terça-feira, 21 de junho de 2011

Guerra Civil Espanhola: O papel da Galícia e galegos no conflito e no regime franquista

Francisco Franco e Hitler: uma aliança das mais terríveis.
Professor Eduardo Melander Filho

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Guerra Civil Espanhola é tema extremamente amplo e de vasta bibliografia. Muito se tem estudado a respeito e, provavelmente, muito ainda se estudará. É um assunto empolgante, seja pelas paixões políticas que envolvem ainda hoje sua interpretação, seja porque ainda as vozes que falam do conflito são, na maioria das vezes, a do vencedor.

Quando escutamos falar sobre a Galícia e os galegos então, as vozes são do preconceito baseado num discurso naturalizante. Temos urgência de uma leitura mais comprometida, senão com a neutralidade, com uma postura crítica e privada de misticismo sobre o assunto.

Os antecedentes da Guerra Civil remontam há séculos atrás, particularmente focados no século XIX, quando se desenvolveram as lutas entre liberais e os absolutistas refletidas nas disputas entre isabelistas e carlistas, ambas correntes oriundas da mesma rama Bourbon.

O conflito entre republicanos e a direita monarquista apoiada por uma Igreja de estrutura medieval, contra reformas sociais e a favor das elites agrárias, foi uma continuação encarniçada onde se confrontaram as grandes contradições seculares, tendo como pano de fundo as disputas pela posse das áreas de rapinagem do capital, condição essa necessária para o estabelecimento deste sistema baseado na exploração do homem pelo homem.

Nas páginas adiante, tentaremos escrever um pouco sobre essas questões. Particularmente, insistimos que a Guerra Civil Espanhola não foi a guerra da Galícia reacionária contra a Catalúnia revolucionária, por suposto, mas em última análise, a luta do trabalhador oprimido contra seu opressor. Foi uma luta de classes.

A II REPÚBLICA

A vitória dos republicanos e socialistas nas eleições municipais de 1931 fez com que Alfonso XIII abdicasse do trono por receio de uma guerra civil. Assumiu, em seguida, um governo provisório sob a presidência de Alcala Zamora com Azana como ministro da guerra. O cardeal Segura, autoridade religiosa mais importante da Espanha, abandonou o país logo após a proclamação da “liberdade religiosa”.

As eleições gerais realizadas em junho do mesmo ano foram vencidas por uma coalizão de republicanos de esquerda e socialistas. A Assembléia Constituinte que se instaurou no mesmo mês tomou importantes deliberações, dentre as quais: separação da Igreja e Estado; fim da Cia. de Jesus e a proibição do ensino pelas ordens religiosas. Não obstante, a Confederação Nacional dos Trabalhadores, central sindical controlada pelos anarco-sindicalistas, decretou a greve dos telefônicos. Os anarquistas começaram também a incendiar igrejas, sendo os piores inimigos do clero reacionário de então.

O projeto de Constituição ficou pronto em agosto e tinha como características principais: a definição da Espanha como República Democrática, laica, descentralizada, com câmara única; a participação nas eleições pela forma do sufrágio eleitoral. O artigo 3º garantia a separação da Igreja e Estado e o artigo 26º proibia as ordens religiosas de exercer o comércio, indústria e ensino. Alcala Zamora pediu demissão no mês de outubro, em conseqüência dos debates em torno do artigo 26º.

A nova Constituição foi aprovada em dezembro pelas Cortes. Novo governo também tomou posse, com Alcala Zamora como presidente do país e Manoel Azana como presidente do conselho de ministros, numa coalizão de socialistas e republicanos liberais. Os anarquistas, como sempre, ficaram à margem do processo eleitoral. Foi registrado o choque entre a Guarda Civil e os camponeses.

Novas leis laicas são decretadas em janeiro de 1932: divórcio; secularização dos cemitérios e expulsão dos jesuítas. Note-se que os cemitérios foram secularizados na França ainda na primeira metade do século XIX, assim como os registros civis e o ensino. Novamente aconteceu o choque entre a Guarda Civil e os trabalhadores na cidade de Arnedo.
O general Santurjo, chefe supremo da Guarda Civil, tentou dar um golpe de Estado em Sevilha no mês de agosto, sendo derrotado graças a uma greve geral que foi decretada em oposição à intentona.

No mês seguinte foi aprovado o Estatuto da Catalúnia, com a garantia da autonomia lingüística e administrativa, paridade do castelhano e catalão, controle compartilhado do ensino e controle local dos governos municipais, obras e ordem públicas. Foi aprovada também a lei de bases da reforma agrária, onde se garantia a desapropriação sem indenização das terras de senhorio e da Grandeza de Espanha. A reforma agrária, juntamente com as leis contra a Igreja, foram os principais motivos que geraram a guerra civil de 1936, mesmo que a reforma tenha sido barrada a partir de 1933, com a vitória da direita.

Após a matança de anarquistas em Casas Viejas no mês de janeiro de 1933, foram realizadas eleições municipais em abril, com os republicanos obtendo maioria e com significativo avanço da direita.

As eleições gerais de novembro foram vencidas pela direita. Uma das causas dessa vitória foi a não participação dos anarquistas, que chamaram a “greve pelo voto”, abrindo espaço dessa maneira ao avanço fascista. Lerroux do Partido Radical formou governo com apoio da CEDA de Gil Robles, da Renovação Espanhola, dos monarquistas de Calvo Sotelo e da Comunhão Tradicionalista. No mês anterior havia sido fundada a Falange por Primo de Rivera, antigo ditador que caiu juntamente com a monarquia em 1931. Como primeira medida, o novo governo suspendeu a reforma agrária.

O ano de 1934 começou com a CNT convocando uma greve geral em Zaragoça no mês de março, cidade essa que era sede da Federação Anarquista Internacional. Novo governo foi formado em abril em conseqüência da reação causada pela anistia concedida aos militares golpistas de 1932, tendo o general Santurjo como cabeça. Samper assumiu a presidência do Conselho de ministros.

Nova greve geral de camponeses foi convocada no mês de junho pela União Geral dos Trabalhadores (comunista) e CNT. Houve grande repressão, com a deportação de camponeses e detenção de deputados.

O governo Samper caiu no mês de outubro logo após Gil Robles exigir participação. O novo governo formado por Lerroux convocou três elementos da CEDA para compor o ministério. A reação republicana foi imediata. Socialistas chamaram a greve geral e Companys declarou a independência da Catalúnia, naquilo que ficou conhecido como “Revolução de Outubro”. A greve foi dominada em praticamente todo o território espanhol, a não ser em Astúrias, onde os anarquistas instauraram “Sovietes” por vários dias, controlando a região. A repressão foi violentíssima, empregando tropas do exército e da Legião Estrangeira.

Lerroux formou outro governo em março de 1935, com Gil Robles como Ministro da Guerra.

As cortes foram dissolvidas em janeiro de 1936 em função da crise instaurada a partir da demissão de Lerroux em outubro do ano anterior. Eleições gerais realizadas em fevereiro deram vitória à Frente Popular, uma coalizão antifascista formada por partidos de centro-esquerda e esquerda. Azana assumiu como presidente do Conselho de ministros. Importante papel exerceu os anarquistas nessas eleições, que decidiram votar na Frente Popular na esperança de barrar a direita e conseguir anistia para os seus militantes prisioneiros desde a Revolução de Outubro. O novo governo não só concedeu anistia a 30.000 revolucionários, como também retomou a reforma agrária e restabeleceu o “status” catalão.

Azana foi eleito Presidente da República em maio, chamando Casares Quiroga para formar novo governo.

No dia 18/07/1936 aconteceu o golpe de Estado contra os republicanos, com o levante da guarnição da cidade de Melila na África, após os assassinatos do tenente José Castillo da Guarda de Assalto e de Calvo Sotelo.


GUERRA CIVIL

A rebelião dos militares de extrema direita na Espanha deu resultado imediato praticamente nas áreas onde a direita ganhou as últimas eleições de 1936. As milícias armadas formadas por socialistas, comunistas e, principalmente, anarquistas, garantiram pela força os territórios onde a Frente Popular venceu. No geral, a direita venceu em regiões de economia agrária e atrasada e a esquerda venceu nas regiões mais industrializadas, onde havia um operariado organizado.

Logo no início, os focos de concentração nacionalista foram: Marrocos; Canárias; Baleares; o oeste da Espanha, incluindo a Galícia; Andaluzia; Sevilha; Cádis; Granada; Córdoba. Os focos iniciais de resistência republicana foram: Madri; Barcelona; Múrcia; Astúrias; Cantábria; País Basco e Catalúnia.
Posição das tropas em setembro de 1936
OPERAÇÕES MILITARES

Após a rebelião da guarnição de Melila, as tropas de Franco nas Canárias e de Gudeb nas Baleares aderiram ao movimento. Em seguida, Franco tomou o comando do exército do Marrocos. No continente europeu, Queipo de Llano dominou a situação em Sevilha. A rebelião teve sucesso também nas cidades de Pamplona, Oviedo e Zaragoça. Nesse mesmo mês de julho Giral formou um governo de “concentração nacional”.

Tropas marroquinas da Legião Estrangeira cruzaram o estreito de Gibraltar em agosto, sob o comando de Franco, após bombardeio da Marinha republicana por aviões alemães. O general Yague tomou Mérida, se dirigindo em seguida à Badajós, em confluência com tropas que vinham do sul. Caindo essa cidade, toda Extremadura foi ocupada pelos nacionais, unindo as tropas de norte e sul que se encontravam isolada uma da outra, formando fronteira com a totalidade de Portugal.

No mês seguinte, a Junta de Burgos nomeou Franco chefe de todas as forças nacionais revoltosas, depois da morte do General Santurjo num acidente aéreo, quando se transladava de Portugal. Mola, seguindo desde Navarra, tomou Irun. Caíram também San Sebastian, Toledo e Talavera de La Reina.

Os republicanos criaram o Exército Popular em outubro, iniciando a militarização das milícias, embora com resistência dos anarquistas. Começaram a chegar nesse período os primeiros quadros russos e as primeiras armas. Primeira linha de defesa de Madri sofreu rompimento, sendo ocupada a Cidade Universitária pelas tropas nacionais. O governo autorizou também a criação das Brigadas Internacionais.


BATALHA DE MADRI

Representantes da CNT anarquista entraram no governo Largo Caballero em novembro de 1936, que se transferiu à Valência pelo motivo da capital do país se encontrar ameaçada pelas tropas dos nacionais. Depois de formada uma “Junta de Defesa de Madri”, a ofensiva que sofria a cidade foi contida. Iniciou-se então a ofensiva de Jarana, onde tropas de voluntários italianos tomaram parte. Málaga foi tomada pelos italianos em fevereiro de 1937. As Brigadas Internacionais formadas por voluntários estrangeiros destruíram em março uma divisão blindada italiana em Guadalajara, aliviando o cerco de Madri.
As milícias armadas
OFENSIVA AO NORTE

Ao norte, tropas de italianos e nacionais penetraram em Vizcaya no mês de março, com a Legião Condor, formada por aviões bombardeiros Stukas cedidos juntamente com seus pilotos pela Alemanha Nazista, bombardeando Guernica e Durango em abril.

O governo Largo Caballero foi substituído em maio por outro comandado por Juan Negrin, que buscou apoio no Partido Comunista Espanhol e na URSS, que forneceu ajuda significativa, embora de pequena monta e insuficiente. Ao mesmo tempo, estourou uma pequena “guerra civil” entre as forças republicanas em Barcelona, motivada pela tentativa do governo em substituir as milícias por tropas regulares controladas por quadros comunistas. Tropas do governo e militantes comunistas enfrentaram em combate as milícias anarquistas e trotskistas. A repressão subseqüente foi violenta, principalmente por parte dos comunistas. Grande quantidade de milicianos foram fusilados, principalmente os militantes trotskistas do Partido Operário Unificado Marxista, o POUM, acusados injustamente de serem um braço do fascismo. A repressão foi uma extensão do que acontecia na própria URSS, onde ocorriam os “Grandes Processos” contra membros do partido. Lá, a cúpula da “oposição de esquerda” já havia sido executada em 1936. O próprio Trotsky seria assassinado no México em 1940 a mando de Stalin.

A fim de barrar o avanço dos nacionais, os republicanos iniciaram em julho a Ofensiva de Brunete e em agosto a Ofensiva de Belchite, usando como estratégia o uso de forças regulares em combates convencionais, desprezando a utilização dos guerrilheiros anarquistas, tendo como conseqüência grande perda de equipamentos e homens. Na verdade o que estava em jogo no lado republicano eram duas concepções estratégicas: ganhar primeiramente a guerra e fazer depois a revolução ou fazer a guerra combinada com a revolução. Obviamente o governo da Frente Popular não estava interessado numa revolução, mas sim numa reforma, no máximo. Os próprios partidos comunistas, seguindo a orientação do VII Congresso da Internacional Comunista – III Internacional – realizado em 1935, tinham como linha de atuação a aliança com partidos liberais em frentes populares a fim de combater o avanço fascista e nazista. O binômio “reforma” ou “revolução” foi um dos grandes causadores da derrota republicana.
Posição das tropas em outubro de 1937
Bilbao caiu em junho, Santander em agosto e Gijón em outubro, desaparecendo assim a Frente Norte, agora ocupada pelos nacionais. O governo se transladou à Barcelona em outubro. A ofensiva de Teruel pelos nacionais teve início em dezembro, tendo como objetivo cortar em dois a Espanha mediterrânea, isolando a Catalunia do resto do país.

Teruel caiu em fevereiro de 1938, juntamente com Viñaroz. Ainda nesse mês, o general Yague dos nacionais conquistou Lérida e outras tropas chegaram ao Mediterrâneo, isolando a Catalúnia. Castellón caiu no mês de junho em conseqüência da Ofensiva Nacional do Levante.


CONQUISTA DA CATALÚNIA

Os republicanos iniciaram em julho de 1938 a Ofensiva do Ebro. Sete divisões atravessaram o rio do mesmo nome, atacando as forças dos nacionais. As Brigadas Internacionais foram dissolvidas em setembro, numa tentativa sem resultado de atrair o apoio da França e da Inglaterra. Seus integrantes foram enviados para a França e alocados em campos de concentração. Muitos deles foram posteriormente enviados para a morte depois da ocupação alemã, principalmente os de origem germânica ou dos países ocupados. Não devemos nos esquecer que o contingente de comunistas alemães foi, depois do francês, o maior a compor as Brigadas.

A Ofensiva do Ebro terminou em novembro com a retirada republicana, depois de cerca de 70.000 baixas.
Posição das tropas em novembro de 1938
Os nacionais então iniciaram a Ofensiva Nacional da Catalúnia em dezembro, caindo Tarragona logo em seguida. Barcelona caiu janeiro de 1939 juntamente com Réus. Toda a Catalúnia caiu em fevereiro.

No dia 1 de abril de 1939 terminou a guerra. Antes, numa tentativa frustrada conseguir negociação com os nacionais, o Cel. Casado deu um golpe de Estado em Madri, sem resultados conseqüentes. As últimas cidades que se renderam aos nacionais foram Madri, Valência, Alicante e Múrcia.

A Guerra Civil espanhola foi, num certo sentido, um teatro de ensaio para a II Guerra Mundial que já despontava na Europa. O confronto envolveu, de um lado, comunistas, anarquistas, trotskistas, o governo liberal-democrático e os nacionalistas do País Basco, Catalúnia e Galícia, e de outro, monarquistas, falangistas, a extrema direita militar e a Igreja Católica. Os republicanos receberam apoio da URSS e de militantes de todo o mundo que compuseram as Brigadas Internacionais. Os nacionais receberam ajuda da Alemanha Nazista, da Itália fascista, de Portugal de Salazar que mandou a Legião Viriato, dos Camisas Azuis da Irlanda e o apoio de Pio XI.


O PAPEL DA GALÍCIA

O historiador John Patrick Thompson levanta algumas questões sobre a participação da Galícia na Guerra Civil. Basicamente são duas as que nos interessam.

A primeira é sobre o papel da Galícia e do possível alinhamento com os nacionais de Franco, refletido até recentemente pelo mandato prolongado de Manuel Fraga Iribarne, notório franquista que sempre se alardeou dessa condição, que foi eleito pelo voto popular como Presidente da Xunta de Galícia entre 1990 e 2005. Manuel Fraga escreveu o epílogo do livro “La mentira histórica” (1994), que nega o Holocausto e o genocídio da Espanha nas Américas.

A segunda é sobre a exumação de valas onde foram enterrados as vítimas do regime e os efeitos na memória coletiva causados por esses descobrimentos recentes. Nesse sentido, a Constituição de 1978 selou um “Pacto de Esquecimento”.

É paradoxal que a Galícia tenha exercido papel fundamental na defesa da democracia durante a II República e, logo em seguida, jogado também papel fundamental na vitória de Franco. Eminentes figuras políticas eram nascidas na Galícia: Castelao, um dos fundadores do Partido Galeguista e o principal idealizador do Estatuto de Autonomia; Santiago Casares Quiroga, membro da Izquierda Republicana; Portela Valladares, membro do centrismo; Calvo Sotelo, da Renovação Espanhola e o próprio Franco, que era de Ferrol.

A Galícia caiu nos cinco primeiros dias do levante nacional. Considerada “despensa y criadero”, forneceu comida e soldados às tropas falangistas. No entanto, durante o regime franquista, teve 5.000 dos seus assassinados pelos adidos do regime. Pelo fato de não ter havido batalhas em seu território, tornou-se praticamente invisível. A Galícia foi uma verdadeira ratoeira pelo seu isolamento geopolítico. Não havia lugar para onde se fugir, pois todos os limites do território davam para o mar, para a retaguarda dos nacionais ou para Portugal de Salazar, aliado de Franco.

A vitória imediata dos nacionais em território Galego e a repressão subseqüente deixaram cicatrizes profundas até hoje na memória coletiva e nas atitudes que tem o galego hoje na política, muito tendente à direita representada pelo Partido Popular, nicho passado e presente do antigo regime.

O estigma secular da Galícia como passiva e domável virou esteriótipo alimentado pelo franquismo, pecha existente até os dias presentes. M. Marino teve a audácia de dizer que:

“um dos maiores méritos da Galícia foi a naturalidade com que somou ao movimento”.

Essa percepção se mantém hoje ainda na memória coletiva. No entanto, a Frente Popular ganhou as eleições em 1936 na Galícia e dois terços dos votantes optaram pelo Estatuto da Autonomia, um mês antes do levante dos nacionais.

A população, principalmente a rural, ainda tem medo de falar sobre a guerra ou de denunciar os crimes passados.

Porém, essa situação começa a se dissipar após 30 anos de “democracia” baseada num “Pacto de Esquecimento” garantido pela Constituição de 1978. Esse “espírito de conciliação” se traduz na seguinte frase publicada por um periódico da Galícia:

“El espíritu de reconciliación y concordia, y de respeto al pluralismo y a la
defensa pacífica de todas las ideas, que guió la Transición, nos permitió
dotarnos de una Constitución, la de 1978, que tradujo jurídicamente esa
voluntad de reencuentro de los españoles articulando un Estado social y
democrático de derecho con clara vocación integradora”.

Essa situação começou a mudar a partir da promulgação da Lei de Memória Histórica e do descobrimento de valas onde foram enterrados os assassinados pelo regime franquista, durante e depois da Guerra Civil. Estimam-se em 30.000 os corpos ainda não identificados.

Por outro lado, O PSOE só recentemente demonstrou interesse nessa questão. Desnecessário dizer que o PP não foi e nem tem sido nada receptivo no assunto. Jornais como El Pais e La Voz de Galícia têm dado cobertura aos eventos. Os jornais de direita, no entanto, como ABC, El Mundo e El Correo Gallego, quase nada tem publicado a respeito.

O pacto do esquecimento se traduz numa verdadeira “amnésia histórica” e foi desenhado para suprimir a memória da guerra e dos crimes do regime. A esquerda ao aceitar a igualdade de culpa pelos acontecimentos durante a guerra, admitiu a co-responsabilidade por ela, ficando implícito o esquecimento também da II República. Por isso mesmo o papel democrático exercido pela Galícia durante aquele período, através da Izquierda Republicana e do Partido Galeguista, também caíram no esquecimento.

Devemos também destacar o papel importante que a guerrilha teve na resistência ao regime que se instaurou após o término da Guerra Civil. Idêntico destaque à resistência política clandestina dentro e fora do país, em especial à figura carismática de Castelao e Boveda.
Guerrilheiros da Galícia e Leon
A GUERRILHA GALEGA

A guerrilha foi uma das formas de resistência utilizada para combater o regime. Sabemos que ela passou a existir desde o início da Guerra Civil. A partir de 1940, quando havia alta repressão com fuzilamentos e “passeios”, ela aparece mais claramente de forma sempre crescente até 1956. Depois dessa data, começa a decrescer de intensidade.

Documentos acusam a criação da “Federación de Guerrillas de Leon-Galicia” em 1946, quando o guerrilheiro anarquista Abelardo Gutiérrez Alba se juntou a Xosé Castro Veiga, o famoso Piloto.

Guerrilheiros famosos construíram a mítica de toda essa época: Loucelas, fuzilado em 1951; Piloto, morto em 1965 e Curuxas, morto em 1967 no último episódio da guerrilha.

Mais de 10.000 pessoas foram presas ou mortas em episódios relacionados com a guerrilha na Galícia, muitos pelo método do passeio noturno, fuzilamento e enterro em valas comuns clandestinas. No total, somando passeios, execuções por Conselhos de Guerra, fuzilamentos sumários de prisioneiros de guerra e confrontos com a guerrilha, causaram 197.000 mortes na Galícia e mais 200.000 fugitivos exilados no exterior. Existiram vários campos de concentração onde os prisioneiros trabalhavam em regime de escravidão: Lubián; Barvacolla em Santiago de Compostela e Ilha de São Simão em Vigo.

Diferentemente de outras regiões, na Galícia são encontrados poucos corpos nas valas localizadas, numa média de cinco por local, enquanto que em outras regiões chegam a 40. Há também grande dispersão de locais de enterramento, que ficam distantes entre si.

Os mortos durante a Guerra Civil na Espanha ultrapassaram os 400.000. Os mortos durante o regime de Franco no país ultrapassaram os 2.000.000.
Estátua de Alexandre Boveda
ALEXANDRE BOVEDA IGLESIAS E ALFONSO DANIEL RODRIGUES CASTELAO

Alexandre Boveda nasceu em 07/06/1903 em Ourense e faleceu em 17/08/36 em Monte de Caiera.

Intelectual e funcionário público de carreira por diversos concursos públicos foi também deputado pelo Partido Galeguista.

“Motor do Partido Galeguista”, segundo palavras do próprio Castelao, foi fuzilado logo nos primeiros dias da rebelião, após ser julgado por um Conselho de Guerra inimigo. É um dos heróis da Galícia atual, juntamente com Castelao.
Castelao
Alfonso Castelao nasceu em 30/01/1886 em Rianxo e morreu em 27/01/1950 em Bos Aires (Buenos Aires da Argentina).

Considerado o pai do nacionalismo galego, foi médico, caricaturista, escritor, desenhista, pintor, teórico da arte, político e novelista.

Morou na Argentina entre 1895 e 1900.

Foi eleito deputado na II República em 1931, como Galeguista independente. Nesse mesmo ano, participou ativamente da constituição do Partido Galeguista.

Candidato novamente pela Frente Popular foi eleito deputado em 1936, quando apresentou o Estatuto de Autonomia da Galícia, aprovado em plebiscito. A rebelião estourou quando estava em Madri entregando os Estatutos aprovados às Cortes. Organizou então as Milícias Galegas juntamente com o Partido Comunista da Espanha. Transferiu-se juntamente com o governo da Republica para Valência e depois Barcelona.

Realizou uma viagem em 1938 para a URSS e outra para New York, quando organizou a Frente Popular Antifascista Galega. Radicou-se em seguida em Bos Aires.

Após o final da II Guerra Mundial, se transladou para Paris, onde assumiu a pasta de Ministro Sem Carteira do governo Republicano Espanhol no exílio, entre 1946 e 1947.

Castelao é um mito ainda hoje e o cidadão mais ilustre da Galícia recente. Adotou a definição de Stalin de nação, segundo a qual:

“Nación é unha comunidade estáble, historicamente formada de idioma, de território, de vida econômica e de hábitos psicolóxicos reflexados nunha comunidade de cultura. Somentes a eisistência de tódolos signos distintivos, em conxunto, pode formar a nación”.


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