quinta-feira, 29 de outubro de 2009

FUNDAMENTOS DO POSITIVISMO

Augusto Comte


Prof. Eduardo Melander Filho

Muitas pessoas leigas e até com formação acadêmica consideram o determinismo como equivalente (igual) ao positivismo. Na verdade, apesar do positivismo poder ser considerado como tal, o determinismo é constituído por uma série de outras doutrinas. Poderíamos dizer então em determinismos (e não apenas um): antropológico; biológico; genético; ambiental (de Skinner) e até teológico. Todas essas variantes podem ser caracterizadas pelo uso extremado das relações de causalidade, sendo que os mais radicais estendem o determinismo da natureza a todas as ações humanas. Kant estabeleceu a distinção entre o determinismo dos fenômenos naturais do livre arbítrio no campo ético, subentendendo que a oposição entre os dois poderia ser interpretada como negação da liberdade.
O positivismo de Augusto Comte, que é o filósofo mais importante dessa corrente no séc. XIX, sofreu influências de Saint Simon e Condorcet (no conceito de progresso). Professa a idéia de ciência como previsão e neutralidade política das ciências, afastando-se da teologia e tomando uma atitude agnóstica em relação à metafísica (considerada fantasia). Afirma o positivo (organizar, agregar, construir) como dados do sentido, excluindo o negativo (contradição), entendendo-o (o positivo) como real, útil, certo, preciso, relativo (se opõe ao absoluto), orgânico (holístico) e simpático (ações humanas são modificadas pelo afeto em oposição ao empático na hermenêutica que se refere à ligação espiritual entre estudioso e objeto de estudo).
Comte concebeu a História da humanidade em três estados (estágios). O primeiro seria o Teológico, considerado fictício. Seria a infância da humanidade, onde as perguntas principais eram: de onde viemos, para onde vamos. O segundo estado seria o Metafísico, já numa fase abstrata. Era a adolescência da humanidade, onde prevaleceriam entidades abstratas como: povo, éter, espírito, etc. Por último, o estado Positivo, estágio adulto, onde a ciência imperaria e não se procuraria mais saber o porquê, mas o como aconteceu.
Tendo como lema: “amor por princípio, ordem por base, progresso por fim”, Comte propõe copiar modelos da biologia para explicar o “organismo social”, definindo o progresso como uma lei da história da humanidade onde, pela ciência, se adquire o conhecimento. É o desenvolvimento da própria ordem. É uma dinâmica com o objetivo de afastar os riscos de convulsão e desordem social.
O conjunto do pensamento comteano caminha em direção ao determinismo dos fatos naturais, admitindo apenas a experiência como única fonte de saber e não se preocupando com as causas primordial (o surgimento do mundo) e final (qual o sentido da existência).
Obviamente que essa tendência a desenvolver conceitos ligados à ordem e estabilidade social, apelando aos princípios de tradição e autoridade, não agradou às correntes revolucionárias de então e atual, sendo o positivismo considerado por elas como reacionário. A caracterização da prática científica como neutra e apolítica também é criticada por quase todas as outras correntes de pensamento, sabedores que somos de que as pesquisas desenvolvidas em qualquer área do conhecimento (verbas são necessárias) dependem de decisão política que ultrapassa o âmbito da vontade do pesquisador (que também é política). Em última análise, são as forças políticas que compõem o Estado que definem o que é necessário ser produzido em termos de conhecimento.

FONTES:

MELANDER FILHO, Eduardo. Fundamentos do Positivismo. Gazeta de Interlagos, São Paulo, 23 out 2009 a 05 nov 2009. História, p. 2.

MELANDER FILHO, Eduardo. Fundamentos do Positivismo. Gazeta de Interlagos, São Paulo, 23 out 2009 a 05 nov 2009. Edição 142, P. 2. Disponível em: <
http://www.gazetadeinterlagos.com.br/>. Acesso em: 29 out 2009.

sábado, 24 de outubro de 2009

AS RAZÕES DA ABOLIÇÃO

Revolta escrava

Navio negreiro


Eduardo Melander Filho

“A crescente necessidade de mão-de-obra numa economia cafeeira em expansão e a ascensão de grupos urbanos descontentes com a escravatura como sistema tornou a abolição uma necessidade. Por que então pode alguém perguntar, os primeiros passos em direção à abolição foram dados no fim da década de 1860 e nos primeiros anos de 1870, antes que estas duas forças pudessem ser consideradas muito fortes? E porque o tráfico de negros era proibido desde 1850? A resposta a estas duas perguntas deve ser encontrada na pressão da Inglaterra.”

GRAHAM, Richard. Escravidão, reforma e imperialismo. São Paulo, Perspectiva, 1979. Capítulo “As causas da abolição da escravatura do Brasil”, p. 67.



“A pressão inglesa: Honra, interesses e dignidade”, texto de autoria de Jaime Rodrigues, trata do processo que levou ao fim do tráfico de escravos da África para o Brasil em 1850.
O autor parte da premissa de que, em relação à questão, as explicações mais freqüentes para o final do tráfico são as que privilegiam o papel da pressão inglesa ao Império, pressão essa que se acirrou na década de 1840. Tal argumento seria controverso por ser tomado como determinação histórica. Referindo-se a longa história do relacionamento anglo-lusitano, depois anglo-brasileiro, sobre a extinção do tráfico, enumera seqüencialmente os diversos acordos: Tratado de Aliança e Amizade de 1810 em que D. João se comprometia a manter o tráfico apenas com os territórios africanos que lhe pertenciam ou que ele tivesse “legítimas pretensões”; Congresso de Viena, onde se decidiu indenizar o governo português em 300.000 libras pela captura de navios a partir de 1812, segundo os ingleses por serem de outros paises, embora usassem bandeira portuguesa e perdão da dívida de 600.000 libras contraída em 1809; outro tratado firmado no Congresso de Viena abolindo o tráfico acima da linha do Equador (Costa da Mina), causando atritos entre traficantes e ingleses residentes nas capitanias; Convenção Adicional de 28/07/1817 regulamentando os pontos firmados em 1815, permitindo direito recíproco de visita aos navios, apressamento de navios de tráfico ao norte do Equador, dando indenizações por apressamentos indevidos, proibindo a captura de navios em águas territoriais, instituindo Comissões Mistas em Serra Leoa, Rio de Janeiro e Londres, nomeando Comissários Juízes e Comissários Árbitros e acordando que os africanos apreendidos seriam alforriados e utilizados como assalariados em prestação de serviços.
Conversações com os ingleses a respeito da extinção do tráfico se arrastavam desde 1808. No entanto era notório que os gabinetes conservadores ingleses da época adotaram o princípio de não reconhecer nenhum Estado no Novo Mundo que não tivesse abolido. Assim, as conversações após a independência giraram em torno da barganha do reconhecimento da independência em troca da garantia de abolição do tráfico. O reconhecimento veio em 1825, sendo assinado logo após o Tratado anglo-brasileiro de 13/11/1826, que previa o fim do tráfico para dali a três anos, mantendo os termos da Adicional de 1817. O tratado foi ratificado pela Coroa inglesa em 13.03.1827, permitindo conseqüentemente o tráfico legal até 13/03/1830.
Em 1826, quando a Assembléia Legislativa voltou a funcionar, o tema do tráfico foi o de maior destaque, discutindo o impasse criado pelas “ingerências externas”, o que feria a “soberania da nação”. Cunha Matos, em pronunciamento, negou a intenção filantrópica inglesa. Clemente Pereira propôs a extinção em 14 anos e não mais em três anos conforme o acordo, com a desculpa de que a economia nacional dependia do braço escravo. Havia uma extrema divergência entre o executivo e o legislativo quanto à questão. A Câmara, apesar de aceitar os termos do acordo a partir de 1827, continuou debatendo durante anos. Os debates giravam em torno aos efeitos negativos do tratado, que além de cercear as atribuições legisladoras da Assembléia, pois impunha penas e sujeitava súditos brasileiros aos tribunais estrangeiros (Araújo Lima apresentou emenda ao projeto Clemente, propondo julgamento de crimes de tráfico por tribunais brasileiros e não mais pela Comissão Mista), prejudicava o comércio brasileiro numa área que mais ele poderia competir: a África. Cunha Matos, nesse ínterim, continuava a definir o tráfico como “provedor de mão de obra e pilar da soberania brasileira”. A situação é melhor definida no trecho adiante, recortado do texto do autor: “A cidadania restrita aos proprietários, e a eles cabendo o direito político de decidir os rumos da “nação”, era uma maneira eficaz de afirmar, perante o exterior, que a soberania nacional passava antes pela consolidação do poder senhorial na sociedade brasileira. Consolidar essa ordem de coisas consistia, entre outros fatores, em regulamentar a sociedade por meio da criação do povo “melhorado” e da constante vigilância policial, bem como definir os limites do poder das autoridades na relação senhor-escravo...”. No entanto, um pouco antes de expirar o prazo de cessação do tráfico legal, o discurso “humanitário” tomou conta da Assembléia. O próprio Cunha Matos, numa guinada de 180 graus, advogou em discurso “o corte ao tráfico de escravos porque assim o exigia a humanidade”.
A partir de 1831, com a instalação da Regência, os Ministérios liberais subseqüentes tinham uma posição propícia ao término do tráfico. Por um tempo, no início, os “importadores” foram desencorajados em razão da perseguição que a frota inglesa promovia aos traficantes, perseguição essa que crescia dia a dia. Houve intensa repressão ao desembarque de negros de Pernambuco ao Pará. Foi em 1831 que também se votou a primeira lei abolindo o tráfico. Essa lei se transformou em “letra morta”, pois até 1837 o tráfico aumentou em vez de diminuir. No parlamento, os debates e posições dúbias a respeito do tema se prolongaram até 1850.
Os partidos políticos, sem exceção, adotavam posições distintas dependendo da situação. Frente aos “eleitores proprietários”, defendiam a permanência do tráfico. Frente à Coroa Imperial, propunham projetos de extinção do tráfico, devido aos problemas de relações exteriores. Nesse contexto, Caldeira Brant, o autor de 1831, apresentou novo projeto para revogar o anterior de sua autoria, acrescentando que os africanos livres que porventura tivessem sido comprados não poderiam reverter a sua situação, garantindo que os compradores não poderiam ser processados, deixando o ônus do crime para o traficante. Mas na prática, a lei vigente não tinha sido colocada em execução, pois até aquele momento nenhum proprietário havia sido punido de fato.
Com a maioridade de D. Pedro II, a Câmara foi dissolvida e só voltou a se reunir em 1843. Os liberais assumiram o Ministério em 1844, com a missão de elaborar novo tratado antitráfico, pois o anterior havia expirado naquele mesmo ano. Com a pressão, por um lado, dos ingleses que desde 1840 aumentaram o apressamento de navios e dentro de águas territoriais brasileiras, e de outro, dos senhores de terra que exigiam o fim da lei de 1831, houve um deslocamento do discurso da “mão de obra indispensável” como argumento de manutenção do tráfico” para “o perigo externo à soberania nacional”. “A ameaça à nação, representada pelas pressões inglesas, tornava-se mais forte do que a ameaça difusa da falta de mão de obra”, frase do autor.
As negociações com os ingleses entraram em colapso pela negativa brasileira de assinar um novo tratado de acordo com as proposições inglesas. Conseqüentemente, o governo inglês decidiu promulgar unilateralmente o “Bill Aberdeen” em 08/08/1845, que deliberava o julgamento de navios brasileiros traficantes como “piratas” em tribunais ingleses, capturando-os em qualquer lugar. Em 1848 foi aprovado o projeto Barbacena para evitar “o vexame da submissão aos ingleses”, exceto o artigo “14” que revogava a lei de 1831, cuja votação foi adiada para 1850. Outro trecho do texto é ilustrativo em relação ao problema inglês: “O agravante era a entrada dos navios ingleses em portos brasileiros para capturar tumbeiros, além da consciência da soberania ultrajada. Essa consciência, expressa por Silveira da Mota, não deixava de colocar na história do Brasil a aliança tácita entre traficantes, autoridades do Império e senhores para manter o tráfico em nome da manutenção da agricultura escravista, aliança agora rechaçada em razão da soberania ameaçada pelas agressões britânicas...”.
O apressamento de navios brasileiros, que já vinha num crescendo desde 1848, tornou-se gigantesco no ano de 1850. Nesse mesmo ano foi votada em Seção Secreta da Câmara a supressão do artigo “14” do projeto Barbacena, artigo que revogava a lei de 1831 e outras mudanças que ocorreram em 1837. Ficou assim garantida a equiparação jurídica do crime de tráfico com o de pirataria, o julgamento de traficantes sob a alçada da Auditoria da Marinha e dos proprietários sob a Justiça Comum.
O autor, por último, explica as razões que levaram a extinção efetiva do tráfico em 1850 e não em 1831. Entre os motivos:

- Maior coesão de parcelas da elite política;
- Esgotamento do projeto de construção do mercado de mão de obra baseado no escravo como alicerce da produção;
- Vínculo entre corrupção dos costumes e escravidão;
- Manutenção do direito da propriedade existente;
- Pressão inglesa e a necessidade de garantir a soberania.

Ressalte-se o medo dos proprietários pelas ações coletivas dos escravos contra o cativeiro em 1831, justificadas na compra de escravos no tráfico ilegal e a aceitação dos mesmos do fim do tráfico em 1850, pelas leis mais brandas aos proprietários que haviam comprado mão de obra no mercado ilegal. Por fim, a pressão inglesa do “Bill Aberdeen” reforçou o surgimento de um consenso entre os parlamentares.
Jaime Rodrigues, em relação à questão da pressão inglesa, muito embora não negue a sua importância, chega em determinados momentos a minimizá-la, segundo nossa interpretação.
Jaime caracteriza em dois os momentos que precedem à promulgação da lei de 1950: o momento em que se defendia a manutenção do tráfico, porque se precisava de suprimento de mão de obra escrava e o momento em que o perigo à soberania nacional era mais importante.
No primeiro momento havia o medo de que a ordem escravocrata estivesse em risco. Num país onde se buscava a consolidação do Estado Nacional baseado na ordem escravocrata e que essa consolidação ainda estava longe de se realizar, realmente era temerária qualquer atitude em oposição ao tráfico, pois isso colocaria em risco a própria base do sistema que se procurava construir. Mesmo assim, isso não evitou que fosse promulgada a lei de 1831, em cumprimento ao Tratado anglo-brasileiro de 1826, este sim aceito como condicionante ao reconhecimento da independência.
Apesar da lei promulgada, as medidas de contenção ao tráfico não foram implementadas, com clara conivência inclusive dos poderes constituídos. Por quê? A razão principal é que o Estado se encontrava num dilema. Por um lado, as revoltas que assolavam o país e que só acabaram no fim da década de 1840 e por outro, a obrigação de cumprir as obrigações internacionais que todo Estado deve cumprir. Somente em meados de 1850, quando o Estado baseado na ordem escravista está consolidado é que a questão do tráfico foi resolvida definitivamente. O autor sustenta no texto essa indecisão por parte o Estado através dos debates na Câmara. Posições dúbias, de protelação, de extensão de prazos de cumprimento aos acordos.
Por outro lado, embora a extinção do tráfico pudesse afetar a ordem estabelecida pela falta de suprimento de mão de obra, a discussão da instituição da escravidão nunca esteve em questão. Extinção do tráfico não era correlacionada à extinção da escravidão. Isso o autor evidencia no texto.
Assim, na década desde os primórdios, mas principalmente na década de 1840, sabia-se que a extinção do tráfico viria inevitavelmente. O problema era de convencimento, o que foi conseguido indiretamente pela pressão britânica e mais diretamente pela redução das conseqüências judiciais aos proprietários que usufruíram desse comércio ilegal durante o período.
Podemos assim concluir sobre o autor, que o fim do tráfico se deu por vontade do Estado, que se viu livre para tal decisão a partir do momento de sua consolidação como tal, com a respectiva ordem escravocrata garantida (direito de propriedade), sendo, porém, reforçado em sua decisão através do convencimento exercido pela pressão inglesa, que passa a ser um elemento secundário, ou pelo menos o não mais importante no entendimento da questão. Essa é nossa interpretação da leitura que o texto permite nesse ponto.
Já Richard Graham vê na pressão inglesa o fator fundamental para a extinção do tráfico. Muito embora o próprio autor reconheça o papel do Império, que exercia em 1850 controle sobre a nação e que a abundância de escravos ajudou na aprovação da lei, ele caracteriza o fim do tráfico como conseqüência direta da invasão dos portos brasileiros pela Inglaterra.
O autor vai mais longe. Enquanto Jaime Rodrigues separa a questão do tráfico da questão da escravidão, evidenciando o término da pressão inglesa em 1850, além de maximizar o papel do Estado no episódio, Graham propõe que a pressão inglesa se dava no sentido da extinção da própria escravidão, tanto que, em seu texto, refere-se à pressão inglesa que se manteve até o ano 1871 com a promulgação da Lei do Ventre Livre, quando então os britânicos param de intervir. Essas são as diferenças básicas entre ambos os enfoques sobre a questão. Sobre Graham, veremos mais a seguir.
Richard Graham, com o texto “Escravidão, Reforma e Imperialismo”, considera que duas forças de longo alcance se apresentam como explicações da causa da abolição da escravatura no Brasil: a ascensão do café no centro-oeste paulista e o efeito imediato da fuga de escravos.
Fazendo um balanço crítico da historiografia que trata da lei de 1888, que libertou mais de ¾ de milhão de escravos e, segundo essa historiografia, arruinou latifundiários e destruiu o sistema político de então, diz que se fica a impressão de que o parlamento promulgou tal lei por razões humanitárias e por pressão da opinião pública, incitada pelos abolicionistas. Acusa aos manuais brasileiros de enfatizarem a humanidade do Imperador e da Princesa, relegando ao esquecimento a pressão dos próprios escravos a seu favor. Faz citação a alguns autores que corroboram essa visão historiográfica: Clarence H. Haning, segundo o qual comícios, artigos, etc., reduziram a relutância do Parlamento abolicionista e Percy Alvin Martin, que se refere à campanha abolicionista e parlamentar e a ação voluntária de alguns senhores e só de passagem à omissão do exército em perseguir escravos fugitivos. E o autor propõe a questão: “Como o Parlamento escravista acabou com a escravatura por maioria esmagadora? Abandonaram seus vitais interesses em função de serem convencidos por discursos?”.
Todas essas explicações partem de teses secundárias. O papel dos abolicionistas foi importante, mas indiretamente, pois se utilizaram dos novos grupos urbanos que surgiram após a guerra do Paraguai, que estimulados pela propaganda, encorajaram a fuga em massa dos escravos. Quanto aos fazendeiros, legalizaram uma situação que já era de fato, evitando posterior perda de autoridade e posição social. A escassez de escravos já vinha de longa data. Influências e pressões externas foram as responsáveis por essa escassez e pelas medidas tomadas em favor dos escravos antes de 1871. Para se entender a ação das forças que levaram à abolição é necessário se entender as mudanças econômicas que se deram na época, que foram a ascensão das exportações de café e conseqüente expansão de plantios para novas regiões e o crescimento e importância das cidades.
A revolução Industrial na Europa do século XIX teve como algumas conseqüências o aumento da população urbana e do consumo de artigos de luxo, dentre os quais o café. Novas tecnologias empregadas no transporte marítimo e terrestre diminuíram o custo das mercadorias. Em conseqüência, as exportações cresceram de maneira acentuada. As exportações de café estimularam a construção de vias férreas e em 1868 novas linhas foram construídas de Santos ao centro-oeste Paulista, região cafeeira em expansão em detrimento ao decadente Vale do Ribeira. Com o avanço das fronteiras econômicas, o centro-oeste paulista se incorporou à economia monetária.
A ascensão desse “novo grupo de homens” do centro-oeste paulista, cuja origem não era ligada às tradições da terra, mas sim oriundos de um grupo menos favorecido de pequenos proprietários e negociantes (ao contrário dos fazendeiros do Vale do Paraíba), teve conseqüências notáveis. Esse grupo considerava a terra capital e não Status. Eram inovadores, usavam novas técnicas agrícolas e apoiaram, quando não as construíram, às estradas de ferro. Era um grupo que exigia uma fonte de mão de obra mais abundante do que a instituição da escravatura era capaz de oferecer. Esses novos fazendeiros “construtores de estradas de ferro” mostravam interesse na importação de trabalhadores para substituir o braço escravo.
Com crescimento do comércio exterior, novos grupos urbanos surgiram. Com o resultante crescimento do comércio nas cidades, novos estabelecimentos surgiram, como os bancos, Cias. de transporte, seguradoras, etc. Esses negócios exigiram o aproveitamento de moradores urbanos para o trabalho em escritórios, na burocracia administrativa, assim como no comércio em geral. Itu, Sorocaba e Campinas se transformam em centros distribuidores de gêneros alimentícios. Com o crescimento urbano, as áreas de monocultura deixam de ser auto-suficientes em termos de produção de alimentos.
Surgiram novas atitudes dissociadas dos valores ligados à terra. A influência da Europa era notável: moda vestuária, hábitos alimentares, arquitetura, etc. A ideologia dominante era a da “recompensa de acordo com a capacidade”. Três tipos urbanos que surgiram nessa época eram particularmente adeptos do fim da escravidão: oficiais militares, engenheiros e industriais. Os militares, muito dos quais engenheiros, procediam das cidades e tinham antipatia pela escravidão, além de desprezarem aos bacharéis. Industriais têxteis, muitos deles se transferiram da Bahia para o centro sul em busca de mão de obra assalariada. Os valores desses novos grupos urbanos eram ligados ao conceito de mudança e progresso, na crença numa sociedade de mobilidade social e no individualismo e na economia baseada no lucro. Tais valores exigiam a liberdade de contratar ou despedir.
Sempre segundo o autor, a necessidade de mão de obra nas fazendas de café, mais o aparecimento de grupos urbanos descontentes com a escravidão, “tornou a abolição uma necessidade”. No entanto, os primeiros passos no sentido da abolição foram dados no fim da década de 1860 e início da de 1870, antes que essas duas forças (novos fazendeiros e novos grupos urbanos) fossem fortes (como já o dissemos anteriormente).
O fim da década de 1870 se tornou favorável ao abolicionismo, pois a economia em expansão exigia mais força de trabalho que a escravidão pudesse dispor.
A causa imediata mais importante da abolição foi a fuga de escravos de São Paulo e Rio de Janeiro. Desde 1886 os escravos fugiam por “sua conta e risco”, dirigindo-se às cidades, que se tornaram “território livre” para os escravos. Não houve nenhum empenho na repressão por parte da burocracia do Estado e do Exército, que inclusive se recusou à perseguição. Nos primeiros meses de 1888, finalmente, os fazendeiros começaram a libertar seus próprios escravos para evitar que estes abandonassem as fazendas. Os abolicionistas há muito tempo levavam escravos que vieram depois de 1831 aos tribunais para conseguir sua libertação, mas somente após 1883 é que as sentenças começaram sair em favor dos escravos. Após 1888, os escravos desorientados, ficaram sem saber o que fazer com a sua liberdade.
Concluindo, o autor enumera uma série de conseqüências pós 1888:

- Depressão geral no interior e empréstimos aos latifundiários;
- Deslocamento do centro de poder do Nordeste e Vale do Ribeira para o Centro-oeste paulista;
- Vitória no caminho da modernização;
- Enfraquecimento da Monarquia que tinha vínculos com latifundiários;
- Até os ex-escravos, agora assalariados, privados de senso de vitória, deram passo ao mundo moderno.

Hebe M. Mattos de Castro, em “Laços de Família e Direitos no Final da Escravidão”, começa sua exposição relatando que a partir de 1850, houve a concentração da mão de obra escrava nas grandes fazendas de café, com a conseqüente subida do preço dos escravos e a gradativa perda desse segmento por parte da população livre. Foi essa mesma mão de obra escrava a responsável pela expansão cafeeira a leste e oeste. Essa força de trabalho das fazendas localizadas das novas regiões (centro-oeste paulista) correspondia a 90% e das antigas regiões (Vale do Paraíba) 50%.
A autora trata exatamente dessa experiência que foi para a escravidão, a introdução do tráfico interno em substituição ao externo após 1850. Durante esse período, se deu a erosão “por dentro” do regime escravocrata, que culminou com os escravos reivindicando direitos. Aquilo que era considerado como privilégio antes de 1850, após foram reivindicados como direitos.
O tráfico interprovincial proporcionou intensa transferência de mão de obra escrava para os centros cafeicultores. O regime de trabalho era de no mínimo 12 horas por dia, sem dia de descanso e até a refeição era servida diretamente no local de trabalho para que o tempo fosse o mais possível aproveitável. A grande maioria desses escravos vinha de outras regiões, cada qual com a sua realidade própria. Diferentemente do escravo africano, que era tirado de seu meio original e colocado numa realidade completamente nova, os oriundos do tráfico interno já possuíam uma experiência prévia a respeito. Em seus lugares de origem, muitos deles, principalmente aqueles que vinham das cidades, tinham alguns privilégios relacionados ao controle de seu próprio tempo, manutenção de família, roça própria, dias de folga, horas livres, pecúlio e possibilidade de alforria. Quando em contato com as novas realidades dos cafezais, esses escravos não aceitaram o novo regime de trabalho e a perda dos privilégios, embora não contestassem propriamente a ordem escravista. Mas a partir de 1860, essa ordem passou a ser contestada.
A violência andava lado a lado com o paternalismo, pois a própria violência tem limites. Promessas de alforria, favorecimento de plantéis de família, pedaços de terra, etc., constituíam instrumento de controle ligando-o ao vínculo patronal, através da concessão desses privilégios. Mas no cafezal a realidade era diferente. E quando os escravos começaram a “reivindicar antigos privilégios”, os fazendeiros compreenderam como “reivindicação de direitos”. A partir daí aconteceram muitas revoltas, não com o objetivo de fuga, mas para recuperar privilégios perdidos. É importante notar que esses movimentos aconteceram já bem antes do auge do movimento abolicionista de 1880. Já nessa época, negros fugiam. O fato é que após 1850 a escravidão se tornou muito mais violenta em todos os sentidos, com os escravos se recusando a trabalhar se não existissem as condições anteriores: a do cativeiro livre.
O papel do Estado também foi importante no sentido de transformar esses privilégios em direitos. Em 1869 foi promulgada a lei que proibia a separação de família, coisa que era rara antes de 1850 e que se tornou comum após, em função da expansão dos cafezais. Em 1871 veio a lei do ventre livre, que também reconheceu práticas que já eram costumeiras, como o direito ao pecúlio e o direito a comprar sua alforria. Essa lei passou por força do trono, assim como a lei dos sexagenários.
A lógica paternalista do domínio escravista consistia em transformar em concessão toda ampliação do espaço de autonomia no cativeiro. Como exemplo, a concessão da alforria, que bem administrada pelos senhores podia gerar cativos de confiança e dependentes leais. Filhos, irmãos e netos no cativeiro, prendiam os dependentes forros a seus ex-senhores. No entanto, quando nas fazendas paulistas surgiram movimentos de escravos a partir de noções preestabelecidas de castigo justo, de ritmos de trabalho aceitáveis, enfim, de noções de cativeiro justo e que a priori reconhecia o sistema, ficou claro que “a universalização de um padrão de comportamento senhorial (a concessão) pressupunha tacitamente no reconhecimento de “direitos” e isso era incompatível com a ordem escravista, colocando em xeque as bases de reprodução dessa própria ordem. Com direitos não há escravos. E assim a instituição da escravidão sofria, gradativamente, cada vez mais, de falta de legitimidade. Mesmo assim, num contexto de falta de mão de obra, as alforrias se multiplicaram até para, contraditoriamente, garantir essa mesma mão de obra, enquanto os movimentos escravos, cada vez mais politizados, pressionavam por “direitos universais” e não mais por “privilégios pessoais”. A situação é bem definida nesse trecho do texto em questão: “A defesa das alforrias em massa, que se generalizava entre muitos deles, buscava resgatar a ascendência moral sobre os cativos, em especial nas áreas escravistas menos tocadas pelo tráfico interno”. “Os que as advogavam confiavam não apenas na gratidão dos libertos, mas, sobretudo na força dos laços comunitários e familiares entre os cativos para mantê-los, se não nas fazendas, pelo menos na região”.
A concessão de alforria em massa incondicional foi o único meio de tentar se manter os ex-escravos nas fazendas. Esses senhores convertidos de última hora à causa abolicionista, acreditaram e jogaram pesado na gratidão dos libertos e na força dos laços familiares e comunitários. No entanto após o treze de maio, o sistema de trabalho proposto aos libertos foi um fracasso, uma parceria a eito, com a continuidade do trabalho comunitário supervisionado (feitor com outro nome) e divisão da safra. Entre as condições de permanência que os libertos impuseram era o do controle do seu tempo. Houve a quebra geral da autoridade senhorial, com ex-escravos se recusando a sair das fazendas, mesmo quando expulsos. Em conseqüência, houve a crise de abastecimento em 1889 com a quebra da safra desse ano.
A política emancipacionista Imperial, manteve sob tutela estatal ou privada sobre os libertos de 1831 (extinção do tráfico), 1871 (ingênuos) e 1885 (sexagenários), assim como alforriados por fundo de emancipação, privando-os de cidadania. Desde 1850, a legislação Imperial tendeu a transformar os costumes em direitos, mas mantendo a condição civil especial para os libertos. O Estado Imperial assegurou o fim do tráfico, o direito à família, mudou em direito a prática do pecúlio e acesso à alforria e proibiu o açoite em 1886.
Concluindo, Graham vê na pressão inglesa, necessidade de mão de obra para as plantações de café e ascensão de grupos urbanos, os fatores fundamentais para o fim da escravidão.
Como já dissemos anteriormente, considera que a pressão inglesa se dá até o ano de 1871, quando, a partir daí, cessa. Justifica que, até essa data, não havia grupos internos organizados e que, portanto, a própria assinatura da Lei do Ventre Livre se deu por pressão externa. Caracteriza o Império como ligado aos interesses patronais, que seriam contra qualquer medida que beneficiasse forças progressistas contra seus interesses de “classe”. Assim, todas as medidas tomadas pelo Império em favor do fim da escravidão, seriam resultantes de pressão de grupos contrários à ordem patriarcal e na ainda ausência deles, do baluarte do progresso mundial: a Inglaterra.
A partir de 1871, dois novos grupos se consolidaram enquanto grupos de pressão ao Império.
O primeiro deles foram os fazendeiros “empresários” do centro-oeste paulista, região de novo desbravamento. Esses novos proprietários, antigos pequenos donos de terras e comerciantes, eram empreendedores. Adotaram novas técnicas, construíram estradas, eram capitalistas enfim, em oposição aos antigos proprietários que eram ligados às tradições da terra e a um sistema de produção ultrapassado e que não cabe dentro do capitalismo. Foi esse novo grupo, que se posicionou contra o escravismo e pressionou pela extinção da escravidão e pela importação de mão de obra estrangeira e assalariada. Foram esses fazendeiros que no último momento darão alforria generalizada.
O segundo deles são os grupos urbanos que surgiram como conseqüência do crescimento das cidades em função do comércio exterior, grupos esses imiscuídos no comércio das cidades, nos serviços públicos, nas profissões liberais, nas forças armadas, etc. Enfim, são grupos das camadas médias urbanas, ligados às idéias e costumes advindos da Europa, que assimilaram conceitos de liberdade e individualismo, ou seja, de ideologia também capitalista. Foram esses grupos, também progressistas e avessos à ordem escravocrata, que, através da propagação de idéia, influenciarão diretamente os escravos no sentido da rebelião e fuga.
A lógica da análise de Graham baseia-se na “intervenção externa”. São fatores externos que efetivamente definem a história do período. Foi por influência Européia, via pressão inglesa, que o Império se viu forçado a tomar atitudes antiescravistas. Também por influência externa, surgiram os novos proprietários, que, capitalistas que eram, estavam ligados aos interesses econômicos centrados na Europa, através da produção de café para o mercado mundial. Os grupos urbanos eram ligados também aos valores de fora, assim como surgiram em conseqüência dessa mesma ligação externa. Em resumo: Capitalistas ingleses que, através da pressão, propiciaram o surgimento dos proprietários de terra capitalistas brasileiros e grupos urbanos ligados ao capitalismo, que pressionaram, através dos escravos e também diretamente, a decretar o fim da escravidão, que por sua vez, era antagônico ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil, surgido por introdução Européia. Dentro dessa lógica, a escravidão é a antítese do capitalismo no Brasil.
Graham, além de negar qualquer papel de sujeito histórico aos escravos, sugere que os sujetos históricos brasileiros somente o são enquanto objetos históricos de outro sujeito, o capitalismo europeu.
Enquanto Graham procura uma lógica externa dos acontecimentos, Hebe de Castro procura na lógica interna a explicação do movimento histórico no período. Ela dá o papel de sujeito histórico aos escravos, agentes que são de sua própria luta, embora não negue o papel importante de outros movimentos como o abolicionismo. Dá status de autônomo aos movimentos dos escravos ao relatar que eles surgiram bem antes de outros movimentos estarem organizados. Esses movimentos, a princípio não contestatórios à ordem escravocrata, surgiram como expressão das contradições internas surgidas dentro do próprio sistema escravista.
A autora vê na questão dos privilégios concedidos aos escravos, que associados à pedagogia da violência, serviam de controle aos próprios escravos, o germe da destruição do mesmo sistema. Após o fim do tráfico em 1850, com o crescimento da demanda por braços escravos para o plantio de café, houve a introdução do tráfico interno. A concentração de escravos nos cafezais e o regime de trabalho intenso a que foram submetidos, em detrimento aos relativos privilégios concedidos pelos antigos patrões, resultou em violência e em movimentos reivindicatórios. A partir do momento em que as reivindicações de privilégios são generalizadas, portanto homogeneizadas, passam a ser reivindicações de direitos, entrando em choque com a lógica do regime escravista. É o início da autodestruição.
O Império teve um papel importante, pois ao transformar situações de tradição em direito, incentivou o processo. Nesse sentido, a autora percebe o Império como um elemento autônomo e não ligado aos interesses dos proprietários, conforme Graham sugeriu. Hebe define inclusive que o Império agiu em favor dos escravos desde 1831.
Quanto aos proprietários, no nosso entendimento, estavam perfeitamente integrados na economia capitalista mundial e que, no princípio, o sistema escravista serviu perfeitamente a estes propósitos. Com o passar do tempo, em função das contradições internas do próprio sistema de produção é que os problemas sugiram. Mesmo assim tentaram manter a escravidão até quando puderam, utilizando finalmente o subterfúgio da alforria geral, como tentativa de manter agregados às fazendas os ex-escravos.
Assim, enquanto Graham caracteriza os escravos como objetos históricos de sua liberdade, o Império comprometido com os proprietários escravistas e sujeito as pressões de toda a parte e o fim da escravidão como resultante dessas mesmas pressões externas, Hebe caracteriza os escravos como sujeitos históricos de sua liberdade, o Império como força autônoma e atuante em pró a abolição e o fim da escravidão como resultante da ação das diversas forças e contradições internas intrínsecas ao escravismo. É a lógica da contradição interna versus a lógica da coação externa.
Graham vê a extinção do tráfico de escravos e a abolição da escravatura como duas etapas dentro de um mesmo processo histórico, resultantes, ambas, de elementos externos ao escravismo no Brasil.
Hebe vê de maneira contrária. Entende que o processo que levou ao fim da escravidão foi longo e contínuo, reservando aos elementos internos do próprio escravismo o papel principal de agentes transformadores.
Por fim, Jaime Rodrigues, pelo que percebemos, situa-se numa posição intermediária, dando importância tanto aos elementos externos quanto aos internos.


2006

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A QUESTÃO DO PATRIMÔNIO

Capela de São Sebastião na ilha do Bororé em São Paulo-SP

Eduardo Melander Filho


A temática da preservação do patrimônio nacional, segundo nos indica Maria Cecília Londres Fonseca em seu livro “O patrimônio em processo – Trajetória da política federal de preservação no Brasil”, foi objeto de discussão, a partir de 1920, por parte de intelectuais que denunciaram o abandono de cidades históricas, que eram verdadeiro tesouro da nação. Os intelectuais modernistas adotaram um conceito de patrimônio a partir de idéias sobre artes, história, tradição e nação e foram os mesmos que assumiram o Sphan em 1936.
O modernismo foi um movimento que, dentre outros aspectos, nasceu sobre a crítica ao passadismo e a linguagem acadêmica de então, mas era constituído de diversas correntes estéticas e ideológicas.
Durante os anos 1920 houve uma baixa atuação política dos modernistas, que preferiram à área cultural. No final da década de 1920 e década de 1930 muitos se voltaram para a política militando no Partido Democrático (PD), que reuniu Paulo Prado, Paulo Duarte, Prudente de Morais Neto, Rubem Borba de Morais, Sérgio Milliet, Sérgio Buarque de Holanda, Mário de Andrade e outros.
Havia também os conservadores identificados com o grupo católico de Jacson de Figueiredo, editor da “Revista Ordem”, a quem se juntou Amoroso Lima.
Outros grupos conservadores voltados à militância política eram o “Verde Amarelo” de Menotti Del Picchia, Cassiano Ricardo, Cândido Mota Filho e Plínio Salgado e o “Anta”, de Plínio Salgado. Eram grupos anti-revolucionários, contra ideologias de esquerda. Defendiam a ordem e a restauração dos valores espirituais, tais como: o culto à pátria.
Em 1922, o movimento modernista se apresentou como anti-burguês, mas recebeu apoio e dinheiro da aristocracia cafeeira de São Paulo.
No ano de 1926, um grupo de escritores do nordeste, encabeçados por Gilberto Freire, lançou o “Manifesto Regionalista”, evocando os valores da cultura popular. Em Minas Gerais, grupos que giravam em torno das revistas “A Revista” e “Verde” não assumiram a perspectiva esboçada no localismo nordestino.
O mais interessante é que Mário de Andrade era um elemento único, pois não se encaixava em nenhum desses grupos.
Mário de Andrade foi professor do Conservatório de Música de São Paulo. Foi poeta, romancista, contista, cronista e etnógrafo. Assumiu na década de 1930 a direção do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, sob o governo de Armando Sales de Oliveira, membro do Partido Democrático.
A questão da identidade nacional era uma das preocupações centrais dos modernistas, que tinham uma visão crítica em relação ao “Brasil europeizado” e valorizavam o primitivo em nossa cultura. No entanto, achavam que esta identidade ainda estava por se construir. Não é a toa que no prefácio de “Macunaíma” aparece a frase: “não é tempo de se afirmar alguma coisa”, numa alusão de que a elaboração de uma versão de identidade nacional seria tarefa para o futuro.
Na arquitetura, o modernismo se valia do contato com a vanguarda européia de Lê Corbusier, paradoxalmente, contra o gosto burguês baseado no Ecletismo da “École das Beaux-Arts” francesa.
Os movimentos da década de 1920, tanto de intelectuais quanto políticos, tinham em comum a crítica aos modelos culturais e políticos da Velha República. Todos, apesar de heterogêneos, mobilizaram a opinião pública sob a égide da mudança. No entanto, a participação dos intelectuais modernistas na administração pública só se deu após a revolução de 1930.
Com a instituição do Estado Novo, houve um projeto de reforma administrativa, que se deu de fato com o objetivo de apresentar o Estado como legítimo representante da nação, nação essa entendida agora como “indivíduo coletivo” e não mais como “coleção de indivíduos”, segundo a definição liberal. O regime abriu espaços de participação aos intelectuais, muito embora tenha instalado a censura popular às massas.
Além da participação dos ideólogos do regime como: Francisco Campos, Azevedo Amaral, Oliveira Viana, Almir de Andrade e outros, houve a participação também daqueles que demonstravam certa reserva ao governo estabelecido.
Para a mobilização das massas foram criados símbolos especialmente para invocar a pátria, tais como: bandeira; hinos; efígie de Vargas; etc. No mesmo sentido, houve a nacionalização do ensino fundamental objetivando a criação de uma cultura nacional homogênea. O que preponderou, no entanto, não foi a busca de raízes populares que Mário de Andrade queria, mas sim a tentativa de fazer do catolicismo tradicional, do culto aos símbolos e líderes da pátria, a base mítica do Estado.
Quando Capanema assumiu o Ministério de Educação e Saúde, introduziu na instituição uma ampla reforma. Foram criados: o Instituto Nacional do Livro; o Serviço Nacional de Teatro; o Instituto Nacional de Cinema Educativo; o Serviço de Radiodifusão Educativa e o SPHAN, já com Rodrigo de Melo Franco de Andrade em sua direção. Também foram criados o Conselho Nacional de Cultura e o Conselho Consultivo do SPHAN.
Houve a criação, no período, de cursos superiores de Ciências Sociais. Primeiramente, a Escola Paulista de Sociologia e Política, em 1933. Depois, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. E, em 1935, a Universidade do Distrito Federal.
Nos anos 1930, a arquitetura moderna foi introduzida no Brasil. Arquitetos com ligações modernistas, tais como: Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Afonso Reidy, Marcelo e Milton Roberto, Atílio Correia Lima e outros, receberam apoio de Capanema com a nomeação de Lúcio Costa para a direção da Escola Nacional de Belas Artes em 1930, por influência de Rodrigo Melo de Franco de Andrade.
Capanema admitiu para trabalhar no Ministério de Educação e Saúde e em outras instituições ligadas a ele, intelectuais do modernismo, inclusive nomeando Carlos Drumond de Andrade como chefe de gabinete.
A relação dos modernistas com o Patrimônio Nacional foi definida a partir de duas dimensões: o sentido de ruptura e a eleição de Minas Gerais como tema e os mineiros como personagens nacionais.
Antônio Cândido avalia que em períodos anteriores ao surgimento do modernismo no Brasil, tanto no Império como na Velha República, os escritores eram, de uma maneira ou de outra, dependentes do Estado, pelo fato da maioria da população brasileira ser iletrada, fazendo com que o Estado exercesse uma espécie de mecenato. Daí que, por esta certa dependência, raríssimos foram os casos de escritores que exerceram em seus escritos algum tipo de crítica social ou política, principalmente aos regimes estabelecidos. Os modernistas surgem como uma ruptura desta tradição. Conforme sua frase (Antônio Cândido): “Na verdade, a missão dos modernistas extrapolava o campo estrito da literatura e dos contos. Tratava-se de, ao buscar definir os limites entre a criação literária e a militância política, repensar a função social da arte”.
Paulo Eduardo Jardim de Morais tem uma visão diferente. Os modernistas brasileiros, em contato com as vanguardas modernistas européias, perceberam que a modernização artística, no sentido de se romper radicalmente com o passado, só tinha algum sentido em países que tinham uma tradição já internalizada, o que não era o caso do Brasil, pois aqui a tradição ainda estava por se construir. Daí que a adesão total às teses européias do modernismo descaracterizaria o que o Brasil possui de particular, justamente o nacional. Optaram, por assim dizer, pela construção de uma tradição autêntica brasileira.
Ambos os autores apontam a peculariedade do caso brasileiro. O modernismo no Brasil avançou rumo à criação de uma nova linguagem estética no sentido de rompimento do passado, ao mesmo tempo em que se projetava na construção de uma tradição, no sentido da continuidade. Uma ambivalência renovadora e conservadora.
A relação entre os modernistas e Minas Gerais se estabeleceu a partir de algumas viagens anteriores realizadas por alguns de seus membros. Alceu Amoroso Lima e Rodrigo Melo Franco de Andrade descobriram o barroco mineiro em 1916. Lúcio Costa, quando visitou Diamantina em 1920, ficou admirado com a arquitetura colonial da cidade. Mário de Andrade tomou contato com a arte barroca brasileira da mesma forma, em 1924.
Por diversas razões, mineiros, cariocas e paulistas elegeram Minas Gerais como o berço da civilização brasileira.
Em 1916, Alceu Amoroso Lima publicou na “Revista Brasil” o artigo: “Pelo passado nacional”, relatando a viagem às Minas Gerais. Na mesma revista, Mário de Andrade publicou um artigo com o mesmo teor, em 1920. “A Revista”, periódico mineiro de Carlos Drumont de Andrade e Martins Almeida, abriu espaço editorial para a discussão da questão do patrimônio nacional. Lúcio Costa publicou em “O Jornal”, o artigo “Uma escola viva de Belas Artes”, defendendo a arquitetura colonial brasileira.
Além dos modernistas, Ricardo Severo proferiu uma conferência intitulada “A arte tradicional no Brasil”. Essa conferência foi um marco na tomada de posição dos arquitetos brasileiros em defesa da arquitetura colonial brasileira.
Todas essas atividades são antecedentes à criação do SPHAN. O poder público, frente a essas demandas dos intelectuais, respondeu de diversas formas.
Na década de 1920, foram criadas as Inspetorias Estaduais de Monumentos Históricos de Minas Gerais em 1926, da Bahia em 1927 e em Pernambuco em 1928.
Bruno Lobo foi convidado a elaborar um anteprojeto de lei para a defesa do patrimônio. Tal anteprojeto se tornou inviável, na medida em que atrelou a proteção à desapropriação.
O primeiro órgão federal de proteção efetiva ao patrimônio foi criado no Museu Histórico Nacional, por iniciativa de Gustavo Barroso.
A Inspetoria dos Monumentos Nacionais foi criada em 1934, dentro de uma perspectiva tradicionalista e patriota. A Inspetoria foi extinta com a criação do SPHAN.
A primeira grande iniciativa federal em relação ao patrimônio nacional foi a elevação de Ouro Preto à categoria de monumento nacional.
A partir de 1937, com a instituição do Estado Novo, o tema do patrimônio foi integrado ao projeto de construção nacional.
A entrada do Estado se deu de maneira definitiva em 1936, quando o ministro Capanema se mobilizou para a proteção dos monumentos e artes nacionais. Recorreu, então, a Mário de Andrade para a elaboração de um anteprojeto. O anteprojeto, em sua primeira versão, caracterizou-se por ultrapassar a visão de “bens isolados”, propondo o estabelecimento de uma instituição para cuidar da questão do patrimônio, em geral, de forma abrangente e articulada.
O SPHAN foi instalado experimentalmente em 1936, já sob direção de Rodrigo M. F. de Andrade, com a lei 378 de 13/01/1937. Compunha o órgão: a Divisão de Estudos e Tombamento – DET – ao qual se agregavam a Seção de Arte, Seção de História e o Arquivo Geral, e a Divisão de Conservação e Restauração – DCR. O SPHAN também se enraizava regionalmente através de distritos, possuindo vários Museus regionais que foram criados a partir de 1938. Participaram dessa primeira fase vários elementos, dentre os quais: Mário de Andrade, Rodrigo M. F. de Andrade (de 1936 a 1967), Lúcio Costa, chefe do DET (1937 a 1972), Carlos Drumond de Andrade, Afonso Arinos de Melo Franco, Prudente de Morais, Manuel Bandeira e outros.
O anteprojeto de Mário de Andrade foi preterido. No entanto era bastante avançado. Reunia no mesmo conceito, artes, manifestações eruditas e populares. Afirmava o caráter particular nacional e universal da arte autêntica.
Sua definição de arte se aproxima da concepção antropológica de cultura. Foram propostas oito categorias de arte:

- Arte Arqueológica;
- Arte Ameríndia;
- Arte Popular;
- Arte Histórica;
- Arte Erudita Nacional;
- Arte Erudita estrangeira;
- Artes Aplicadas Nacionais;
- Artes Aplicadas Estrangeiras.

Valorizava, sobretudo, o valor histórico, que se sobrepunha ao artístico, entendendo histórico como obras que, independente de seu valor artístico, constituem documentos para a nossa História Política.
O projeto dava destaque aos Museus Técnicos, que seriam museus pedagógicos, em que a técnica seria apresentada a serviço do conhecimento dos ciclos econômicos do Brasil.
Foram instituídos quatro Livros do Tombo, em que todas as obras tombadas seriam inscritas.
Quanto à participação popular, ela seria limitada à organização dos museus municipais. O alcance da participação popular, segundo o projeto, seria esse. Partia-se da idéia do intelectual como mediador entre os interesses populares e o Estado.
Com o golpe de 1937 e a imposição da ditadura, o que passou definitivamente foi o projeto organizado por Rodrigo J. M. de Andrade, voltado à questão da propriedade e aos meios jurídicos de como lidar com a questão. Surgiu a figura do “tombamento” como fórmula de compromisso entre direito individual, a propriedade e a defesa do interesse público, graças à constituição de 1934 que estabeleceu limites ao direito de propriedade, definindo a função social desta.
A orientação que o SPHAN adquiriu no processo de atribuição de valores a partir de então, inseriu-se na tradição européia de constituição do patrimônio nacional, a partir das categorias de História e Arte. O limite atingido pelo SPHAN foi dentro do conceito de monumento histórico expresso da Carta de Atenas de 1933.
A prioridade de tombamento foi dada ao que havia sobrado da arte colonial brasileira, em decorrência do processo de urbanização, comercialização ilegal de bens móveis por antiquários a colecionadores, além de que, para as populações locais, esses bens eram considerados “velharias”, dignas para “servir de lenha”. O conceito de civilização material adotado foi elaborado por Afonso Arinos de Melo Franco, que considerava que o elemento português predominava sobre o negro e o indígena, que haviam deixado poucos vestígios.
Na arquitetura, grandes quantidades de igrejas foram tombadas, dada a grande quantidade delas, segundo Lúcio Costa.
No conceito de “excepcionalidade”, de acordo com a legislação, predominou o caráter discricionário por parte dos agentes, pois não havia um critério definido. Aliás, os critérios em geral adotados pelo SPHAN eram sustentados pela autoridade dos agentes do órgão e não tanto por estudos e pesquisas, além de ser inacessível ao público em geral. Os próprios funcionários consideravam legítimo o exercício desta autoridade, pautando-se em que cabia ao Estado, na época, o papel de interpretar e de guardião dos valores culturais, em sintonia com os propósitos do Estado Novo.
Quanto à produção de conhecimento através do acervo resultante dos tombamentos, havia uma preocupação de que fosse objetiva, científica, visando subsidiar o trabalho de proteção e divulgar o conhecimento de arte e da história que o Brasil possui.
Os termos do decreto lei 25 de 30/11/1937 foram propositalmente genéricos, definindo o tombamento como um ato administrativo discricionário, fazendo com que as decisões fossem tomadas caso a caso. O estado de conservação do material também era um critério determinante no tombamento.
Embora não seja admitido, na prática, o Livro Arqueológico, Livro Etnográfico e Paisagístico e Livro de História, serviram para abrigar bens que, por estarem destruídos, adulterados e que não se havia interesse estético, não atenderiam critérios do Livro de Belas Artes.
Algumas constatações que podemos tirar sobre as características dos critérios:

1- A constituição do patrimônio no Brasil teve uma preocupação eminentemente estética;
2- O rigor nas inscrições não foi uma preocupação imperativa nas primeiras décadas, mas sim a urgência de proteger;
3- Muitas vezes, a decisão sobre as inscrições partia de quem a propunha ou do inventariante, segundo critérios pessoais.

Na década de 1960, a prioridade de inscrições foi para o Livro de História, mas ainda permaneciam os mesmos critérios em relação ao estudo da obra, dando-se preferência ao Barroco e depois ao estilo Neoclássico. Obras do estilo Eclético, que era a “ovelha negra” da arquitetura brasileira segundo os padrões dos arquitetos modernistas, somente três delas foram tombadas, assim mesmo por seu valor histórico.
Resumindo os critérios:

a- O principal instrumento de escolha era a autoridade dos técnicos;
b- Prevaleceu a apreciação estética baseada nos cânones da arquitetura modernista;
c- O valor histórico dos bens não era objeto de maior atenção;
d- A prioridade era a de assegurar proteção legal para a inscrição no Livro dos Tombos, ficando em segundo plano o critério das inscrições.

A equipe de Rodrigo era constituída, em predominância, por arquitetos, artistas plásticos, pesquisadores, fotógrafos, engenheiros, etc., caracterizando-se por uma grande coesão em torno de um projeto e um grande espírito de equipe. Havia o predomínio de arquitetos, juntando-se a eles, depois de duas décadas, museólogos e só recentemente, historiadores e cientistas sociais.
Tem-se a impressão que a instituição se unia contra os inimigos externos, que eram os proprietários de bens a serem tombados, intelectuais preteridos pela instituição, membros da igreja católica e a própria massa, que Rodrigo julgava como ainda não consciente do valor do patrimônio.
Daniel Pecant resumiu bem as relações entre o Estado e os intelectuais do novo regime no Estado Novo em duas observações:

- Recorria aos intelectuais para alcançar a unidade orgânica da nação, pois era responsável pela identidade cultural brasileira;
- Não conhecia outra expressão da opinião pública que não fosse dos intelectuais.

Tanto os intelectuais como o Estado Novo entendiam o povo como massa, sem canais próprios de expressão. No entanto, Mário de Andrade e os modernistas valorizavam positivamente o povo através de suas manifestações culturais, reconhecendo a criatividade e a presença viva e dinâmica de nossas raízes culturais.
Havia um acordo tácito que permitia a autonomia que o SPHAN possuía dentro do MES: o do não envolvimento dos intelectuais em outras esferas do governo, inclusive censura e propaganda. Havia um claro interesse do governo Vargas em cooptar intelectuais de prestígio para dentro do aparelho de Estado.
Silvano Santiago considera a trajetória de Mário de Andrade um exemplo de ambivalência dos modernistas da década de 1920 em relação à política. Ele faz uma citação de uma frase de Mário de Andrade que diz: “Os novos ainda buscam a ‘verdade’, filhos que são do ‘falido espírito burguês liberal’. Já os novíssimos, filhos das ‘diversas ditaduras socialistas ou fingidamente socialistas de agora’, já não se interessam (clercs traidores que são) pela busca da verdade, mas buscam uma ‘lei’”, numa alusão clara a Graciliano Ramos e Jorge Amado, que, pelas suas posições antifascistas e de esquerda, foram perseguidos pelo Estado Novo.
A aposentadoria de Rodrigo M. F. de Andrade ocorreu em 1967. Renato Soleiro, arquiteto, substituiu-o, dando fim ao período compreendido como “fase heróica” da instituição.
Sérgio Micele afirma em seu texto “SPHAN: refrigério da cultura oficial”, que o anteprojeto de Mário de Andrade não era politicamente viável na época de sua elaboração. No entanto, um confronto entre esta proposta e os rumos que o SPHAN assumiu na época, não contribui na solução dos impasses que hoje se apresentam.
Mário de Andrade representava o cosmopolitismo de uma sociedade complexa, apoiada no trinômio imigração-urbanização-industrialização e contrastava com projeto de vida das elites mineiras. A generosidade etnográfica de sua proposta entrou em contraste com a eleição do barroco como base da política preservacionista.
A criação do SPHAN representou um passo decisivo de um regime que se dedicava a construir uma identidade nacional. Intelectuais modernistas atuaram em consonância com este projeto, elegendo o barroco como “ponto de partida” para a construção da memória nacional.
Pela lista dos imóveis e monumentos tombados pelo SPHAN, percebe-se que ali estão representados “os espécimes característicos de todas as frações da classe dirigente brasileira, nas expressões públicas e privadas, leiga e eclesiástica, rural e urbana, e um extremo esquecimento dos grupos populares, das populações negras e povos indígenas”. Houve uma preferência clara aos bens de “pedra e cal” em detrimento de outras, pelo fato de os arquitetos serem os primeiros mentores da política preservacionista, indicando uma “queda” pelo monumentalismo.
A tradição preservacionista no Brasil nunca conseguiu superar a doutrina da “reintegração artística”, que nada mais é senão purificar o prédio a ser restaurado, eliminando quaisquer acréscimos posteriores à construção original.
Uma “mistura de proteção política e reduzido impacto intelectual, foi uma das sementes do passadismo culturalista, que passou a nortear as políticas preservacionistas”. Por conta da formação dos intelectuais da geração modernista que foi incorporada ao SPHAN, ele acabou se constituindo num organismo dedicado à salvação do abandono de exemplares arquitetônicos significativos esteticamente para a histórica das formas e estilos da classe dirigente. Em conseqüência, a questão do “retorno social” dos recursos públicos aplicados nunca foi resolvida.
Havia na época uma definição operacional restritiva aos acessos da cultura material das elites, o que deu margem ao fortalecimento de instituições concorrentes no trabalho de preservação dos patrimônios preteridos. O SPHAN, dentro deste contexto, transformou-se num “refrigério da cultura oficial”, autodefinindo-se como um organismo “técnico” e imune ao “clientelismo de balcão”, cujas atividades só poderiam ser avaliadas por especialistas. Outras agências não conseguiram operar da mesma maneira, pois possuíam outro tipo de “clientela”. O SPHAN só operava com duas: os arquitetos (que tinham representação) e os empreiteiros.
O SPHAN foi bem sucedido no duplo empenho de especialização e isolamento institucional.
O autor faz a colocação de que os novos interlocutores das políticas de preservação tendem a propor a democratização do acervo e dos debates à constituição do acervo.
Na França, a política de patrimônio foi dilatando suas fronteiras, abarcando quaisquer modalidades de expressão cultural. O conceito de patrimônio foi se antropolizando, mostrando-se sensível a qualquer experiência social. Essa política seria impossível se não contasse com respaldo social e mesmo eleitoral, no sentido de se garantir verbas públicas.
Deve-se lembrar que há um peso importante da cultura no contexto da política externa francesa. Há também um retorno dos investimentos no campo da preservação, através dos incentivos a setores da indústria cultural e ramos do artesanato de luxo.
A nova política de patrimônio não se guiou por critérios estéticos ou estilísticos, mas sim por critérios de representatividade etnográfica importados das ciências sociais.
Houve também a exigência da utilização socialmente produtiva dos bens preservados por parte dos beneficiários, com incentivos vários.
Nos Estados Unidos houve uma separação entre conservação e preservação, constituindo-se o primeiro pelo trabalho desenvolvido pelos museus, arquivos, etc., e o segundo, pelo patrimônio arquitetônico e ambiental inserido nos objetivos das políticas de planejamento urbano. Todo o trabalho de preservação se encontra nas mãos de associações e empreendimentos particulares, a maioria com fins lucrativos. Não há legislação protecionista.
Tanto na França quanto nos Estados Unidos, as políticas e os responsáveis (públicos e privados) pela preservação, tornaram-se acessíveis às demandas dos movimentos sociais, com critérios etnológicos e sociológicos, em detrimento do gosto burguês de origem européia.
O movimento preservacionista dos países desenvolvidos acabou se envolvendo com movimentos de preservação do meio urbano e meio ambiente, pela afirmação dos direitos das minorias à diferença.
No Brasil isso não ocorre. Aqui, a reorientação política para os interesses dos grupos populares, pode redundar numa “folclorização sofisticada”.
Há motivo de preocupação com a proposta de tombamento do próprio SPHAN na busca de justificar o “status quo” da instituição, eternizando um organismo “fóssil”.
Todos os problemas do Brasil se referem à questão da democratização, segundo o autor, que propõe a democratização do acervo, meios de acesso a ele, espaços de debate sobre ele e que se assegure a representatividade da comunidade afeita ao acervo.
Antes de tudo, são necessárias algumas considerações. O texto de Maria Cecília Londres Fonseca constituiu-se com a proposta de discutir a “fase heróica” do SPHAN, de sua fundação até a data de aposentadoria de Rodrigo M. F. de Andrade, enquanto que o texto de Sérgio Micele parte já para propostas e estudos de épocas posteriores também. Ambos os textos são peculiares, apresentando divergências pontuais mínimas, sendo a mais importante a que se refere ao anteprojeto de Mário de Andrade. Maria Cecília defende a tese de viabilidade do projeto, que, se fosse implantado à época, seria de um avanço considerável. Chega mesmo a sugerir que toda a trajetória do SPHAN foi devida ao preterimento daquela proposta. Sérgio Micele afirma que não, pois, segundo ele, o projeto era inviável para a época e que, portanto, essa questão está fora da ordem do dia quando se trata de discutir os rumos da preservação do patrimônio nacional nos dias de hoje.
Mas o que mais nos assusta são as convergências: ambos são taxativos em defender a proposta de Mário de Andrade e mesmo a postura do escritor em sua época, relacionada à ditadura getulista de direita. Retomaremos mais adiante com esta questão. Antes, vamos apresentar duas outras, que também são relevantes.
A primeira é a questão da “democratização” dos assuntos referentes ao patrimônio histórico cultural.
Tem-se defendido a “democratização” como se ela fosse a panacéia para todos os males. Se a tradição preservacionista no Brasil é ligada ao autoritarismo, ao elitismo intelectual e à dissociação com as massas, dá-lhe democratização que as coisas ficarão automaticamente resolvidas, como se a própria evocação à idéia já se constituísse num direcionamento infalível. Nesse raciocínio metafísico, a idéia adquire vida própria, instando o participante com seu sopro divino.
No Brasil, a idéia de democratizar sempre veio acompanhada, salvo exemplos concretos resultantes de atividades militantes de grupos de esquerda marxistas, da idéia de co-gestão, por um lado, em que os grupos ou comunidades adquirem a autonomia da operacionalização, mas não da decisão final sobre o que elaborar e das regras de funcionamento, e da idéia da auto-sustentação, por outro, jogando às populações tarefas que tradicionalmente são tarefas do Estado, que fica desobrigado, a partir daí, de prestar outra ajuda que não seja a de “conselhos” ou “receitas” através de “cartilhas”.
Obviamente que esta idéia nunca interessou ao capitalismo há tempos atrás, quando as únicas organizações populares progressistas das comunidades que existiam eram inspiradas no conceito histórico de luta de classes, conceito agregador. Mas hoje interessa, pois reforça as comunidades organizadas segundo o conceito antropológico de minoria, conceito desagregador.
Contudo, a simples possibilidade de democratização é um grande avanço. Avanço esse que deve ser garantido com reflexões sérias sobre o assunto. Deve-se rediscutir o papel do Estado, que no Brasil ainda detém o monopólio do “patrimônio”, sem, no entanto, desobrigá-lo de intervenção, principalmente no fornecimento de suporte financeiro e institucional.
Questão central é a de se discutir sim, critérios mais ou menos gerais, que, se não acadêmicos, ideológicos no sentido de fornecer subsídios para que as comunidades garantam a discussão local dos limites e abrangências em que a ação de preservação do patrimônio deve transitar.
Afirmamos isto porque se essa discussão não se estabelecer, democracia alguma vai livrar as comunidades de adotarem, por falta de opção cultural, aos mesmos critérios já estabelecidos baseados numa estética burguesa, pré-definidos por uma elite comprometida com as classes dominantes, ou aos critérios ditados pela indústria cultural, com formulações baseadas em premissas do pós-modernismo imperialista e dominador. E é aqui que entra a segunda questão.
Durante a “fase heróica” do IPHAN (antigo SPHAN) foram os arquitetos que prevaleceram, dando inclusive o tom da definição de patrimônio histórico e artístico nacional, baseado fundamentalmente em padrões estéticos das classes dominantes, assim como a “História” que se preservou foi através dos bens e monumentos de exaltação dessa mesma elite dirigente.
Não é preciso dizer que hoje são os cientistas sociais que detém o monopólio conceptual que define o patrimônio a ser preservado, inclusive o histórico, que passa a ser algo que constituí alguma tradição cultural mais ou menos perene dentro de uma comunidade.
Podemos dizer com certeza que, desde a criação do IPHAN (SPHAN), quem definiu a formulação do conceito de “historicidade” foram os arquitetos e, depois, os antropólogos.
Mas, o que é “histórico”, sob o ponto de vista do historiador? Não é pelo fato de a participação de historiadores ser pequena dentro das instituições dedicadas à preservação, que se justifica a ausência deles na formulação do conceito que, por sinal, é um conceito que deveria ser formulado necessariamente por... historiadores. No entanto tal não sucede, abrindo espaço para definições fundamentadas no dogmatismo estético ou no relativismo cultural.
É essa a tarefa que, no nosso modo de pensar, cabe aos historiadores na questão da preservação do patrimônio histórico e cultural. Se os historiadores não tomarem para si essa tarefa outros o farão, ou pior, cada qual definirá da maneira que lhe convier ou de acordo com suas necessidades de todos os tipos, abrindo espaço para que setores mais poderosos e melhores aparelhados em termos estruturais imponham sua “visão de mundo”, de acordo com interesses espúrios e de toda espécie.
Passamos então agora à questão relativa ao Mário de Andrade.
Ambos os autores defendem o anteprojeto de Mário de Andrade como avançado para a época. Ambos também realçam que, Mário de Andrade, era uma figura ímpar dentro do modernismo, que não participou de nenhuma agremiação política na época. Então vamos a algumas considerações.
Primeiramente, em relação ao movimento modernista, já durante a Semana de Arte Moderna em 1922, revelou-se antiliberal, propondo uma alternativa estética aos padrões europeus adotados nas artes e arquitetura “eclética”. Alguns intelectuais de esquerda se agregaram ao movimento, mas, no Brasil, aqueles que enveredaram nas atividades políticas eram eminentemente de direita. A entrada desses intelectuais no regime Vargas se deu com motivações, conforme veremos.
Em segundo lugar, há a tese de que Mário era uma figura única dentro do movimento, que não dá para definir em relação aos grupos de expressão. É preciso entender que Mario de Andrade era funcionário de carreira e o funcionalismo da época trabalhava de acordo com o conceito de que o funcionalismo do Estado deveria ser neutro politicamente e extremamente eficiente. Aliás, foi dentro deste conceito que o SPHAN foi constituído. Claro que ele tinha opiniões políticas e quando ele as manifestou foi à direita (vide comentário contra os socialistas, Graciliano Ramos e Jorge Amado). Daí sua atitude meio “em cima do muro”, atitude essa refletida também em todo o movimento modernista, que não optaram por uma “verdade”, mas a estavam procurando.
Em terceiro, no texto de Micele, ele descreve que Mário mais representava o cosmopolitismo de São Paulo e que seu anteprojeto refletia isso. No entanto Mário viajou a Minas Gerais em 1924, adotando a tese da mineiridade. E referiu-se com desdém quando comentou sobre o que sobrou de arquitetura em São Paulo. Mario de Andrade era “mineiro”.
Em quarto lugar, o anteprojeto, quando se referiu ao popular, não tinha nada de “avançado”, pois se dirigia ao folclore, às festas populares, ao pitoresco, ao exótico, tão bem ao gosto dos modernistas franceses, quase todas inseridas, de uma maneira ou de outra, dentro de contextos religiosos católicos, fosse uma expressão de minoria ou não. O papel relegado às massas na participação de projetos de preservação dá bem o tom da proposta excludente e elitista de Mário.
A quinta questão se refere à tese da ambivalência, que ao mesmo tempo era renovadora e conservadora, tese essa que aparece cada vez que se quer minimizar o regime de Vargas ou até mesmo justificar a participação dos intelectuais modernistas na direção do regime.
Tanto o fascismo italiano como o nazismo eram também ambivalentes. Baseavam-se na renovação moderna representada pelas ciências e pelo avanço tecnológico, num sentido e em direção ao progresso. Mas também eram conservadores no sentido de defender uma cultura ligada a um mito fundador: o Império Romano para os italianos e o Primeiro Reich para os alemães. Os modernistas brasileiros também eram pela renovação moderna, mas também procuravam uma cultura baseada numa “fundação”, que encontraram na arte mineira dos primeiros séculos. Os modernistas brasileiros eram tão ambivalentes quanto os fascistas e os nazistas.
Por último, para explicar a participação dos intelectuais modernistas no governo Vargas e Estado Novo, recorremos a Gramsci, quando escreveu sobre o papel do intelectual.
Gramsci, do Partido Comunista italiano, foi preso em 1925 pelos fascistas e condenado a vinte anos de prisão em 1928. Morreu no cárcere em 1937.
Durante o período de prisão, escreveu “Cadernos do Cárcere”, publicados de 1948 a 1951.
Véndrine nos mostra que o presidente do tribunal que condenou Gramsci disse que “é preciso impedir esse cérebro de funcionar durante vinte anos”.
Os “Quaderni” de Gramsci possuem duas questões centrais que são o papel das ideologias e o papel do intelectual na elaboração da ideologia. Preocupou-se em responder o porquê de as classes dirigentes arrastarem toda a sociedade, servindo-se de intelectuais.
Desenvolveu uma reflexão onde percebe que todos os homens possuem uma certa cultura e capacidades técnicas, por isso são intelectuais. Mas nem todos têm funções intelectuais na sociedade. Portanto é por sua função num determinado sistema que se define o intelectual do não intelectual. Em seguida faz uma distinção entre os intelectuais orgânicos, aqueles que são criados pelo sistema para garantir sua coesão e ideologia, e os intelectuais tradicionais, remanescentes das antigas camadas sociais. Ambos desempenham o papel de “consolidar” a ideologia da classe dominante, que será absorvida pelas demais classes. Os intelectuais participam do sistema em diversos graus e por isso nenhum deles é inocente no regime capitalista. Conseqüentemente, toda a revolução deve agregá-los por cooptação ou destruí-los inexoravelmente, dependendo das circunstâncias.
Gramsci se recusou a tratar todos os intelectuais como burgueses, pois eles constituem várias camadas que servirão, ou a classe dominante como intelectual orgânico, ou à classe que sobe como uma nova elite de militantes.
Podemos dizer que, longe de ser comunista, muito pelo contrário, Vargas seguiu (pela direita) o conselho de Gramsci no cooptação dos intelectuais. Podemos dizer também, que, como diz Gramsci, nenhum intelectual é inocente. Nesse sentido, Mario de Andrade não o era e seu comprometimento com o regime não foi apenas circunstancial, como muitos gostam de afirmar.
Existe uma áurea de “mito” rondando Mário de Andrade. É necessária uma desmistificação a fim de colocá-lo no lugar que lhe cabe na História.



BIBLIOGRAFIA


ARANTES, Antonio Augusto. Documentos históricos, documentos de cultura. Texto.

FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo – Trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro. Editora UFRJ/MinC-IPHAN. 2005.

MICELI, Sergio. SPHAN: refrigério da cultura oficial. Texto.

VÉDRINE, Hélène. As filosofias da História – Decadência ou crise. Rio de Janeiro, Zahar, 1997.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

PARAÍSO EM PORTO COLÔMBIA

A beleza das garças e tuiuiús do Rio Grande

Biguás às margens do Rio Grande em Planura-MG

Águas do Rio Grande e do Rio Pardo que não se misturam

Grande Pintado



Prof. Melander

Conversando com freqüentadores do bar dos pescadores do jardim Bela Vista que são leitores assíduos desse jornal, além de já terem sugerido vários temas para os artigos que escrevemos nessa coluna, contaram-nos sobre a pescaria de Dourados enormes e Pintados de mais de 15 kg no Rio Grande da região de Porto Colômbia, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais. Como de início não acreditamos que peixes desse porte ainda poderiam existir em rios tão próximos à capital do nosso Estado (a região dista 500 km partindo de Interlagos), resolvemos conferir “in loco”.
O trecho do Rio Grande que visitamos é situado entre os municípios de Colômbia-SP e Planura-MG (antiga Porto Cemitério) e entre as barragens de Porto Colômbia e Marimbondo, que são duas das treze barragens que possui o referido rio. Entramos também por barco a motor no curso do Rio Pardo, atravessando sua desembocadura (no Rio Grande), adentrando alguns quilômetros em São Paulo (Estado). As águas desse rio são barrentas e quando se encontram com as do Rio Grande, cujas águas são claras, não se misturam, revelando um espetáculo semelhante ao encontro das águas do Rio Negro e Solimões na Amazônia.
A barragem (de Porto Colômbia) propriamente dita faz parte do Sistema Furnas e represa águas entre as cidades de Planura-MG e Guairá-SP. Considerada uma Usina Hidroelétrica de baixa queda (40 m de altura), começou a ser construída em 1969, sendo inaugurada em 1973. Nossa navegação se deu rio abaixo da barragem.
A beleza da região é indescritível, tamanha a variedade de paisagens, de flora e de fauna. O Rio Grande é um rio largo e nessa época do ano (setembro e outubro) está baixando, deixando à mostra a vegetação de sua área de várzea. Seu canal não é muito profundo, podendo se ver o fundo em determinados trechos. Em suas margens vadeiam desde ratões do banhado (castores) até bandos de capivaras, juntamente com aves de rapina, garças, tuiuiús, colhereiras, paturis, biguás, marrequinhos e outros bichos.
Realmente, segundo comprovamos, a região produz grandes Pintados, depois de anos em que se pensava que tinham desaparecido. Os pescadores, usando como iscas lambaris, tuviras, caborjas (cascudinhos), camarões de água doce, minhocas e artificiais, tiram muitos peixes daquelas águas, pescando tanto de “rodada” como "apoitados”. Espetáculo à parte é a pesca da Piapara, que reúne dezenas de barcos num determinado ponto do rio, “cevando” com misturas azedas e através de uma parafernália mecânica, na esperança de bons espécimes.
Além dos já citados Dourado, Pintado, Piapara e os utilizados como iscas vivas, existem outras espécies de peixes: Barbado; Cascudo; Cachara (Surubim); Curimbatá; Corvina de água doce (Pescada do Piauí); Jaú; Mandi-açú (Mandijuba ou Mandiúva); Mandi-chorão; Pacu; Piau-três- pintas; Piavuçú; Caranha; Tabarana; Traíra; Trairão; Tucunaré; Piranha; Acará e Jundiá.
Vale a pena conhecer aquele lugar, nem que seja apenas para se regalar com a natureza.

FONTES:

MELANDER FILHO, Eduardo. Paraíso em Porto Colômbia. Gazeta de Interlagos, São Paulo, 09 out 2009 a 22 out 2009. História, p. 2.

MELANDER FILHO, Eduardo. Paraíso em Porto Colômbia. Gazeta de Interlagos, São Paulo, 09 out 2009 a 22 out 2009. Edição 141, p. 2. Disponível em: <
http://www.gazetadeinterlagos.com.br/>. Acesso em: 12 out 2009.

domingo, 4 de outubro de 2009

REPRESA DO GUARAPIRANGA: MARAVILHA ARTIFICIAL




Garças na Represa do Guarapiranga


Prof. Eduardo Melander Filho

Inaugurada em 1908, a represa do Guarapiranga, que quer dizer “garças vermelhas” em Tupinambá segundo interpretação de alguns lingüistas, teve sua construção iniciada em 1906 pela “The São Paulo Railway, Light and Power Company Limited”, com a finalidade inicial de regular a vazão do rio Tietê, garantindo assim o fluxo necessário de água para alimentar a Usina Hidroelétrica de Parnaíba, localizada no município de mesmo nome. Apenas em 1928 é que sua finalidade foi ampliada para a de abastecer a cidade de água potável. A partir das décadas de 1930 e 1940, serviu também para alimentar a Represa Billings através do canal do Rio Pinheiros, represa essa cujo objetivo era o de movimentar as turbinas da Usina Hidroelétrica Henry Bordem, situada do município de Cubatão.
A Guarapiranga, que abarca os municípios de São Paulo, Embu-Guaçu e Itapecerica da Serra, é resultado do represamento do rio Guarapiranga, sendo alimentada por vários cursos d’água: rios Embu-Guaçu e Embu-Mirim; ribeirões Itaim, Lavras, Represa e Fazenda da Ilha; córregos Luzia, Itararé, Campo Fundo, Piqueri, Itupú, Guavirutuba, São José, Rio Bonito, Rio das Pedras, Tanquinho e Casa Grande.
Durante a grande cheia de 1976, a represa transbordou pela sua barragem situada na Capela do Socorro, colocando em risco sua própria existência e a vida de milhares de pessoas que seriam vitimadas pela gigantesca onda de água resultante do rompimento. Sacos de areia foram colocados para evitar maior escape d'água, fazendo com que a crise fosse momentaneamente superada. Posteriormente a altura da barragem foi aumentada, evitando assim possíveis problemas futuros semelhantes.
A partir da década de 1980 houve um aumento populacional em sua orla, resultado de invasão por loteamentos clandestinos e de uma política de ocupação mal definida por parte das prefeituras da região. Consequentemente houve uma elevação substancial do nível de poluição das águas, causado pelo escoamento de esgoto e lixo produzidos por essa concentração humana. Atualmente a situação começa a se reverter. Há mesmo um projeto de revitalização desde 2008, cujo objetivo é o de construir uma via panorâmica que circundará a represa, com calçada e ciclovia.
Hoje podemos considerar a Guarapiranga como um paraíso faunístico. Durante o ano todo vemos garças brancas, paturis, vários tipos de marrecos e quero-queros em suas margens. Bem-te-vis, sabiás laranjeira, pica-paus amarelos e vermelhos, tico-ticos, bandos de papagaios e maritacas, assim como gambás (saruês), esquilos (serelepes), corujas, gaviões e carcarás, são comuns nas áreas adjacentes, “invadindo” as residências mais próximas. Mas são os peixes, para os aficionados em pescarias, que se resumem em grande diversidade. Completam a lista de parte dos habitantes dessa maravilha artificial que já faz parte da natureza, as espécies: lambaris do rabo amarelo e vermelho; lambari-guassú; tambiú; sagüirú; acarás do tipo comum e Mussoline (testudo); tilápias preta e do Nilo; guarú; canivete; charutinho; muçum; enguia; cascudo; traíra; piranha (pirambeba); bagres comum e africano; piava; tabarana; mandi-chorão; tuvira e carpas diversas, além do mexilhão, camarão de água doce e caranguejo.

FONTES:

MELANDER FILHO, Eduardo. Represa do Guarapiranga: maravilha artificial. Gazeta de Interlagos, São Paulo,25 set 2009 a 08 out 2009. História, p.2.
MELANDER FILHO, Eduardo. Represa do Guarapiranga: maravilha artificial. Gazeta de Interlagos, São Paulo, 25 set 2009 a 08 out 2009. Edição nº 140, p. 2. Disponível em: <http://www.gazetadeinterlagos.com.br/>. Acesso em: 04 out 2009