram essas obras testemunhas do “otimismo ilustrado e ciclópico dos idealizadores”, característica inscrita no triunfalismo burguês da época.
Werner Plun em “As Exposições Mundiais no Século XIX: Espetáculos da Transformação Sócio Cultural”, nos dá as dimensões de algumas dessas obras arquitetônicas.
O Palácio de Cristal, considerado um monumento à capacidade técnica, media 563 m de comprimento, 124 m de largura e 33 m de altura. Foi projetado por Joseph Paxton (1801-1865). Construído com elementos pré-fabricados e estandardizados, de ferro forjado, molduras de madeira e vidro no teto, podia ser montado, desmontado e aplicado a outros fins, de acordo com sua finalidade temporária.
A Torre Eifel, que foi o emblema da Exposição de 1889 em Paris, tinha 300 m de altura. Foi construída por Gustave Eifel (1832-1923).
Sandra Jatahy Pesavento em seu livro nos dá um recorte sobre o impacto que o Palácio de Cristal, como obra arquitetônica, causava àqueles que a viam pela primeira vez: “O aspecto da obra figurava-se mágico para todos os que a viram: o suporte de ferro, o vidro translúcido deixando passar a luz, as árvores no interior misturando-se a máquinas e produtos de todo o mundo”. “No dizer dos que aí estiveram presentes, o espetáculo suscitava aos contemporâneos a imagem dos contos de fada, de princesas adormecidas em caixões de cristal e outras fantasias desse porte”. Havia no entanto uma sensação de insegurança pela natureza dos materiais utilizados e pela rapidez da construção, que se apagava tão logo aparecia a sensação de maravilhamento que o espectador sentia.

6- A indústria cultural e a crítica ao “enobrecimento”

As grandes Exposições tornaram o conceito de mercado mundial “visível e tátil”, revelando a fé iluminista na unidade humana. A divulgação da perspectiva universalista da história centrada na Europa foi auxiliada por essa indústria cultural latente que se desenvolveu. Nessa abrangência, que conseguiu reunir “tradição e novidade, técnicas rudimentares e experimentais”, vingou o espírito enciclopédico de classificar todas as coisas. A febre classificatória levou à exibição, tanto os antigos produtos que eram a maioria absoluta dos mostruários e catálogos, como as máquinas industriais que eram um atrativo a parte, algo raro e misterioso. Nessa mistura abrangente que beirava as raias do exótico, a figura do Estado sempre esteve presente como principal patrocinador. Obviamente que aliada à mistura de produtos, aparecia a mistura de classes sociais distintas nas Exposições.
O Visconde Benalcangor, em suas reminiscências onde cita a Exposição de Viena de 1873, escreve sobre um nobre português, que entediado com a decadência de sua classe, vagabundeia pela Europa e passeia pela Exposição. Segundo o Visconde, ele tinha o humor fino do homem do seu status. Criticando-o: “Suas imagens flutuam entre as minúcias, com a acuidade própria, ao mesmo tempo pertinente e inopinada”.
Sobre a opinião da burguesia, Charle Balage, personagem citado por Karl Marx em “O Capital” num capítulo sobre a conceituação da máquina ferramenta, numa obra dedicada a Great Exhibition “critica os aspectos suntuários, os dispêndios excessivos, a falta de objetividade da mostra por não propiciar impulso efetivo no âmbito das trocas mercantis e invenções mecânicas”.
Essa “atmosfera de enobrecimento” que reinava nas Exposições não pode ser entendida como apenas um resquício de épocas passadas, mas como parte integrante, um elo mediador no processo de “entronização das mercadorias”. A própria presença em peso da nobreza nesses eventos era uma prova disso. Dentro dessa lógica, o príncipe Alberto foi considerado o herói protetor da Great Exhibitio de 1851, D. Pedro II compareceu à Exposição do Centenário da Independência americana em Filadélphia em 1876, assim como a realização de várias Exposições sob o auspício do Império de Napoleão III, especialmente a de 1867, e a “Aura de realeza” manifestada na Exposição de Viena de 1873.
O Catálogo ilustrado da Exposição de 1851 apresenta detalhes daquilo que foi exposto nos ambientes: mobílias rebuscadas, objetos esdrúxulos para decoração interior, design de apego ao detalhe em detrimento à funcionalidade, numa estética ornamentista em que técnicas modernas são desenvolvidas sob padrões antiquados. Um maneirismo de mau gosto que põe em risco a funcionalidade dos objetos.
Ralph Wornum em “The Exhibitio as lesson taste”, ensaio premiado pelos editores do “The Art-Journal”, fez uma crítica ao viés pelo ornamento, dizendo que o despojamento formal e a noção de utilidade deveria ser a perspectiva moderna de fabricação dos objetos.
Willian Morris e Ruskin, pioneiros do movimento moderno das artes do século XIX, propunham uma “linha de vanguarda contra o academicismo retrógrado, incluindo o ecletismo pedante e vazio da arquitetura, que insistia em dar as cartas na estética Vitoriana”. É importante relembrar que o modernismo brasileiro resultante do movimento assentado na “Semana de Arte Moderna de 1922”, no campo da arquitetura, propunha esses mesmos elementos de contestação ao ecletismo da época.
Esse embaralhamento de estilos da Europa oitocentista era, segundo a burguesia, dotado de um formalismo rebuscado de ressonâncias barrocas e a obsessão pelo detalhe, em prejuízo do equilíbrio das estruturas, que equivalia a uma verdadeira regressão do gosto.

7- A celebração do Nacionalismo e do Imperialismo – “A paz universal”

Outra marca característica das Exposições Universais, foi a de celebração das efemeridades nacionais e internacionais. Paralelo ao nacionalismo, reapareceu também o expansionismo dos países Europeus, que no cenário das Exposições, manifestou-se como o entrelaçamento fraterno dos povos. Não obstante, os estandes continuavam classificando tanto os produtos como os países participantes.
Se sediar uma exposição era motivo de júbilo nacional, as datas de sua realização não eram nada inocentes, como as que relacionamos abaixo:

· Exposição de Londres em 01/05/1851 – Início do ano do trabalho
· Exposição da Filadélphia em 1876 – Centenário da Independência Americana
· Exposição de Paris em 1889 – Centenário da Revolução Francesa
· Exposição de Chicago em 1893 – Quatro séculos da viagem de Colombo
· Exposição de Paris em 1900 – “Fin de siècle”
· Exposição de 1904 – Centenário da compra da Louisiana
· Exposição de 1915 – Abertura do Canal do Panamá

Nessa conjuntura, as Exposições funcionavam como uma forma de sublimação dos conflitos nacionais entre os Estados do século XIX, uma espécie de Olimpíadas dos avanços industriais em nome de uma suposta paz mundial.
O discurso da rainha Vitória em 1851, dele destacamos o seguinte trecho: “É meu desejo ansioso promover entre as nações o cultivo de todas aquelas artes que são animadas pela paz, e que por seu turno contribuem para manter a paz mundial”. Num mesmo sentido, o príncipe consorte Alberto discursou, segundo Pesavento: “...estava se concretizando a grande finalidade da história: a realização da unidade dos povos...”.
Os editores do “The Art-Journal” ressaltavam sempre o caráter amigável da contenda, em que os países disputavam nas Exposições comparando-se em fraquezas ou supremacias.
A fé e o otimismo triunfante da burguesia nos projetos de paz mundial era equivalente ao sonho Kantiano de estabelecimento de uma história universal cosmopolita, onde se descortinaria o comércio civilizado entre países cidadãos, condição última da paz entre a humanidade.
No entanto, segundo Hardman: “Por trás de iguarias exóticas, o neocolonialismo, para além dos letreiros uniformes catalogando técnicas e designando marcas, as mercadorias colecionadas não raras vezes constituem peças das novas ciências arqueológicas e antropológicas – são presas de conquista”.
Apesar de todos os apelos no sentido da paz, a guerra rondava descaradamente. Enquanto Napoleão III discursava na abertura da Exposição de 1855: “Abro com verdadeiro prazer este templo da Paz que convida à concórdia todos os povos do mundo”, essa mesma França participava, neste mesmo ano, da Guerra da Criméia (1854-1856), onde paralelamente ocorria a queda de Sebastopol. Durante a Exposição de de 1867, enquanto surgia a “Liga Internacional da Paz”, acontecia uma exposição comparada de fuzis franceses e prussianos.
Havia paz na Europa quando aconteceu a Exposição de Paris de 1889, pois as nações européias imperialistas estavam ocupadas demais aniquilando outras culturas de fora do continente. Na Exposição, salas foram dedicadas ao tema do pacifismo, enquando corria paralelo o Congresso Internacional da Paz. Essas atividades obtiveram pouca ressonância diante do público e da imprensa, enquanto que a amostra especial de produtos bélicos em exposição obteve o mais alto comparecimento de público observante e ampla divulgação. Um jornal da época comentou sobre o assunto: “No Palácio da Guerra, a afluência foi enorme. Não se avançava mais de um metro cada cinco minutos”.
Estabelecia-se assim um paradoxo em que o fascínio pela guerra fazia com que todos quisessem vê-la, mas poucos queriam fazê-la. Com o início da Grande Guerra, a própria guerra passa a ser um espetáculo de massas, mais uma forma de “exhibitio”. Não esquecer que próprio fascismo possuía uma estética baseada na destruição em massa, muitas vezes refletida na sua belicosidade.
Finda a Primeira Guerra, “o fascínio e a magia das antigas exposições perderam-se nos estertores da Belle Époque”.

8- Os internacionalismos: burguês e operário

Foi durante a Exposição de 1862 em Londres que houve a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) ou Primeira Internacional, quando parte do grupo de trabalhadores mandados por Napoleão III como delegação oficial rebelou-se, aliando-se aos trabalhadores de outros países. Aliás, o espaço das Exposições foi utilizado muitas vezes para experimentos no campo da Economia social, em projetos dirigidos pelos reformistas burgueses e também pelo Estado francês. O envio daquela delegação a Londres fazia parte deste projeto. Modelos de habitação operária de Napoleão III expostos em 1867, relatórios encomendados pelo regime bonapartista a artesãos e operários sobre novos processos técnicos e a exibição retrospectiva com o tema da História do Trabalho, foram algumas dessas experiências levadas a cabo.
Também foi durante a Exposição do Centenário da Independência Americana em Filadélphia em 1876, que no mês de julho, em Nova York, o Conselho Geral da AIT reunido decidiu pela dissolução da organização internacionalista, motivado pela derrota operária da Comuna de Paris, resultando na divisão definitiva entre Anarquistas e Socialistas.
Enquanto que o movimento operário se articulava a nível internacional e via no internacionalismo um meio de crítica aos fundamentos da sociedade moderna, a burguesia, associada aos ideais de progresso da humanidade e paz mundial, mas dividida de fato em termos internacionais pelo nacionalismo xenófobo e pela ligação orgânica com o capitalismo de suas respectivas nações, somente se internacionalizaria em termos econômicos e políticos, unindo os respectivos interesses num só, após a Segunda Guerra Mundial, particularmente atingindo sucesso quase que absoluto com a “globalização” pós-queda do muro de Berlim.
A história operária, como resultado de experiências interrompidas e de discursos fragmentários, continuará sua associação com as Exposições até o declínio delas nas primeiras décadas do século XX.
Trecho do Manifesto de convocação do Primeiro Congresso de fundação da II Internacional Social Democrata em 1889, diz o seguinte: “A classe capitalista convida os ricos e poderosos a vir contemplar e admirar a Exposição Universal, obra dos trabalhadores condenados à miséria...”.


B I B L I O G R A F I A


BARBUY, Heloisa. A exposição universal de 1889 e o problema da visualidade. IN: BARBUY, H. A exposição universal de 1889 em Paris: visão e representação na sociedade industrial. São Paulo: História Social USP/Loyola. 1999.

BARBUY, Heloisa. Museus, exposições e cidades: cultura visual no século XIX. IN OLIVEIRA, C. H. S. BARBUY, H. (Org.) Imagem e produção de conhecimento. São Paulo. Museu Paulista. 2002.

BARBUY, Heloisa. O Brasil vai a Paris em 1889: um lugar na exposição universal. Anais do Museu Paulista: história e cultura material. São Paulo, Museu Paulista da USP. 1996.

CRARY, Jonathan. A modernidade e o problema do observador. IN CRARY, J. Techniques of the observer. On Modernity in the Nineteenth Century. Cambridge, Mass.: MIT Press. 1990.

DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro. Zahar. 1976.

FOOT HARDMAN, Francisco. Exposições universais: breve itinerário do exibicionismo burguês. IN FOOT HARDMAN, Francisco. Trem fantasma: a modernidade na selva. São Paulo. Companhia das Letras. 1988.

KENSETH, Joy. A era da maravilhas: introdução. IN KENSETH, J. The age of the Marlevous. Hanover, New Hampshire: Dartmouth College, Hood Museum of Art. 1991.

NEVES, Margarida de Souza. As arenas pacíficas. Gávea: revista de história da arte e arquitetura. Rio de Janeiro, PUC/RJ. 1988.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Exposições universais: Espetáculos da modernidade do século XIX. São Paulo. Hucitec. 1997.

PLUM, Werner. Exposições mundiais no século XIX: Espetáculos da transformação sócio-cultural. Cadernos do Instituto de Pesquisas da Fundação Friedrich-Ebert. 1979.

TURAZZI, Maria Inez. Poses e trejeitos: A fotografia e as exposições na era do espetáculo (1839-1889). Rio de Janeiro. Funarte/Editora Rocco. 1995.


2007

terça-feira, 23 de setembro de 2008

SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS DO PIAUÍ CORREM PERIGO

Boqueirão da Toca da Pedra Furada - Parque Serra da Capivara-PI


Urnas funerárias encontradas no Parque Serra da Capivara-PI






Professor Lic. Eduardo Melander Filho


Criado em 1979, o Parque Nacional da Serra da Capivara consiste em 129.140 hectares situados nos municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel Dias, todos no estado do Piauí.
Foi explorado a partir de 1970 por uma missão franco-brasileira comandada pela arqueóloga Niéde Guidòn, que, desde então, instalou-se definitivamente na região, fundando o Museu do Homem Americano em 1998, em São Raimundo Nonato-PI.
São 912 sítios arqueológicos localizados em céu aberto, em grutas e em abrigos, que registram a presença humana na região há pelo menos 30.000 anos, podendo chegar a 100.000 anos segundo datações não totalmente confirmadas.
Foram essas antigas populações de caçadores-coletores e agricultores-ceramistas que deixaram milhares de pinturas rupestres desenhadas nas paredes de 657 desses sítios, sendo o mais importante e conhecido o “Boqueirão da Toca da Pedra Furada”, aberto à visitação popular.
Além de toda essa riqueza em termos arqueológicos, o Parque possui ainda grande variedade de fauna e flora, que também são objeto de estudos sistemáticos.
Ossos da megafauna extinta no final do pleistoceno (era glacial) e início do holoceno, também são encontrados até hoje em sítios paleontológicos situados no Parque. São registros fósseis de mastodontes, cavalos americanos, paleolhamas, tigres dente-de-sabre, preguiças e tatus gigantes, animais esses que conviveram com o homem naquela época.
Apesar de ser o único local brasileiro tombado pela UNESCO como Patrimônio Histórico da Humanidade em 1991, o Parque corre sério risco em sua integridade. Durante os dez anos após sua criação, ficou praticamente abandonado por falta de verbas federais. A depredação causada pelas madeireiras ilegais em busca de espécimes nobres e pela própria população da região que praticava a caça predatória e destruía gratuitamente os sítios, arrancando blocos inteiros de pedra contendo desenhos rupestres, quase causou seu fechamento definitivo.
Atualmente a situação melhorou após várias campanhas e cursos dirigidos à população local, parte da qual foi integrada como monitores e guias no próprio parque. No entanto, as verbas federais continuam insuficientes até mesmo para a manutenção preventiva, pois as paredes com desenhos rupestres estão desmoronando pela ação do próprio tempo. Depredações ainda existem, se bem que em menor grau.
A solução para essa situação seria aumentar a arrecadação através do turismo. Porém, a grande distância rodoviária dos grandes centros e a situação das estradas impedem um afluxo maior de pessoas. Políticos e Coronéis também impedem há dezenas de anos a construção de um aeroporto, interessados que estão em manter a população na ignorância e no isolamento.


FONTES:

MELANDER FILHO, Eduardo. Sítios Arqueológicos do Piauí Correm Perigo. Gazeta de Interlagos, São Paulo, 19 set 2008 a 02 out 2008. História, p. 2.

MELANDER FILHO, Eduardo. Sítios Arqueológicos do Piauí Correm Perigo. Gazeta de Interlagos, São Paulo, 19 set 2008 a 02 out 2008. P. 2. Disponível em: <
http://www.gazetadeinterlagos.com.br/colunadoleitor.html#2>. Acesso em: 23 set 2008.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

O DETERMINISMO ECOLÓGICO NA ARQUEOLOGIA

Crânios fósseis expostos no I Congresso Internacional da SAB


Prof. Lic. Eduardo Melander Filho


A arqueologia, segundo os americanos, não é uma disciplina independente, mas sim um sistema metodológico ligado à antropologia. Essa antropologia americana, que se baseia no adaptacionismo ao meio ambiente (ecologismo) e não na transformação do meio ambiente pelo homem e vice versa, não pretende ser histórica. Na verdade, no geral, pretende mesmo descrever e não interpretar a realidade total do ser humano em toda a sua dimensão.
Descreve os componentes culturais levando em consideração as variações e semelhanças entre as culturas regionais e a dinâmica ou estática interna de cada cultura. Trabalha em quatro níveis: na cronologia (o que não necessariamente a torna diacrônica); na etnografia de culturas distintas; na comparação de culturas de uma região; na variação cultural (estática e dinâmica). Costume, período, tradição, estágio, etc., são outras classificações utilizadas por essa metodologia. Em termos evolutivos de estágios culturais, classifica as culturas indígenas em Bandos, Tribos, Chefias, Estados Antigos e Estados Industriais. Separa as áreas por tipos mais ou menos uniformes de ecologia, quase que pré determinando para essa área um certo modelo de estágio cultural adaptativo. É quase que um recorte automático. Há também a divisão de grandes áreas culturais, classificadas como Nucleares (as mais avançadas e de onde sairia a difusão cultural e tecnológica), Intermediárias (chefias) e Marginais (onde se encaixaria a Amazônia).
Dentro desse “esquema”, a mensurabilidade dos dados, a classificação pela funcionalidade, a descrição, a dedução pela universalidade já posta e proclamada, são as eleitas metodológicas. Entende-se, mas não se compreende. Descreve-se, mas não se explica.
Ana Roosevelt, arqueóloga americana que se contrapôs a essa corrente, apontou os problemas metodológicos desse “determinismo ecológico”. Segundo ela, a corrente, que foi implantada através de Julius Stewart, representava o imperialismo e neocolonialismo americano em busca de novos mercados e mão de obra barata, com base no conceito de dependência dos países latino americanos. Não é à toa a teoria das áreas nucleares, intermediárias e marginais, que viria justificar essa ideologia de dominação.
A interpretação dos povos amazônicos baseada no determinismo ecológico, conduzia a conclusões de que na Amazônia, pelo fato de ser uma floresta tropical com formações geológicas ácidas, seria impossível de se desenvolver uma cultura capaz de ir além da horticultura baseada na coivara. Portanto, a presença de cerâmica na região seria resultado da difusão cultural originária dos Andes ou Mesoamérica (regiões nucleares).
Ana Roosevelt não apenas comprovou a existência de Chefias e de populações extensas, como também provou o aparecimento de uma cerâmica na Amazônia ancestral que é a mais antiga das Américas. Se difusão houve, foi a partir da Amazônia.


FONTES:

MELANDER FILHO, Eduardo. O Determinismo Ecológico na Arqueologia. Gazeta de Interlagos, São Paulo, 05 set 2008 a 18 set 2008. História, p. 2.

MELANDER FILHO, Eduardo. O Determinismo Ecológico na Arqueologia. Gazeta de Interlagos, São Paulo, 05 set 2008 a 18 set 2008. P. 2. Disponível em: <
http://www.gazetadeinterlagos.com.br/colunadoleitor.html#2>. Acesso em: 16 set 2008.