segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

UM OLHAR SOBRE ANGOLA: Contexto histórico pós guerra civil

Crianças soldado africanas



Professor Eduardo Melander Filho (1)

INDICADORES GERAIS

Angola é uma ex-colônia portuguesa situada na porção sul-ocidental da África, que mantém limites territoriais com  a Namíbia, Zâmbia, Congo (ex Zaire), República Popular do Congo (Brazzaville) e o Oceano Atlântico.  Organiza-se administrativamente em 18 províncias, 163 municípios e 475 comunas, que são equivalentes aos nossos distritos.  Tem como língua oficial o português, que é falado por 70% da população, mas existem mais ou menos outros 100 grupos etnolinguísticos.  As principais línguas nacionais são: o umbundu; o kimbundu; o kikongo; o fiote; o tchokwe; o n’ganguela; o nyaneka e o kwanyama.  Sua população é de 13.900.000 habitantes, segundo estimativas da ONU de 2002, cuja grande maioria é ligada a grupos de origem lingüística bantú, destacando-se dentre eles: os ovimbungos falantes do umbundu, que são de 36% a 37% da população total; os kimbungos, que são de 20% a 25% e os bankongos falantes do kikongo, que são de 13% a 15% da população, segundo diferentes fontes.  Indicadores econômicos otimistas apontam uma taxa de crescimento demográfico de 2,8%, com esperança de vida à nascença de 45 anos para os homens e 48 anos para as mulheres.  Mesmos indicadores acusam uma população economicamente ativa de 53% e a taxa de mortalidade infantil de 20,2/1000.  No entanto, indicadores demográficos oficiais , segundo as estimativas de 2002, inferem uma taxa de mortalidade infantil de 191/1000 e expectativa de vida de 37,62 anos para os homens e 40,18 anos para as mulheres.  Estimativas de 1998 indicam que 42% da população acima de 15 anos é alfabetizada, de acordo com as mesmas fontes oficiais.

Luanda, capital do país, que ficou conhecida na segunda metade do século XIX como a “Paris da África”, é uma cidade cercada por grandes bairros populares, os “musseques”, que se desenvolveram em torno da  cidade projetada inicialmente para 600.000 habitantes.  Os bairros, que por volta de 1962 eram habitados por trabalhadores oriundos do interior do país, tiveram a partir do início da guerra civil em 1975 um crescimento desordenado, causado pela fuga da população interiorana em direção à cidade onde havia mais segurança, se agrupando nesses espaços segundo sua origem e cultura.  Como resultado do aumento populacional decorrente da guerra, Luanda possuí hoje por volta 4.500.000 de habitantes.

A HISTÓRIA

A história de Angola é rica e muito antiga.  Foram encontrados instrumentos feitos de pedra há milhares de anos, assim como as pinturas rupestres do deserto do Namibe, atribuídos segundo alguns aos antepassados dos Khoisan.  O território que hoje constitui o país era habitado pelos bosquímanos e mukuankalas até 5.000 anos atrás.

A partir desta data outros povos começaram a ocupar a região, em migrações que ocorreram por transformações climáticas causadas pelos movimentos glaciais que aconteceram entre os VIII e III milênios aC, cuja maior conseqüência para o continente foi o surgimento do deserto do Saara.  Foi nesse contexto que surgiu o movimento migratório dos povos bantús da África central em direção ao leste e ao sul, que se intensificou nos últimos séculos.  Eram povos que já dominavam a tecnologia de fabricação do ferro, assim como eram possuidores de técnicas agrícolas avançadas.

A expansão dos bantús em Angola se deu em várias levas de ocupação, disputando os territórios com os povos já instalados e também entre os grupos desse mesmo tronco lingüístico.  Historicamente, temos o registro de várias delas.  No século XIII dC., os kikongos ocuparam o nordeste.  No século XVI dC, os nyanekas migraram do sul em direção à Huíla e em 1568 os jagas penetraram pelo norte em combate aos kikongos.  No século XVII dC, os nyangelas dos Grandes Lagos se dirigiram ao Cuneme.  No século XVIII dC. os ovambos do baixo Cubango se transferiram ao Alto Cubango e Cuneme e os kyokos da Katanga ao sul de Angola.  No século XIX dC. houve a imigração dos cuangares ou ovakwangali do Orange em 1840, conseqüência das lutas com os boers que estavam fundando uma república “branca” naquela região.

Os europeus começaram a penetrar a partir de 1484, ano em que Diogo Cão chegou à foz do Rio Zaire, mantendo contato com o Reino do Congo, um dos muitos reinos bantús da região.  Dois deles, o Reino de Ndongo e Reino de Matamba, se fundiram em 1559 e formaram o Reino de Angola.

Os portugueses fizeram uma série de ocupações no litoral angolano durante o século XVI dC, fundando inclusive a cidade de São Paulo de Assumpção de Luanda no ano de 1576, que serviu como a principal base de fornecimento de escravos ao Brasil até o século XIX dC, integrando-se no sistema econômico chamado por Fernando Novaes de comércio triangular Portugal-Brasil-África (2).

Os Países Baixos ocuparam algumas cidades costeiras, dentre elas Luanda, entre os anos de 1641 e 1648, período em que Portugal lutava pela independência contra a Espanha e mantinha com os batavos uma trégua de 10 anos.  Com o tráfico de escravos interrompido, comerciantes do Rio de Janeiro financiaram por conta própria uma expedição para expulsar os invasores composta por 12 navios e 1200 homens de armas, incluindo guerreiros flecheiros tupi.  Seu comandante, Salvador Correia da Sá, era governador do Rio de Janeiro e membro da família de Men e Estácio de Sá.  Foi o primeiro de uma série de governadores  de Angola procedentes do Brasil colônia.  Somente na segunda metade do século XVIII dC. é que o Marquês de Pombal reinstaurou o vínculo dos novos governadores diretamente com Lisboa.

Os laços econômico-culturais estabelecidos entre o Brasil e Angola permaneceram fortes até o final da primeira metade do século XIX dC.  Com a independência do Brasil em 1822, houve muitas propostas no sentido de Angola permanecer “brasileira” como província, desvinculada das Cortes de Lisboa.  A proposição só não foi levada a cabo em função do Tratado anglo-brasileiro de 1826, que previa o fim do tráfico negreiro a partir de 1830, embora continuasse sendo feito clandestinamente até 1850, quando de fato foi extinto.  A partir desta data, os vínculos entre os dois povos se arrefeceram.

O Congresso de Berlim de 1869 impulsionou a expansão européia para o interior da África.  Portugal, que até aquele momento havia se preocupado apenas com o litoral, foi forçado a acompanhar o resto das nações.  Importante ressaltar que muitos dos povos do interior de Angola jamais foram conquistados pelos portugueses.

A necessidade nova de se explorar economicamente a “província de ultramar” se iniciou em 1910 com a mineração de diamantes.  A agricultura se desenvolveu a partir de 1930 em grandes plantações de café, sisal, cana de açúcar e milho.   Durante e depois da II guerra mundial houve um aumento do número de imigrantes portugueses.

A guerra colonial que se desenrolou a partir de 1961 devastou o país.  A Revolução dos Cravos em Portugal de 1974 abriu as possibilidades para a assinatura em janeiro de 1975 dos Acordos de Alvor, que estabeleceu um governo de transição com os três principais movimentos de libertação e os portugueses até a independência, com a data marcada de 11/11/1975.  Não se evitou, contudo, a guerra civil aberta entre os grupos guerrilheiros pelo controle da capital Luanda, muito antes da retirada definitiva do exército português.

A GUERRA CÍVIL 

A guerra civil em Angola teve como protagonistas os três maiores grupos políticos armados: o MPLA; a UNITA e a FNLA.

O MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola – foi apoiado pela extinta URSS e por Cuba, sendo que este último interviu diretamente no conflito.  Manteve o controle de Luanda, Lobito e Benguela.  Apoiava-se no grupo étnico kimbundo, que foi o que mais assimilou a influência européia.  Muitos deles hoje falam apenas o português, não sabendo mais a sua língua materna.  Apesar disso, o MPLA não assumiu uma prática tribal ou racista.

As figuras de maior destaque dessa agremiação foram: Agostinho Neto, médico pela Universidade de Lisboa, que foi Presidente de Angola de 1975 a 1979 e José Eduardo dos Santos, engenheiro de petróleo que sucedeu a Agostinho Neto após seu falecimento, sendo ainda o atual Presidente.

A UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola – teve respaldo da África do Sul e dos EUA, que através da CIA apoiaram este movimento até 1993.  Identificava-se com os Ovimbundos.  Manteve a guerra ao governo do MPLA até 2002.

A figura emblemática desse grupo armado foi Jonas Savimbi.  A paz só foi possível de se estabelecer após sua morte em uma emboscada, por mercenários e membros das FAA - Forças Armadas de Angola.

A FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola – obteve apoio do Zaire, China, África do Sul, EUA através da CIA e de mercenários portugueses e ingleses.  Associado aos bankongos, era um grupo regionalista e racista.  Realizou ataques a fazendas de café no norte do país em 1961, massacrando os fazendeiros brancos e seus empregados negros de outras etnias.  Movimentos similares como a UPNA e a UPA foram absorvidos pela FNLA.

O maior destaque deste grupo foi Holdem Roberto, que era cunhado de Mobuto do Zaire.  Nos anos 1980 refugiou-se em Paris. Curiosamente foi condecorado como Herói Nacional da Libertação em 2005, quando retornou de seu exílio.

Diferentes concepções de construção da nacionalidade se alinharam junto aos diferentes grupos em conflito, assim como os diferentes agrupamentos etnolinguísticos.  Negros, mestiços e brancos também se dividiram nessa luta que assumiu conotações também raciais.  Ao mesmo tempo foi uma luta política em que os diversos movimentos se identificaram com as grandes potências em conflito na guerra fria, adotando suas concepções econômicas e ideológicas.

A guerra aberta se iniciou quando em 14/10/1975 a Coluna Zulu da África do Sul invadiu o território angolano e se dirigiu em direção a Luanda com o objetivo de controlá-la.  Quase que ao mesmo tempo, A FNLA e soldados regulares do Congo de Mobuto avançaram do norte em direção também a capital.  Com a chegada dos Cubanos a pedido de Agostinho Neto, imediatamente se dirigiram à frente de combate, derrotando os sul africanos em Quifangondo em 10/11/1975, um dia antes da independência.  A FNLA e os soldados do Congo foram também barrados a poucos quilômetros de Luanda.  Em 11/11/1975 o MPLA declarou a independência, sendo reconhecido como governo legítimo pela ONU e a maioria dos países.  A UNITA e a FNLA também fizeram suas declarações de independência em outras cidades.

A tentativa de golpe de estado de Mito Alves em 1977, que surgiu dentro das fileiras do próprio MPLA, se transformou numa verdadeira carnificina.  No final do mesmo ano foi realizado o I Congresso do MPLA, onde a organização se definiu pelo “Marxismo-Leninismo”. 

A África do Sul invadiu novamente o país em 1981, dirigindo-se ao Cuneme para ajudar a UNITA, sob o pretexto de desalojar membros da SWAPO, movimento de libertação da Namíbia.  Após a derrota definitiva dos sul africanos em Cuanavale em 1988 (3), foi assinado um acordo entre Angola, Cuba e África do Sul, onde se decidiu pela independência da Namíbia e a retirada dos cubanos, que deixaram no país notável influência cultural, perceptível na música até os dias de hoje.

Depois da queda do muro de Berlim em 1989, surgiram mudanças na política.  Os Acordos de Bicesse estabelecendo o fim da guerra civil e eleições foram assinados em 1991 pelos beligerantes, Portugal, EUA, URSS e ONU.  O próprio MPLA abandonou em 1992 o Marxismo-Leninismo, adotando a economia de mercado.  No entanto, a UNITA não reconheceu os resultados das eleições de 1992, que deu vitória a José Eduardo dos Santos, reiniciando o conflito.

Nova oportunidade de entendimento surgiu com os Protocolos de Paz de Luzaka, em 1994.  A UNITA, porém, aproveitou o período de trégua para adquirir armamentos nos anos de 1996 e 1997, rompendo o acordo firmado entre as facções.  Novamente a guerra aberta recomeçou em 1998 com toda a sua violência.

Finalmente a paz é assinada em 04/04/2002, depois da morte de Jonas Savimbi em uma emboscada ocorrida duas semanas antes. Somente assim a paz foi possível.

PROBLEMAS ATUAIS

 Os acordos conhecidos como  “A Paz de Luena” se basearam na premissa de que a “paz negativa é preferível à ausência de paz”.  A lógica militar que prevaleceu durante a guerra trouxe dificuldades na implantação de um autêntico processo democrático.  Assim, membros das facções inimigas ao governo do MPLA passaram a integrar o governo. Foi também oferecida ajuda aos ex-combatentes inimigos através das “DDR” – Desmobilização, Desarmamento e Reintegração.

O regresso dos combatentes desmobilizados às suas antigas localidades nem sempre se deu de maneira tranqüila, fazendo com que aumentasse as possibilidades de conflitos nesses locais.  Grupos de defesa civil, mobilizados durante a guerra para a defesa da capital não receberam esses benefícios, pois não foram considerados combatentes como os da UNITA.  A anistia geral concedida no final do conflito, apenas agravou o grande sentimento de injustiça sentido pelos milhares de vítimas dos massacres que ocorreram.

Paradoxalmente, as “crianças soldado” não receberam nenhum tipo de ajuda, pois não foram consideradas combatentes, pela idade.  O recrutamento de crianças, prática comum em todo o mundo, ainda hoje é utilizado porque acreditam que as crianças são mais obedientes, fáceis de controlar, possuem mais energia e não têm medo de perder a vida.  Grande parte delas foi raptada nas ruas e vilas, muitas vezes arrancadas de seus pais que tiveram de ceder diante das ameaças.  Embora em Angola elas não tenham entrado nos programas de reintegração, algumas foram adotadas temporariamente, quando confinadas em “campos”.  Fora deles, as crianças se perderam no “sistema”.  Grande parte das crianças de rua o é em conseqüência direta ou indireta da guerra, que separou famílias e localidades inteiras.

As estatísticas da guerra também não são nada alentadoras: de 500.000 a 1.000.000 de pessoas mortas (150.000 pelas minas); 4.000.000 de armas não recolhidas; 10.000.000 de minas explosivas terrestres (estimativas da ONU de 2006) e centenas de milhares de vítimas.  Angola possui a maior taxa per capita de amputações do mundo.

Antigas contradições ainda não foram superadas completamente. O “Paradoxo Angolano”, segundo o qual o estabelecimento do partido único e do socialismo como meta se oporia a exploração do petróleo por empresas norte americanas, foi superado parcialmente, segundo alguns, com a adoção do pluripartidarismo e da economia de mercado.  A persistência de uma economia baseada na indústria extrativista em detrimento de uma política desenvolvimentista é outro dos problemas crônicos, assim como o desemprego atual em oposição à mobilização de trabalhadores nas plantações pelos colonialistas portugueses.

Muitos são os desafios.  A opção por um projeto de nação pluriracial e multiétnica e pela adoção do conceito de “nacionalismo territorial”, foi no sentido de combater o regionalismo e o racismo, considerados ameaças à unidade nacional.   Porém, não é de tarefa fácil conciliar coisas aparentemente opostas: unidade nacional com diversidade étnica; sociedade tradicional com sociedade ocidental moderna; descendência pela linha uterina, poligamia, circuncisão e excisão clitoriana por amputação (que é proibida) da cultura bantú com descendência pela linha paterna, monogamia e outras características da cultura judaico-cristã ocidental; a formação da solidariedade socialista em torno do conceito de “Homem Novo” com a política de inclusão social do conceito de “cidadania” ligado à globalização; dentre outras.
   
Angola é hoje um país onde se vê veículos sofisticados circulando pelas ruas e muitas residências luxuosas, pelo menos em seu interior.  Os filhos de algumas famílias estudam na Europa ou África do Sul.  Há mesmo uma elite emergente que detém um grande poderio econômico.  Ao mesmo tempo a imensa maioria da população vive na miséria, desempregada, sem educação, sem acesso à saúde, recebendo salários irrisórios.  Os serviços públicos oferecidos nas áreas da educação, saneamento e saúde, são de baixa qualidade.  Os benefícios gerados pela exportação do petróleo não chegam a todos.

É um país onde os conflitos étnicos, raciais, políticos e sociais ainda existem em sua potencialidade.

NOTAS DE RODAPÉ

1-      Este texto foi escrito no ano de 2007 e seria um dos capítulos de um livro sobre a intervenção de um grupo da Foccus – Núcleo de Psicologia Aplicada em Angola que o Professor Mestre Othon Vieira Neto e a Professora Doutora Cláudia Sodré Vieira pretendiam organizar. Este autor pertencia a este grupo de intervenção, cujo projeto era o de trabalhar na reintegração social de crianças de rua em Luanda, parte delas ex combatentes dos diversos grupos armados que intervieram na guerra civil angolana, nos centros recém construídos pelo governo de abrigo e ensino formal e profissional. O projeto, que não saiu do papel por falta de liberação de verba por parte do governo de Angola, envolvia atendimento direto das crianças nas ruas e nestes centros, além de utilizar professores brasileiros para a formação de profissionais qualificados, na recuperação de técnicas que se perderam durante a guerra civil. Posteriormente se apresentaram novos projetos de reintegração social de ex combatentes adultos nas cidades de Lobito, Benguela e Huambo, ainda no aguardo de aprovação.
2-      O Professor Livre Docente Fernando Antônio Novaes foi catedrático da Universidade de São Paulo e da Unicamp. É dele a tese do “comércio triangular entre Portugal, Brasil e África”, segundo o qual havia toda uma circulação comercial onde escravos eram adquiridos na África em troca de escambo e trocados no Brasil por açúcar que era encaminhado à metrópole e, em seguida, para a Holanda onde era beneficiado e distribuído no resto da Europa.
3-      Os cubanos e o MPLA que enfrentaram e venceram os sul africanos e a UNITA em Cuanavale foram comandados pelo General Arnaldo Ochoa Sanchez, que após a vitória, segundo consta, recusou a orientação de Fidel Castro de continuar a ofensiva em direção a Johanesburgo e Pretória a fim de tomar aquelas cidades, o que causaria a queda do regime sul africano. Essa “recusa” por uma solução militar, optando por uma solução negociada e a conseqüente retirada das tropas cubanas de Angola teria causado a “desgraça” do general Ochoa que foi condenado à morte por tráfico de drogas e executado por fuzilamento em 1989. 

BIBLIOGRAFIA


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CUTRUFELLI, Maria Rosa. Mama África: Stori di donne e di utopie. Milano: Giangiacomo Feltrinelli Editore, 1993.

JIKA. Reflexões sobre a Luta de Libertação Nacional. Lisboa: Edições 70, 1979.

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MILHEIROS, Mário. A família tribal. Luanda: Imp. Nacional de Angola, 1960.

_________________. Etnografia angolana. Luanda: Inst. de Invest. Científica de Angola, 1967.

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SERRANO, Carlos Moreira Henriques.  Angola: nasce uma nação – um estudo sobre a construção da identidade nacional.  São Paulo, 1988.  352p.  Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

sábado, 14 de janeiro de 2012

A Era Vargas



Professor Eduardo Melander Filho

APRESENTAÇÃO

Procuramos trabalhar na temática “Era Vargas” porque lá estão as principais questões do Brasil contemporâneo, cujas respostas elucidariam até às do presente.

Neste escrito, selecionamos alguns textos de diversos historiadores que discutem aspectos gerais do período: desde os antecedentes da Revolução de 1930 até o final do Estado Novo em 1945. São interpretações consagradas dentro da historiografia.

O professor Boris Fausto, de quem fomos aluno entre 1976 e 1978, já na época era bem conhecido por suas posições conservadoras, embora reconhecido como um intelectual de esquerda. Ele nega a luta de classes no período em questão, na justificativa de que ela só poderia existir como agente histórico se houvesse alguma manifestação organizada. Ora, a “condição” histórica não pode estar submetida à “realização” histórica, até porque essa realização, caso se efetivasse, seria a própria revolução proletária. Aliás, segundo ele, nenhuma classe social estava organizada. Em suma, ele trabalha na idéia da “organização de classe” como passível de ser locomotora ou não da história e não da “luta de classes” em si como locomotora potencial ou efetiva.

Zélia Lopes da Silva contradiz esse pensamento: “Para Zélia, a bibliografia que vê a gestão da Nação como uma imposição do Estado à burguesia e aos trabalhadores, parte do entendimento de que a burguesia, tal qual o operariado, é pensada como frágil e desorganizada, incapaz de formular um projeto político, donde a gestão do Estado só pode ter ocorrido à revelia”.

Os textos, no conjunto, tratam de algumas questões que consideramos fundamentais em termos de discussão, mesmo que estejam respondidas mais ou menos por acontecimentos e articulações recentes, em termos históricos.

O primeiro desses temas tratados é a questão da nação sujeito ou objeto. Para nós é uma discussão, que embora distinta, não responde à questão básica que procuramos em termos de conceito histórico: o da luta de classes como locomotora da história e das transformações sociais. Portanto, a idéia de que o Estado ou a Nação possam ter uma identidade quase que “humana” e que, ao contrário de uma classe social, tenham dinâmicas próprias, independentes e determinantes no processo histórico como um todo, para nós é uma conclusão muitíssimo questionável.

O segundo tema recidivamente tratado é o do liberalismo versus autoritarismo político. É um tema recorrente que se baseia em afirmações de que o comunismo e o fascismo são “farinha do mesmo saco”, ou seja, regimes autoritários. Tirando Hannah Arendt, que tem uma interpretação própria do autoritarismo e que é dirigida ao fascismo, outras, em geral, partem de uma noção ideológica da realidade, segundo a qual os conflitos se dão ao nível político e não econômico. Nessa visão, que nega a luta de classes, a redução “democracia x autoritarismo” vem em oposição ao “capitalismo x socialismo”. São linguagens distintas.

O terceiro tema, que não iremos aprofundar, embora não esteja sequer no início da superação discursiva, é o tema do racismo enquanto ideologia arraigada em termos nacionais. No entanto, os autores dos textos apontam, de maneira bem clara, as relações entre o fascismo e o racismo. Juntamente a esse tema, as questões da inspiração do regime brasileiro no fascismo italiano, assim como a do papel da Igreja Católica no apoio ao Varguismo, sob influência da Concordata do Vaticano com o regime fascista de Mussolini em 1929, que preservou propriedades religiosas e a representação territorial em troca da não participação política de católicos e a desarticulação de partidos políticos e movimentos sociais ligados à Igreja, ficaram também evidentes.

Há um quarto tema muito abordado pelos autores, que é o conceito de nação (povo).

Enfim, nosso trabalho possui três partes: esta Apresentação; os Textos Referência e os Comentários Finais.

Obviamente, independente do tema, este é um trabalho comprometido com a nossa maneira de viver e com os ideais pelos quais temos vivido.

Os descaminhos de nossos pseudos dirigentes, alguns que se apresentaram como verdadeiros gigantes, mas que hoje se revelam em suas reais dimensões, anões que são, embora nos tirem parte da esperança num mundo futuro muitíssimo melhor, não nos condenam completamente ao esquecimento ou inatividade.

A história não se repete. Nem tampouco acabou ou acabará.

Aqueles que desejam repetir a história, naquilo que Marx escreveu em “O Dezoito de Brumário de Luiz Napoleão”, que façam e engulam sua farsa.

O problema maior é que no Brasil os acontecimentos vêm se transformando cada vez mais, assustadoramente, de farsa numa uma gigantesca tragédia histórica.

TEXTOS REFERÊNCIA

Boris Fausto em seu “Prefácio” de “Revolução de trinta” reafirma seus escritos originais de anos anteriores, não aceitando com isso as explicações baseadas na luta de classes enquanto locomotora da história. Para ele, nenhuma das classes tinha organização ou consciência de si o suficiente para dirigir qualquer revolução e, como conseqüência, que o Estado adviesse dessa. Tais explicações sobre a revolução de trinta baseadas no conceito de luta de classes revelam uma visão presa a um etapismo histórico (escravismo, feudalismo, capitalismo e socialismo) (o autor não cita o modo de produção asiático), visão essa com clara inspiração política marxista e que tenta explicar, dando suporte científico, a aliança entre burguesia nacional e a classe operária, cimentada pelo Estado, contra os latifundiários e imperialistas, responsáveis pela espoliação do país e a manutenção da estrutura agrária feudal ou semifeudal.

Sobre a interpretação de que a revolução de trinta refletia a ascensão da classe média urbana, hoje descartada segundo o autor, isso seria reduzir a mesma a uma expressão de classe de caráter empobrecedora em termos de interpretação. Tenentes são, acima de tudo, tenentes.

Critica também certa tradição da esquerda, por sua interpretação simplista, por atribuir que as revoluções contemporâneas na Europa devam passar também pelo Brasil, numa tentativa de enquadrar a revolução de trinta no modelo da revolução burguesa, conduzida por uma burguesia industrial ou classe média, ou ambas.

Sobre a perspectiva de uma corrente parlamentar organizada em representação do proletariado (Bloco Operário Camponês) e o desenlace negativo, para ele, o BOC, de uma conjuntura revolucionária que deixou aberto o caminho a uma classe dominante, diz que não havia conjuntura revolucionária (favorável à esquerda) e que o BOC era “minúsculo”.

A perspectiva do autor é a de que o Estado não é reflexo da sociedade e nem tampouco instituição sobreposta à sociedade.

Caracterizando a primeira República, ao longo do período as economias regionais se desenvolveram, havendo um grande surto migratório nas regiões centro-sul, desenvolvendo-se o fenômeno da urbanização. Em decorrência, cresceu a classe média urbana e surgiu um primeiro contingente da classe operária. Ao mesmo tempo, a expansão e especialização do setor agro-exportador demarcaram quem eram os produtores, os comerciantes do setor exportador e o setor financeiro. Em termos sócio-políticos, ganhou força a opinião pública da classe média urbana.

O entendimento das relações Estado/sociedade após 1930 passa necessariamente pelo entendimento, em primeiro lugar, da crise de 1929, que forçou o controle do câmbio e a destruição dos estoques de café, incentivando a centralização e concentração do poder do Estado e, em segundo lugar, de que o governo provisório teve de enfrentar várias dificuldades, descontentamentos regionais, revolta dos quadros inferiores, pressões dos tenentistas, a guerra paulista, etc. No entanto, esse processo político levou ao reforço do poder central e à reconstrução do Estado.

Citando Francisco Weffort e a implantação do “Estado de compromisso” após 1930, afirma que nenhum setor ou classe poderia construir sua hegemonia, dada a crise da burguesia cafeeira, fraqueza dos demais setores agrários e a dependência das classes médias. Foi um Estado em crise que se “forma e se reforma” em busca de resposta à crise agrária e à crise das instituições liberais.

A industrialização impulsionada pela crise beneficiada pela dificuldade sujeita às importações foi uma opção do governo em afirmar o setor industrial. Houve investimentos em infra-estrutura e em uma indústria básica por pressão não dos empresários industriais, mas de outros setores como a cúpula das forças armadas e os técnicos do governo. A ordem urbano-industrial foi implantada tendo como agente o “Estado” e não as “classes sociais”.

Edgar Salvadori de Decca, em “A dissolução da memória histórica”, observa caminhos interpretativos diferentes.

Aponta no sentido de destruir o discurso sobre a revolução de 1930, pois é um discurso do poder, e, portanto, no de construir um contra discurso que assuma a ótica e a dimensão simbólica de outra classe social, o proletariado.

Esse discurso do poder, que periodiza trinta como uma espécie de divisor de águas entre o antes e depois, é um discurso ideológico que visa justificar um período, qualificando o antes de uma república oligárquica e o depois de um “sujeito histórico” que caminha sobre seus próprios passos, a Nação. O antes, a ausência da Nação. O depois, seu despertar. O passado, o domínio das oligarquias. O presente, uma revolução sem data para acabar.

Diversos enfoques históricos são dados no sentido de justificar esse discurso de exercício de poder, como o estabelecimento de oposições entre Nação objeto x Nação sujeito, economia agro-exportadora x industrialização, mercado interno e inorganicidade das classes sociais x Estado criador das classes, liberalismo x autoritarismo. Em resumo, a revolução de 1930 seria a representação da idéia de construção da Nação sujeito.

Na verdade, em 1930 há o “ocultamento da luta de classes” e a origem disso tudo temos de buscar em 1928, quando realmente um processo de construção da revolução estava em curso e a prática política das “classes” a orientava para tal, inserindo-se na concepção de revolução democrático-burguesa.

Três observações o autor sugere na elucidação argumentativa da compreensão desse processo.
Em primeiro lugar, “o partido operário” representado pelo BOC, definiu a estratégia de sua luta política, determinando o “seu real” e o “dos outros”, numa orientação em rumo à “revolução democrático-burguesa”.

Em segundo, na análise que o autor desenvolve, esse movimento partiu da cidade de São Paulo, pelo fato da já existência de uma classe operária e da contradição capital x trabalho estar presente nessa cidade.

Por último, define 1928 como “data referência” e não 1930, porque nessa época todos os grupos se jogaram na perspectiva de uma revolução em cima de dois delineamentos básicos: a luta contra a oligarquia e a aceitação de Luis Carlos Prestes como seu líder máximo. Houve uma conjugação de forcas contra o PRP (Partido Republicano Paulista). Além disso, uma dessas forças políticas que trabalharam pela revolução, o BOC (Bloco Operário Camponês), braço parlamentar do PCB (Partido Comunista Brasileiro), na época PC do B (Seção brasileira da III Internacional ou Internacional Comunista), após ter firmado comitês em todas as partes do Brasil, em São Paulo atuou na organização sindical dos têxteis e batalhou em prol a leis sociais, juntamente com a luta parlamentar. A existência de uma “CIESP” forte também reforça essa relação histórica.

Três grupos políticos se articulavam num sentido revolucionário: o BOC, o PD (Partido Democrático) e os tenentes, que representavam os setores médios urbanos da sociedade.

Os tenentes são os revoltosos de 1922 e 1924, que integraram, após a última, a coluna Prestes, unida sob um programa genérico de combate às oligarquias. Tinham eles várias visões de revolução e o que os unia e os definia era exatamente as luta contra as oligarquias e a liderança de Prestes. Adquiriram “status” próprio no campo da revolução, passando de “tenentes” a “revolucionários”, esse seu novo estatuto que os definiu como “sujeito político”.

O Partido Democrático era formado por setores da classe dominante que se posicionavam favoravelmente à revolução, sem, contudo, assumí-la diretamente. No momento em que o tema da revolução entrou em polarização defendeu o mais geral da proposta, ou seja: uma revolução contra as oligarquias em aliança com os “revolucionários”, sob comando de Prestes. Na verdade jogava na indefinição e no sentido de ganhar tempo, pois necessitava de ampliar as bases partidárias em vista às eleições que se aproximavam. Daí a sua aproximação com os “revolucionários” e “operários” (BOC) que se sentiam próximos do PD. Para ele (o PD) o eixo da revolução não passaria de fato pela classe operária. Era como se ela estivesse fora da revolução. Para Prestes, ao contrário, necessariamente a revolução passaria pelo proletariado. O PD também liderou a campanha de anistia para os revolucionários (da Coluna Prestes) no sentido de trazer Prestes de volta para liderar a revolução.

Ambas as tendências, revolucionários e PD, queriam ganhar a classe operária para, em seguida, esvaziá-la de seu conteúdo.

O BOC se definiu como porta voz do proletariado, tentando, de um lado, isolar o movimento anarquista que era forte e de outro, lançar a classe na luta político-parlamentar, propondo a revolução democrático burguesa. Propôs a aliança entre os três blocos: BOC; PD e “revolucionários”. Defendeu propostas dos revolucionários através de Prestes e incentivou o PD para uma tomada mais decisiva de posição política.

A “revolução democrático-burguesa” foi adotada pelo BOC muito antes da realização do Congresso da Secção Sul Americana da Internacional Comunista, realizado em 1929. Em seu programa, o BOC assumiu a aliança entre o proletariado e a uma burguesia industrial, que pelo fato de ser “débil”, a burguesia, associou-se aos setores agrários e aos interesses imperialistas. Dessa maneira, foi eleita a luta contra o feudalismo e o imperialismo que barravam o desenvolvimento das forças produtivas. Em cumprimento dessa etapa histórica (a revolução democrático-burguesa), condição prévia para a futura revolução socialista (proletária), se abria mão da “luta de classes”. Segundo o BOC era necessária uma “aliança de classes” para a criação do Estado Nacional na etapa do imperialismo e o banimento da luta de classes se daria pela debilidade da burguesia nacional. A luta contra o imperialismo era uma prioridade maior do que a luta de classes.

Mesmo assim, a partir de 1928 o BOC, já reconhecido como porta voz do operariado, distanciou-se da proposta de revolução democrático-burguesa, pois ao realizar tarefas da burguesia, não desenvolveu a luta contra o capital. A atuação do PCB (o BOC era seu braço parlamentar) dentro dos sindicatos em defesa de direitos políticos e leis sociais, assim como participação e direção das greves de 1929 e a fundação da CGT (Confederação Geral do Trabalho) com mais de 60.000 filiados, mais a greve de setenta dias dos operários em São Paulo levaram os seus aliados, primeiro ao distanciamento, acusando os oligarcas de fazerem “vista grossa” ao perigo vermelho e depois, em unidade geral contra o proletariado, a se unificarem aglutinados na luta contra o “comunismo”.

Assim, o conjunto da sociedade, num primeiro momento, dividiu-se em relação à oligarquia, mas, num segundo momento, uniu-se para combater o comunismo.

Wanderley Guilherme dos Santos em “Matizes do pensamento autoritário” traça uma discussão mais engendrada no caráter ideológico dos sujeitos e agentes políticos da revolução de trinta, esquadrinhando as forças que atuaram na dita cuja revolução.

Os “liberais doutrinários” defendiam o legalismo no escopo do Estado liberal. Para eles a reforma político institucional se daria e se concretizaria através da formulação e concepção de “regras legais” (a transformação através da regulamentação). “Boas leis criam eficientes instituições”.

Os “tenentes” não possuíam matrizes políticas unificadas e faziam política de acordo com a lógica dos acontecimentos e das circunstâncias. Preencheram cargos políticos importantes. Ideologicamente queriam o fim da corrupção. Daí defendiam que a burocracia deveria deixar de ser um sistema de nomeações políticas, que levavam ao reforço do paternalismo e ao conformismo político. Em detrimento desse sistema, defendiam uma burocracia estabelecida por mérito (assim como nas forças armadas) e técnica, portanto, apolítica. Entendiam, também, que a descentralização não era um método desejável para impedir a corrupção. Não possuíam, segundo sua visão, os “meios liberais” para continuar seus “fins liberais”, em contraposição aos liberais doutrinários.

Todos os liberais, depois de 1945, viraram-se contra Vargas e as medidas trabalhistas, compondo a UDN (União Democrática Nacional). Segundo eles, a conseqüência da intervenção do Estado fora longe demais, criando corrupção maior do que antes de trinta, uma burocracia incompetente e contaminada pelo nepotismo, que atingiu as instituições como um todo. Pela explicação liberal, o período passado era baseado num sistema de privilégios concedido aos políticos corruptos que apoiavam o autoritarismo.

Os doutrinários, que antes de trinta defendiam reformas que seriam executadas por “meios liberais”, após quarenta e cinco avaliaram que Vargas, no período anterior, planejou, criou partidos e legou uma sociedade cuja interação propiciou somente aos políticos corruptos a possibilidade de vencer. Nesse sistema era impossível não “romper com os métodos legais”. Dessa maneira, a UDN, partido liberal por excelência, tornou-se o mais subversivo partido, que junto ao PL (partido libertador) e PRP (partido da representação popular) tentaram evitar que vários presidentes eleitos assumissem seu cargo entre 1945 e 1964. Em suma, a remoção de mecanismos que impediam a operação liberal era a meta dos doutrinários.

Havia também os “autoritários instrumentais”, que consideravam que os políticos requeriam algumas “habilidades especiais” e por isso teriam acesso privilegiado ao poder. Somente os melhores deveriam governar, conforme a literatura integralista dos anos trinta. Segundo Azevedo Amaral, numa explicação não naturalista, “o autoritarismo moderno brotou de determinadas condições históricas e não de uma estratificação política natural entre os homens”, numa explicação biológica para os fenômenos sociais, econômicos e políticos. O conflito social seria uma ameaça à sobrevivência da sociedade inteira se sua solução dependesse de agentes privados do Estado liberal. Como não haveria mais conflitos entre empresas familiares e pequenos grupos de trabalhadores, mas sim entre grandes corporações e grandes sindicatos, os sistemas autoritários, livres da necessidade de “consentimento” da população, seriam ágeis para enfrentar esses desafios de uma sociedade industrial e de massa.
Tanto os “biológicos” de Azevedo Amaral como os integralistas, acreditavam que o autoritarismo não era transitório devido a causas conjunturais, pois quanto mais a sociedade progredisse, mais necessários regimes autoritários a fim de administrar conflitos. Essa era a diferença entre esses e os autoritários instrumentais.

Diferentemente também dos liberais doutrinários e autoritários de outros tipos, os autoritários instrumentais trabalhavam com duas idéias chaves. A primeira era a formulação de que as sociedades não apresentam uma forma natural de desenvolvimento. Daí a inevitabilidade do Estado em se intrometer em assuntos da sociedade, para garantir metas de representação dessa sociedade e a legitimidade dele regular e administrar a vida social, o que os distinguia dos liberais. A segunda é a de que o exercício autoritário do poder era a maneira mais rápida para implantar uma sociedade liberal, quando logo após o autoritarismo deveria ser abolido. Era a idéia de que o Estado deveria fixar metas porque a sociedade não teria capacidade de fixá-las (tanto as elites como os liberais).

Em citação à Oliveira Viana, que avaliava o passado como uma história de um território amplo em que se estabeleceram clãs familiares, formando autarquias territoriais com economias isoladas e auto-suficientes, ou seja, clãs parentais sem comunicação entre si. Nessas condições a vida urbana não poderia se desenvolver. A dependência dos trabalhadores rurais dos proprietários de terras na época da separação de Portugal, exatamente quando os conservadores iniciaram a centralização imperial, nesse processo perderam os senhores de terra e ganharam os cidadãos, segundo o autor deste trecho. No entanto, a república não alterou o padrão básico de uma sociedade familística, oligárquica e autoritária e, nesse sentido, a intervenção do Estado não representava ameaça aos cidadãos, mas sim sua única esperança, num prelúdio justificativo ao que estaria acontecendo após trinta.

A tese era a de que o liberalismo político fornecia poder aos oligarcas em detrimento dos cidadãos. O liberalismo político seria inviável na ausência de uma sociedade liberal previamente estabelecida no Brasil, cuja efetiva edificação requeria um Estado forte o suficiente para romper com a sociedade familística, exigia também a transformação política da sociedade através de uma elite política nova (que surgiria “sabe-se lá de onde”) e de uma maciça conversão cultural.

Virgínio de Santa Rosa concordava com Oliveira Viana. Era favorável a um governo autoritário e centralizado. Considerava somente possível a implantação do liberalismo após prévias reformas sociais e econômicas. Mas também associava à sua agenda liberalizante a realização da reforma agrária, como condição básica para a efetivação dessa mesma agenda.

Esses analistas sabiam que criar uma sociedade liberal significava estimular relações de mercado, prover estruturas institucionais favoráveis ao desenvolvimento, destruir relações pré-mercantis na economia e relações sociais.

O Estado Novo de 1937 deu forma ao Estado forte dos autoritários instrumentais, mas nem a elite dirigente se atraiu pela transitoriedade, como também não tomou medidas que liberalizasse a sociedade. Não optou pela reforma agrária e nem, por outro lado, rompeu com a agricultura tradicional. Houve algumas medidas liberalizantes e regulatórias da sociedade, como em relação aos operários que foram reconhecidos como membros da sociedade, embora sob controle, indicando um comportamento heterodoxo e ambíguo desse novo sistema. Após 1945, a aliança entre PSD e PTB de apoio ao Varguismo, indicou uma política de forte apoio ao desenvolvimento industrial, mais proteção aos setores agrícolas tradicionais, interesse pela educação, saúde e habitação.

O Estado liberal não surgiu por acaso e nem por necessidade lógica ou dialética. Como as demais instituições, foi provisório e resultado do choque de interesses vários.

O autor sustenta que a burguesia nacional, que na Europa e em outros lugares facilitou e modelou novas sociedades impondo a lógica da competição, no Brasil, após trinta, essa burguesia, que deveria estar organizada para moldar o aparelho do Estado com a lógica do mercado, não existiu até recentemente enquanto classe política organizada e como ator político, que tem, ou deveria ter, como meta última de classe de qualquer burguesia, o domínio das relações de mercado através do controle da oferta e demanda, ou seja, o controle das instrumentalidades.

O burguês, que na Primeira República desprezou as instituições do Estado, pois se sentia inserido no sistema capitalista mundial, dentro da divisão internacional do trabalho promovido pela Inglaterra, nunca quis “capturar o Estado”. Segundo o autor, não estava ligado a um mercado nacional que dependeria da ação do Estado, mas ligado ao mercado internacional, que era mediado por outros Estados nacionais. Era uma burguesia nacional não organizada e periférica do capitalismo internacional.

Sempre segundo o autor, que lida com o conceito de “classe organizada”, a burguesia brasileira, como autora política, não revelou expressão unificada e nem comportamento inequívoco e homogêneo. Critica os “marxistas ortodoxos”, afirmando que a burguesia, embora beneficiária da ordem capitalista, não é propriamente “uma classe” (não é organizada e, por isso, não é atora política determinante), estabelecendo uma oposição conceptual entre a “luta de classes” e os “reais atores organizados”. Em suma, abandona o conceito de “luta de classes” como unidade de análise, substituindo-o pelos “reais atores mais ou menos organizados”.

A burguesia, pelo fato de não estar organizada e participando da gestão do Estado, se desinteressou pelos três pilares básicos de reprodução de uma sociedade liberal: a organização militar, o sistema educacional e a burocracia pública.

O exercito se constituiu como organização, com contornos de supra-instituição, fora e independente da burguesia. Foi levado (sic!), por isso mesmo, como definidor dos limites constitucionais brasileiros.

O sistema educacional servia para distribuição de status social. Na Europa, ele tinha servido, na revolução industrial, para articular a produção de conhecimento com a de bens materiais. No Brasil, o sistema educacional não foi submetido à hegemonia burguesa como na Europa e Estados Unidos da América do Norte.

A burocracia, que antes de trinta era um “filão de emprego”, foi imiscuída com os critérios de meritoriedade. A burguesia, também nesse segmento, não produziu influência relevante.

Roberto M. Levine aborda a problemática que gira em torno de trinta, enfocando os pontos que as forças opositoras da oligarquia pré trinta, tão dispares entre si, tinham mais em comum: exatamente essa oposição. O movimento, que de certa forma refletia as aspirações das novas forças sociais, permaneceu, entretanto, conservador e paternalista (Getúlio o era).

Em 1929, a crise internacional derrubou quatro governos republicanos latino-americanos, inclusive o da Argentina.

No Brasil, a dissidência entre os militares de 1922, com os "dezoito do forte", que deu origem ao “tenentismo”, marcou o início do movimento contra os fazendeiros. Após a revolução de 1924 foi formada a “Coluna Prestes”, que era composta de oitocentos a mil homens de armas, a qual percorreu durante anos o Brasil afora até se internar na Bolívia. Participaram desse evento histórico, dentre outros, Miguel Costa como comandante geral, Siqueira Campos, João Alberto, Djalma Dutra e Cordeiro de Farias, comandantes de colunas, além do próprio Prestes, chefe de estado maior e também comandante de uma coluna.

Os tenentes, a maioria, voltaram do exílio nas vésperas das eleições de 1930, colocando-se à disposição de Vargas. Eles advinham de posições militares secundárias dos Estados periféricos e se originavam da classe média. A Aliança Liberal, enquanto revolta organizada, teve como participantes muitos desses tenentes gaúchos: Aranha, Góis Monteiro, Fontoura, Luzardo, Lindolfo Collor, etc.

Prestes, todavia, condena a Aliança Liberal e solta seu próprio manifesto em Buenos Aires. Em conseqüência, Osvaldo Aranha renuncia ao cargo estadual de Secretário do Interior do RS, de cujo posto tinha ordenado anteriormente a compra de armas da Checoslováquia para a rebelião.

Fato novo colocou de novo a revolução na agenda geral, que foi o assassinato de João Pessoa (possivelmente por motivos não políticos), governador da Paraíba e candidato à vice-presidente de Vargas, causando a reunificação da Aliança Liberal em rumo à revolução.

O primeiro ministério de Vargas dependia de vários grupos de apoio. No dia onze de novembro de trinta, com um decreto lei, Vargas adquiriu poderes ditatoriais, dissolvendo o congresso e órgãos estaduais e municipais e com a faculdade de demitir e nomear funcionários.

A divisão da Aliança Liberal após trinta, teve, de um lado, os tenentes, que eram pela reorganização nacional e contra o retorno dos liberais ortodoxos, influenciados notadamente pelo exército, e, de outro, a ala constitucionalista, que era por reformas políticas que apontassem o fim da ditadura, através de uma constituinte.

Houve também a instalação de “legiões” de feições semifascistas (sic!) em lugares de bases tenentistas, com o propósito de substituir aos “velhos partidos políticos”, pelas inabilidades que os fizeram fracassar. Plínio Salgado dirigia a “legião” de São Paulo.

O “clube três de outubro”, formado por oficiais do exército, dividiu-se ideologicamente logo na primeira eleição. De um lado estavam os “tenentes radicais”: Miguel Costa; Hercolino Castardo; etc., que exaltavam a coluna Prestes e viam na reforma socialista a pré-condição para a destruição do controle político da oligarquia. Do outro lado, estavam os “tenentes conservadores” (Góis Monteiro, chefe do clube), que eram favoráveis à continuidade do governo por decreto e possuíam um programa de cunho corporativista para o desenvolvimento nacional.

Em 1932 surge a “questão paulista”, com as exigências de uma constituinte e do fim do governo provisório. O levante armado subseqüente foi comandado pelos generais: Euclides Figueiredo, que havia se recusado a comandar a Aliança Liberal em 1930; Isidoro Dias Lopes, comandante das revoltas de 1893 e 1924 e Kinger, antitenentista. No Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros (apoiador do movimento) foi preso e exilado. Com a influência do Partido Republicano do RS em decadência em decorrência da prisão de Borges, Flores assume o controle da situação no Estado, recusando-se à aliança com São Paulo, salvando, assim, a União.

Apesar da derrota Paulista, a repressão não foi tão dura como seria de se esperar. O Banco do Brasil assumiu as dívidas dos Bônus de Guerra Paulista, demonstrando assim a “grandeza de Vargas” (sic!) com os vencidos.

Em novembro de 1933 foi instalada a Constituinte, tendo Afrânio de Melo como seu Presidente, que inclusive rejeitou a representação classista de 40 deputados nomeados. Vargas não se intimidou e mudou a decisão de Afrânio. Assim, a Constituinte se instalou finalmente com 214 deputados eleitos nos Estados e mais 40 classistas, discutindo diversas regulamentações, mas calando-se sobre o equilíbrio de poderes entre o executivo e legislativo e entre os Estados e União. Os tenentes gostaram dos conceitos de organização corporativista geral aprovados, tais como a proteção dos sindicatos baseada num paternalismo de controle. A igreja católica conseguiu passar a educação confessional, numa vitória da LEG (Liga Eleitoral Católica), indo de confronto com o conceito de separação Igreja Estado. Foram aprovados também os deputados classistas (cinqüenta), a restrição à imigração, a restrição de cargos públicos a não brasileiros (reivindicação tenentista) e a anistia geral. Após a promulgação da nova Constituição, partidários dos tenentes reclamaram que a oligarquia ameaçava voltar ao poder pela via eleitoral.

Na economia, Vargas exerceu grande autoridade, delegando poderes ao Banco do Brasil. Com o declínio do comércio exterior e depressão do setor agrícola, houve a expansão da industrialização e crescimento do mercado interno (injeções oficiais de dinheiro, segundo Celso Furtado).

O Clube três de outubro entrou em declínio após a saída do governo de proeminentes figuras: Oswaldo Aranha; Lindolfo Collor; Maurício Cardoso; etc. Os tenentes radicais voltaram-se para Prestes, que já optara pelo comunismo a partir de 1931.

Os produtores de café viam com esperanças a atuação do governo federal, aprovando os esforços para a implantação da diversificação de culturas agrícolas, estímulo ao consumo interno e aumento da produção.

Os trabalhadores também foram beneficiados com a implantação de medidas de proteção social, tais como: seguro social; pensões; férias pagas e licença saúde.

Também o exército apoiou Vargas em troca do fortalecimento do poder militar.

As principais questões levantadas pelo golpe de trinta ainda estavam por resolver em 1934: Estados x União; a posição ideológica dúbia de Vargas; papel das forças armadas; etc.

Após a intentona de 1935, o poder de Vargas se consolidou com a classe média abrindo mão, em sacrifício, das liberdades civis, pois havia o perigo de que a oligarquia retornasse ao poder pela via eleitoral, pois controlavam o voto nos municípios.

Em 1937, com a instituição do Estado Novo, o poder se instalou definitivamente até o fim do período (1945), com a condenação da democracia liberal e adoção do planejamento central em nome do desenvolvimento nacional.

Maria Helena Capelato apresenta em seu texto um quadro social e ideológico da época.

Em 1920, 65% dos brasileiros eram analfabetos. Em 1940, dois terços dos brasileiros viviam na zona rural. Somente as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro possuíam mais de um milhão de habitantes. As endemias proliferavam no interior. As refeições da classe média se constituíam de feijão preto, farinha de mandioca e charque, o que representava menos de 200 calorias por dia. São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, representavam mais da metade do PNB – Produto Nacional Bruto. Os pobres urbanos tinham pouquíssimo acesso aos serviços públicos essenciais e a Igreja Católica (Cardeal Leme) não reivindicava qualquer papel social.

Os professores se formavam com quatro anos de Escola Normal, aos dezoito anos de idade. Das 74.000 professoras em 1937, 65% não tinham o curso completo. O Ministério da Guerra recebia 25% do orçamento nacional, enquanto que o Ministério da Educação e Saúde Pública recebia 5% na década de trinta.

A educação secundária estava nas mãos de particulares. Os colégios preparavam seus alunos para os exames de admissão e mesmo as academias militares exigiam proeficiência em línguas, geografia, história, ciências e matemáticas. A tônica geral do ensino era o saber como um ornamento das elites e não como chave da mobilidade popular, com ênfase na memorização.

Os ricos estudavam em escolas particulares, além de não pagarem impostos. Os pobres viviam com salários miseráveis.

A vida social no Rio de Janeiro girava em torno às boates e restaurantes, dos três cassinos de praia, dos clubes e embaixadas. No verão, os ricos iam para Petrópolis. Havia 8.900 automóveis em 1925 e 25.700 automóveis em 1935, todos importados dos Estados Unidos ou Europa. O Rio de Janeiro possuía também 13 estações de rádio, 45 telefones por mil habitantes e 19 jornais.

A classe média demonstrava certo constrangimento com a Umbanda e a Macumba. A elite evitava a “pecha de mulatice” no exterior. Alguns intelectuais eram orgulhosos do “amalgamento social” de Gilberto Freire e Afonso Celso, mas, no entanto, os dignitários eram inevitavelmente brancos.

Oswaldo Aranha, escrevendo de Washington, comentou: “...precisamos nada de outras raças...”. Louvava os Estados Unidos por ser uma “sociedade nórdica”, lamentando-se com Vargas pela “fraqueza do caráter brasileiro”.

Na década de trinta, a xenofobia e o anti-semitismo manifestaram-se principalmente por parte de membros da elite intelectual desconcertada com o espectro marxista. Os judeus eram 7.000 em 1917 e sete vezes mais entre 1928 e 1934. Após essa data, a restrição à imigração reduziu drasticamente a entrada deles no país.

Afonso Arinos de Melo Franco catalogou séculos de agitação promovidas pelos judeus. Marx, Marat, Danton, Robespierre e Rousseau, dentre outros, eram os mais eminentes representantes.

Miguel Couto, médico e deputado, condenou com veemência a imigração japonesa.

Havia também aqueles, que indignados, se opunham a essas considerações, como o sociólogo Guerreiro Ramos, que acusou Graça Aranha, Alberto Torres e outros, de “envergonhados” das raízes brasileiras.

Afonso Arinos escreveu em 1936: “...a contribuição do índio, consistiu na imprevidência e dissipação e do negro, obsessão sexual e ocultismo...”.

Azevedo Amaral escreveu em 1935: “...desde o século XIX, o Brasil sofrera uma desnacionalização progressiva, portanto carecia de consciência nacional”.

Dois movimentos propunham na década de trinta transformações drásticas: a AIB (Ação Integralista Brasileira) e ANL (Aliança Nacional Libertadora).

A classe média urbana compartilhava os valores e aspirações da elite. Compunha-se de burocracia governante, do alto comércio, clero, oficialidade mediana e funcionalismo civil. Manteve-se indiferente a Vargas por medo de ascensão dos trabalhadores. Aceitou passivamente o rebaixamento de salários e ao aumento de impostos.

A classe baixa era formada por negros, mulatos e brancos, dos setores urbano e rural.
A classe trabalhadora, que em 1920 somava 275.000, em 1938 era de 700.000.

Os sindicatos eram apenas um por categoria e de inspiração corporativista. Só os membros dos sindicatos reconhecidos podiam postular nos Tribunais do Trabalho. Em 1934 foram instituídas as férias pagas e só os filiados dos sindicatos oficiais é que tinham direito. Os comunistas controlavam alguns sindicatos não legais. Houve também várias greves ilegais na década de trinta, mas não eram noticiadas. Havia um “pacto de silêncio” por parte da imprensa. Os trabalhadores rurais estavam literalmente fora da legislação trabalhista.

Em maio de 1938, o movimento integralista foi destruído, embora Vargas tenha adotado algumas medidas nacionalistas de direita e também de esquerda.

O nacional socialismo (nazismo) no Brasil possuía de 800.000 a 1.000.000 de militantes de origem alemã, dos quais 200.000 eram alemães e 100.000 deles ainda mantinham a nacionalidade original.

Italianos, espanhóis e portugueses evitaram a militância fascista, embora grupos culturais ítalo-brasileiros aplaudissem Mussolini.

Poloneses, alemães e italianos mantinham escolas secundárias com a linguagem materna.

Os movimentos de juventude teuto-brasileiros promoviam acampamentos e treinamento militar com pequenas armas. Alguns iam à Alemanha para treinamento complementar. Em princípios de 1938, Vargas suprime o “volksdeutsche”, prendendo seus líderes e, pelo decreto de 18 de abril, declara fora da lei as organizações com sede fora do país. Na verdade estavam envolvidos na tentativa de golpe em 1938 juntamente com os integralistas.

Os poloneses, que se referenciavam no herói nacional “Pilsudski”, recebiam apoio financeiro da Polônia e nazistas alemães, através dos consulados em São Paulo e Curitiba. Agentes poloneses tinham grande influência junto ao clero polonês do Paraná. A União Central dos Poloneses do Brasil tinha sede em Curitiba. A organização paramilitar JUNAK (juventude polonesa) possuía 84 grupos no país. Após 1935 as atividades polonesas entraram em declínio.

O integralismo era composto por membros advindos da classe média, acadêmicos, descendentes de alemães e italianos, das forças armadas (principalmente da marinha).

A igreja católica patrocinou, através de D. Sebastião Leme, a Liga Eleitoral Católica, organização militante e muito ativa na Assembléia Constituinte, onde obteve a aprovação do ensino religioso. Em 1934, Leme permitiu que a política de influência diminuísse, incorporando a LEC na Ação Católica.

O exército, em função da missão francesa do General Gamelin antes da primeira guerra (Góis Monteiro era seu discípulo) aceitou o ponto de vista “tenentista” de fortalecimento do exército. Mesmo assim, havia um abismo que separava oficiais de praças.

A marinha, a mais tradicionalista das instituições, era pouco simpática a Vargas e à reforma. Alguns oficiais aderiram ao Partido Monarquista Brasileiro, que reivindicava a restauração monárquica.

Segundo a autora, Vargas, no princípio, era hostil aos industriais, pelo desejo de ser o pai dos pobres, mas depois, a aliança foi estabelecida por uma necessidade política.

O Bloco Parlamentar de Oposição de 1934 refletia o desejo de limitar o poder federal. Encabeçado por Artur Bernardes, representava os liberais oligarcas.

O PCB (Partido Comunista Brasileiro), carente agora de base sindical, sofria de uma divisão interna insanável. Formado por intelectuais de classe média e de imigrantes urbanos da Europa central e oriental, construiu-se na base dos movimentos anarco-sindicalista. Os conflitos entre stalinistas e trotskistas debilitaram enormemente o partido. Colocado fora da lei em 1927 durante o governo Washington Luiz, continuou na clandestinidade dirigido por Otávio Brandão e com Astrogildo Pereira na secretaria geral. Fundou a CGT e o BOC, seu braço parlamentar. O cisma interno e a repressão enfraqueceram a esquerda radical. Entre 1931 e 1934 aconteceram vários expurgos internos.

Em carta a Góis Monteiro, Oswaldo Aranha escreveu que: “...as fraquezas civis, militares e econômicas... (...) ...são fruto da ignorância, doença, da incapacidade pessoal...”. Em outro trecho: “...se o Brasil não se livrasse da desorganização interna, iria nos passos da Itália...”.

Góis Monteiro escreveu: “...a tendência nacional ao autoritarismo advém da falta de confiança no brasileiro de governar-se...”.

Viriato Vargas escreveu ao irmão em 1936, citando Nietzche: “...o democratismo é uma forma de decadência e de decomposição da força organizada...”.

Ângela de Castro Gomes em “O redescobrimento do Brasil” escreve sobre a fundação do Depto. de Imprensa e Propaganda (DIP) na época de Vargas. Era formado por seis seções: propaganda; rádio difusão; cinema e teatro; turismo; imprensa e serviços auxiliares.

Durante a Primeira República, o Estado liberal não conseguiu integrar o homem à terra brasileira. As instituições colidiam com a realidade brasileira, formando dois mundos distintos: o homem e a natureza. O mundo da política era distante de tudo e de todos. Havia desordem em todos os campos da realidade social, com a ruptura de um caminho evolutivo justo e bom. Ao Estado natureza se opunha o Estado guerra (Hobbes) e a revolução de trinta veio em resposta à crise, levando ao fim essa sociedade do conflito. Foi uma demarcação de fronteiras entre a anarquia e a ordem.

A contemporização (antes de trinta) somente foi possível no plano político, mas com o advento da massa proletária, conseqüência por sua vez da industrialização pós I guerra, a questão se agravou, até por influência de agitadores profissionais. A revolução, assim, veio interromper o curso dos acontecimentos.

A ameaça da anarquia era real, visualizada como a perda do curso da evolução normal do país. O descontento popular foi materializado na “questão social”.

Houve a preservação da personalidade nacional do risco de uma catástrofe anarquizante. O sentido restaurador da revolução (Azevedo Amaral) era evidente, dando a ela um caráter duplo de ordem e revolução, tradição e inovação. O projeto do Estado Novo (em 1937) tornou mais evidente a sua dimensão transformadora e conformadora da realidade nacional. Era a retomada da vocação histórica e da continuação da construção da nossa nacionalidade.

Os liberais desacreditavam dos nossos homens, que teriam uma atitude comodista pela “lei do menor esforço”, explicando tudo pela negação de nossa raça (a preguiça do brasileiro, uma raça de bugres).

O retorno à realidade equivalia ao reconhecimento do brasileiro, de suas necessidades e potencialidades, pois ele guardaria as virtudes mais puras do país, estabelecendo a oposição liberalismo europeizante x valores brasileiros.

Antes de 1930, as elites se opunham ao povo. Depois de 1930 e 1937, houve comunicação entre elites e massas, pois era uma revolução “autentica” que reunia a todos (povo).

Restaurar a sociedade brasileira era retirá-la do estado de natureza e organizá-la pelo poder político, o que implicava num retorno à natureza, que eram as riquezas potenciais do país e a cultura nacional.

Essa restauração, enquanto ato de construção da terra e do homem, deu-se pela exploração da terra e da formação do homem, ambos os processos coordenados por “novas elites políticas”.

Nessa nova etapa, a obra da revolução foi perturbada em 1932 e 1934, tendo sua segunda fase implantada em 1937 com a constituição de uma nova ordem política. A Constituição de 1934 foi considerada como um malogro revolucionário, pois os ideais reformadores eram considerados desvios.

Com a revolução, a finalidade do Estado devia ser encontrada fora da política, na promoção do bem estar nacional, na realização do bem comum e no enfrentamento da questão social. Se antes não elegeram a questão social como prioridade é porque encaravam a pobreza como “inevitável”. A questão social como questão política só se resolveria pela intervenção do Estado.

A missão histórica do novo regime era a de salvar a tempo a situação do operariado, dando certa feição democrática ao regime. A democracia social foi considerada como o reinício dos tempos.

O abandono da idéia da existência de doutrinas permanentes com base na mutabilidade no desenvolvimento das idéias era também uma das características ideológicas do regime. Mudança era um indicador de força social.

Nessa nova democracia, que tinha o ser humano como alvo, não se desejava a desintegração do homem, como no liberalismo e nem a estatização, como no totalitarismo. Seria a humanização do Estado Moderno.

O trabalho, outrora escravo, era o meio de emancipação da personalidade, pois quanto maior o dever, mais alta a virtude.

No projeto liberal democrático, os homens eram livres pela natureza, mas tornados diferentes pelas injunções sociais e políticas. Na nova democracia, a sociedade era formada por indivíduos desiguais por natureza. A missão do Estado era a de torná-los iguais artificialmente, atingindo assim a igualdade social. Estabelecia-se assim a independência entre os conceitos de democracia e liberal-democracia. Procurar meios de tornar a autoridade mais justa e a prevalência do principio de autoridade como meio legítimo da realização da liberdade individual, eram as metas desejáveis. A nova democracia era a democracia das corporações, girando em torno dos centros de organização e orientação dos indivíduos para o bem público.

A idéia do Estado neutro (face aos interesses de mercado) ou do Estado que negava o mercado (comunismo), precisavam ser combatidas.

Desenvolveu-se também o combate ao formalismo político, com a substituição do conceito de separação de poderes pelo de harmonia de poderes e pela impossibilidade de proliferarem partidos políticos, pois eles seriam a manifestação de antagonismos sociais. A nação não seria redutível às partes que a compõem (sentido universal).

Quanto aos sindicatos, eles são transformados em órgãos públicos, de tutela Estatal e restritos a questões técnicas.

Alcir Lenharo em “A pátria como família”, escreve sobre o Estado, que como sujeito histórico nasce do vazio político, surgindo como único sujeito político e único agente histórico, antecipando-se às classes.

O Estado Novo se proclamava como o único agente capaz de intervir no fluxo histórico e estancar a luta de classes, concordando com os integralistas que apontavam na solução autoritária como a única possível. Para os liberais e marxistas, essa foi a única solução encontrada pela classe dominante, impossibilitada de exercer seu próprio poder.

A substituição do conceito de luta de classes pelo conceito positivo de colaboração de classes foi a tônica do regime, no sentido de romper com o processo de anarquia liberal. Francisco Campos afirma que “o corporativismo mata o comunismo, assim como o liberalismo cria o comunismo”.

O Estado Novo levou a sério a existência da luta de classes e as possibilidades da classe operária no jogo do poder. O integralismo, dessa maneira, agiu como um freio às mobilizações operárias. Marilena Chauí relaciona a classe média como ponta de lança para a repressão contra o proletariado.

Fugindo à luta de classes, os sindicatos se apresentavam como um instrumento dessa harmonia, dessa simbiose perfeita. Assim, as forças produtivas se movimentavam harmonicamente no sentido do progresso, num movimento coletivo acima dos indivíduos.

Mesmo assim, a intervenção do Estado nas negociações é inevitável, pois a fragilidade dos negociadores ou a irredutibilidade das partes (anarquistas) forçavam sua intervenção.

Antes de 1930, o BOC (Bloco Operário Camponês) entrou em luta comum com as oposições contra as oligarquias. Depois os aliados se voltaram contra ao eleger “o fantasma do comunismo” como inimigo comum. Todos se aliaram contra a classe operária. Após 1930, ao operariado coube duas decisões possíveis: ou aceitava a mentalidade nova (corporativismo) ou se considerava como dentro da “questão de polícia”.

Após a instituição da “lei de segurança nacional”, corriam o risco de serem enquadrados em crimes contra a ordem, todos aqueles acusados por incitação ao ódio de classe ou paralisação dos serviços públicos. A instituição da Carteira de Trabalho também foi um ato de controle, pois os patrões não respeitavam a diferença entre a vida social e profissional, podendo “sujar” a Carteira, arruinando profissionalmente o empregado. Além disso, raramente os empresários respeitavam o direito dos trabalhadores, como demonstram as várias greves que surgiram entre 1931 e 1935, por cumprimento de direitos adquiridos. Em 1942, com a economia de guerra, houve o aumento da jornada de trabalho para dez horas diárias.

O PCB (Partido Comunista Brasileiro) ganhou a guerra contra os anarco sindicalistas nos sindicatos, reforçando-os e criando outros. Criou também o BOC como seu braço político eleitoral. No entanto, a maior parte das greves era de organização “espontânea” (sic!), independente dos sindicatos, operadas por “comissões de fábrica”. O peleguismo era reinante nos sindicatos (direções biônicas), fazendo com que, por desinteresse dessas direções, não se interessassem no crescimento das filiações: o imposto sindical sustentava os aparelhos.

O conceito de nação (todos) se instaurou e o Estado era solitário e sem partidos políticos. Os operários não precisavam mais fazer nada, pois tudo estava dado, cientificamente determinado por especialistas competentes, na pretensão de que os trabalhadores exercitassem uma prática de seu próprio “emparedamento”.

O plano Cohen, segundo o qual uma potência estrangeira invadiria o Brasil, apoiada por traidores brasileiros, teve o estabelecimento dessa mentira como verdade inconteste, seguindo uma prática muita afeita ao nazismo.

A criação do DIP em 1939, teve como finalidade o controle, a propaganda, a censura, a promoção de atividades cívicas e culturais. Sérgio Cabral afirmou: “...o Estado Novo utilizou o rádio como Hitler”. O DIP intervinha nos desfiles carnavalescos, gravadoras e rádios. Convencia aos letristas de músicas populares a não incorporarem alguns temas a suas obras, dentre os quais o “culto à malandragem”.

A propaganda, seguindo orientações de Hitler, devia levar em consideração o sentimento das massas, para alcançar os fins que se propunha. O Estado Novo utilizou-a tal qual e também como tarefa preventiva da máquina repressora, mandando mensagens familiares.

A igreja disseminava a angústia religiosa e o sentimento de culpa sexual e repulsa aos instintos, que o poder aprovou e reproduziu. Segundo Willian Reich (psicólogo comunista revolucionário), a família é o microcosmo do Estado autoritário e sua célula reacionária central. Plínio Salgado dizia: “...o Estado capta na família a força de que precisa na sua constituição”.

Houve também o culto à personalidade de Vargas, cujo nome foi dado a logradouros, praças, estabelecimentos, provas esportivas, etc. Sua vida é descrita nos mínimos detalhes.

Nas escolas, os livros escolares evidenciavam o labor quotidiano, cuidados do lar, tenacidade, grande virtude militar, a disciplina, etc. O espaço escolar era elaborado de maneira neutralizadora, como uma redoma defensiva do mundo exterior, pleno de tensão e conflitos.

COMENTÁRIOS FINAIS

Vamos, a seguir, relacionar algumas das mais importantes questões tratadas nos diversos temas. Vamos, também, caracterizá-las e contextualizá-las na medida do possível.

Segundo Boris, a esquerda força para enquadrar a revolução brasileira (democrático-burguesa) nos padrões revolucionários da Europa. Parte evidentemente de uma avaliação de que o processo histórico na Europa é distinto e diferente do processo brasileiro. Nega, portanto, não apenas a revolução baseada em classes sociais como também ao etapismo stalinista, segundo o qual há a necessidade de primeiro se fazer a revolução capitalista e depois a socialista. Fausto tem razão na segunda parte, pois o cumprimento de etapas históricas, não é necessariamente um dogma marxista e nem leninista.

O mesmo autor, além do que já abordamos no primeiro tópico (as classes não existem porque não são organizadas) afirma também que o Estado autoritário de Vargas assumiu o papel que as “classes” deveriam ter, ou seja, de sujeito histórico. De Decca se contrapõe a essa teoria, afirmando, corretamente, que esse Estado vem justamente para sufocar a classe operária, que era razoavelmente atuante (vide o exemplo do BOC).

No entanto, Decca constrói uma “aliança” contra os liberais, que deixa a sugerir a construção de um movimento de caráter autoritário. Mesmo sua tentativa de explicar a situação posterior
(a aliança se vira contra seu real inimigo, o comunismo) esbarra muito numa justificativa a la “Arendt”.

A questão do Estado como locomotor da industrialização se insere no contexto da explicação de que as classes não existiam como atores históricos (não eram organizadas) e que os reais sujeitos históricos eram o Estado e os militares (um Estado dentro do Estado). Essa mesma justificativa ideológica foi uma das bases para o golpe de 1964.

Em relação à estratégia internacional do PCB, na época PC do B ou secção do Brasil da Internacional Comunista, a partir de 1928 seguiu a orientação do VI Congresso do “Komintern” realizado no mesmo ano e que traçou algumas diretrizes básicas internacionais, dentre as quais a da aliança com setores das burguesias nacionais. O exemplo clássico é a aliança do PC Chinês com o Kuomitang. Aliás, segundo Mao, a longa marcha realizada posteriormente foi inspirada na Coluna Prestes.

Outra questão é a de que o PCB, a partir da estratégia da revolução democrático-burguesa (uma opção reformista e não revolucionária) nunca mais abraçou a tese da revolução socialista como estratégia de transformação da sociedade, o que nos parece verdade, na medida em que nem durante a ditadura militar de 1964 o partido optou pela luta armada, embora grupos dissidentes o tenham feito.

Wanderlei Guilherme Santos faz uma explicação da ideologia reinante no período, mas cai no risco de justificar simplesmente o caráter “sujeito histórico” do Estado autoritário.

Pelos textos, o tenentismo, ora produto da classe média, ora um “sujeito histórico distinto”, (novamente uma instituição transformada em ator político) permanece uma figura histórica indefinida até hoje. Indecifrável, à primeira vista, pelo fato de terem alimentado, fornecendo quadros, tanto à esquerda quando à direita reacionária.

A outra questão fundamental que permanece em discussão até hoje é a do caráter da sociedade brasileira naquele período: feudal; capitalista ou ambas? Uma outra seria a idéia de que a burguesia nacional tinha interesses nacionais. A revolução de 1964 provou bem que a burguesia nacional pensa estrategicamente como burguesia. Eventualmente se apresenta, em termos táticos, ao longo da história, como nacional ou internacional. Essa é a grande lição.


BIBLIOGRAFIA

CAPELATO, Maria Helena. “Estado Novo: novas histórias”. In: FREITAS, Marcos (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo, Contexto, 1998.

DE DECCA, Edgard. “A dissolução da memória histórica”. In: 1930: O silencio dos vencidos. São Paulo, Brasiliense, 1980.

FAUSTO, Boris. “Prefácio à edição de 1997”. In: Revolução de 30. História e historiografia. São Paulo, Brasiliense, 1979.

GOMES, Ângela de Castro. “O redescobrimento do Brasil”. In: A invenção do trabalhismo. IUPERJ?Vértice, 1988.

LENHARO, Alcir. “A pátria como família”. In: A sacralização da política. Campinas, Ed. Unicamp/Papirus, 1987.

LEVINE, Robert. “Introdução”. In: O regime Vargas: os anos críticos 1934/1938. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980.

SANTOS, Wanderley Guilherme. “Matizes do pensamento autoritário” In: Ordem burguesa e liberalismo político. São Paulo, Duas Cidades, 1978.

SILVA, Zélia Lopes da. “A Domesticação dos Trabalhadores nos anos 30”. Marco Zero, São Paulo, 1991.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Guerra Civil Espanhola: O papel da Galícia e galegos no conflito e no regime franquista

Francisco Franco e Hitler: uma aliança das mais terríveis.
Professor Eduardo Melander Filho

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Guerra Civil Espanhola é tema extremamente amplo e de vasta bibliografia. Muito se tem estudado a respeito e, provavelmente, muito ainda se estudará. É um assunto empolgante, seja pelas paixões políticas que envolvem ainda hoje sua interpretação, seja porque ainda as vozes que falam do conflito são, na maioria das vezes, a do vencedor.

Quando escutamos falar sobre a Galícia e os galegos então, as vozes são do preconceito baseado num discurso naturalizante. Temos urgência de uma leitura mais comprometida, senão com a neutralidade, com uma postura crítica e privada de misticismo sobre o assunto.

Os antecedentes da Guerra Civil remontam há séculos atrás, particularmente focados no século XIX, quando se desenvolveram as lutas entre liberais e os absolutistas refletidas nas disputas entre isabelistas e carlistas, ambas correntes oriundas da mesma rama Bourbon.

O conflito entre republicanos e a direita monarquista apoiada por uma Igreja de estrutura medieval, contra reformas sociais e a favor das elites agrárias, foi uma continuação encarniçada onde se confrontaram as grandes contradições seculares, tendo como pano de fundo as disputas pela posse das áreas de rapinagem do capital, condição essa necessária para o estabelecimento deste sistema baseado na exploração do homem pelo homem.

Nas páginas adiante, tentaremos escrever um pouco sobre essas questões. Particularmente, insistimos que a Guerra Civil Espanhola não foi a guerra da Galícia reacionária contra a Catalúnia revolucionária, por suposto, mas em última análise, a luta do trabalhador oprimido contra seu opressor. Foi uma luta de classes.

A II REPÚBLICA

A vitória dos republicanos e socialistas nas eleições municipais de 1931 fez com que Alfonso XIII abdicasse do trono por receio de uma guerra civil. Assumiu, em seguida, um governo provisório sob a presidência de Alcala Zamora com Azana como ministro da guerra. O cardeal Segura, autoridade religiosa mais importante da Espanha, abandonou o país logo após a proclamação da “liberdade religiosa”.

As eleições gerais realizadas em junho do mesmo ano foram vencidas por uma coalizão de republicanos de esquerda e socialistas. A Assembléia Constituinte que se instaurou no mesmo mês tomou importantes deliberações, dentre as quais: separação da Igreja e Estado; fim da Cia. de Jesus e a proibição do ensino pelas ordens religiosas. Não obstante, a Confederação Nacional dos Trabalhadores, central sindical controlada pelos anarco-sindicalistas, decretou a greve dos telefônicos. Os anarquistas começaram também a incendiar igrejas, sendo os piores inimigos do clero reacionário de então.

O projeto de Constituição ficou pronto em agosto e tinha como características principais: a definição da Espanha como República Democrática, laica, descentralizada, com câmara única; a participação nas eleições pela forma do sufrágio eleitoral. O artigo 3º garantia a separação da Igreja e Estado e o artigo 26º proibia as ordens religiosas de exercer o comércio, indústria e ensino. Alcala Zamora pediu demissão no mês de outubro, em conseqüência dos debates em torno do artigo 26º.

A nova Constituição foi aprovada em dezembro pelas Cortes. Novo governo também tomou posse, com Alcala Zamora como presidente do país e Manoel Azana como presidente do conselho de ministros, numa coalizão de socialistas e republicanos liberais. Os anarquistas, como sempre, ficaram à margem do processo eleitoral. Foi registrado o choque entre a Guarda Civil e os camponeses.

Novas leis laicas são decretadas em janeiro de 1932: divórcio; secularização dos cemitérios e expulsão dos jesuítas. Note-se que os cemitérios foram secularizados na França ainda na primeira metade do século XIX, assim como os registros civis e o ensino. Novamente aconteceu o choque entre a Guarda Civil e os trabalhadores na cidade de Arnedo.
O general Santurjo, chefe supremo da Guarda Civil, tentou dar um golpe de Estado em Sevilha no mês de agosto, sendo derrotado graças a uma greve geral que foi decretada em oposição à intentona.

No mês seguinte foi aprovado o Estatuto da Catalúnia, com a garantia da autonomia lingüística e administrativa, paridade do castelhano e catalão, controle compartilhado do ensino e controle local dos governos municipais, obras e ordem públicas. Foi aprovada também a lei de bases da reforma agrária, onde se garantia a desapropriação sem indenização das terras de senhorio e da Grandeza de Espanha. A reforma agrária, juntamente com as leis contra a Igreja, foram os principais motivos que geraram a guerra civil de 1936, mesmo que a reforma tenha sido barrada a partir de 1933, com a vitória da direita.

Após a matança de anarquistas em Casas Viejas no mês de janeiro de 1933, foram realizadas eleições municipais em abril, com os republicanos obtendo maioria e com significativo avanço da direita.

As eleições gerais de novembro foram vencidas pela direita. Uma das causas dessa vitória foi a não participação dos anarquistas, que chamaram a “greve pelo voto”, abrindo espaço dessa maneira ao avanço fascista. Lerroux do Partido Radical formou governo com apoio da CEDA de Gil Robles, da Renovação Espanhola, dos monarquistas de Calvo Sotelo e da Comunhão Tradicionalista. No mês anterior havia sido fundada a Falange por Primo de Rivera, antigo ditador que caiu juntamente com a monarquia em 1931. Como primeira medida, o novo governo suspendeu a reforma agrária.

O ano de 1934 começou com a CNT convocando uma greve geral em Zaragoça no mês de março, cidade essa que era sede da Federação Anarquista Internacional. Novo governo foi formado em abril em conseqüência da reação causada pela anistia concedida aos militares golpistas de 1932, tendo o general Santurjo como cabeça. Samper assumiu a presidência do Conselho de ministros.

Nova greve geral de camponeses foi convocada no mês de junho pela União Geral dos Trabalhadores (comunista) e CNT. Houve grande repressão, com a deportação de camponeses e detenção de deputados.

O governo Samper caiu no mês de outubro logo após Gil Robles exigir participação. O novo governo formado por Lerroux convocou três elementos da CEDA para compor o ministério. A reação republicana foi imediata. Socialistas chamaram a greve geral e Companys declarou a independência da Catalúnia, naquilo que ficou conhecido como “Revolução de Outubro”. A greve foi dominada em praticamente todo o território espanhol, a não ser em Astúrias, onde os anarquistas instauraram “Sovietes” por vários dias, controlando a região. A repressão foi violentíssima, empregando tropas do exército e da Legião Estrangeira.

Lerroux formou outro governo em março de 1935, com Gil Robles como Ministro da Guerra.

As cortes foram dissolvidas em janeiro de 1936 em função da crise instaurada a partir da demissão de Lerroux em outubro do ano anterior. Eleições gerais realizadas em fevereiro deram vitória à Frente Popular, uma coalizão antifascista formada por partidos de centro-esquerda e esquerda. Azana assumiu como presidente do Conselho de ministros. Importante papel exerceu os anarquistas nessas eleições, que decidiram votar na Frente Popular na esperança de barrar a direita e conseguir anistia para os seus militantes prisioneiros desde a Revolução de Outubro. O novo governo não só concedeu anistia a 30.000 revolucionários, como também retomou a reforma agrária e restabeleceu o “status” catalão.

Azana foi eleito Presidente da República em maio, chamando Casares Quiroga para formar novo governo.

No dia 18/07/1936 aconteceu o golpe de Estado contra os republicanos, com o levante da guarnição da cidade de Melila na África, após os assassinatos do tenente José Castillo da Guarda de Assalto e de Calvo Sotelo.


GUERRA CIVIL

A rebelião dos militares de extrema direita na Espanha deu resultado imediato praticamente nas áreas onde a direita ganhou as últimas eleições de 1936. As milícias armadas formadas por socialistas, comunistas e, principalmente, anarquistas, garantiram pela força os territórios onde a Frente Popular venceu. No geral, a direita venceu em regiões de economia agrária e atrasada e a esquerda venceu nas regiões mais industrializadas, onde havia um operariado organizado.

Logo no início, os focos de concentração nacionalista foram: Marrocos; Canárias; Baleares; o oeste da Espanha, incluindo a Galícia; Andaluzia; Sevilha; Cádis; Granada; Córdoba. Os focos iniciais de resistência republicana foram: Madri; Barcelona; Múrcia; Astúrias; Cantábria; País Basco e Catalúnia.
Posição das tropas em setembro de 1936
OPERAÇÕES MILITARES

Após a rebelião da guarnição de Melila, as tropas de Franco nas Canárias e de Gudeb nas Baleares aderiram ao movimento. Em seguida, Franco tomou o comando do exército do Marrocos. No continente europeu, Queipo de Llano dominou a situação em Sevilha. A rebelião teve sucesso também nas cidades de Pamplona, Oviedo e Zaragoça. Nesse mesmo mês de julho Giral formou um governo de “concentração nacional”.

Tropas marroquinas da Legião Estrangeira cruzaram o estreito de Gibraltar em agosto, sob o comando de Franco, após bombardeio da Marinha republicana por aviões alemães. O general Yague tomou Mérida, se dirigindo em seguida à Badajós, em confluência com tropas que vinham do sul. Caindo essa cidade, toda Extremadura foi ocupada pelos nacionais, unindo as tropas de norte e sul que se encontravam isolada uma da outra, formando fronteira com a totalidade de Portugal.

No mês seguinte, a Junta de Burgos nomeou Franco chefe de todas as forças nacionais revoltosas, depois da morte do General Santurjo num acidente aéreo, quando se transladava de Portugal. Mola, seguindo desde Navarra, tomou Irun. Caíram também San Sebastian, Toledo e Talavera de La Reina.

Os republicanos criaram o Exército Popular em outubro, iniciando a militarização das milícias, embora com resistência dos anarquistas. Começaram a chegar nesse período os primeiros quadros russos e as primeiras armas. Primeira linha de defesa de Madri sofreu rompimento, sendo ocupada a Cidade Universitária pelas tropas nacionais. O governo autorizou também a criação das Brigadas Internacionais.


BATALHA DE MADRI

Representantes da CNT anarquista entraram no governo Largo Caballero em novembro de 1936, que se transferiu à Valência pelo motivo da capital do país se encontrar ameaçada pelas tropas dos nacionais. Depois de formada uma “Junta de Defesa de Madri”, a ofensiva que sofria a cidade foi contida. Iniciou-se então a ofensiva de Jarana, onde tropas de voluntários italianos tomaram parte. Málaga foi tomada pelos italianos em fevereiro de 1937. As Brigadas Internacionais formadas por voluntários estrangeiros destruíram em março uma divisão blindada italiana em Guadalajara, aliviando o cerco de Madri.
As milícias armadas
OFENSIVA AO NORTE

Ao norte, tropas de italianos e nacionais penetraram em Vizcaya no mês de março, com a Legião Condor, formada por aviões bombardeiros Stukas cedidos juntamente com seus pilotos pela Alemanha Nazista, bombardeando Guernica e Durango em abril.

O governo Largo Caballero foi substituído em maio por outro comandado por Juan Negrin, que buscou apoio no Partido Comunista Espanhol e na URSS, que forneceu ajuda significativa, embora de pequena monta e insuficiente. Ao mesmo tempo, estourou uma pequena “guerra civil” entre as forças republicanas em Barcelona, motivada pela tentativa do governo em substituir as milícias por tropas regulares controladas por quadros comunistas. Tropas do governo e militantes comunistas enfrentaram em combate as milícias anarquistas e trotskistas. A repressão subseqüente foi violenta, principalmente por parte dos comunistas. Grande quantidade de milicianos foram fusilados, principalmente os militantes trotskistas do Partido Operário Unificado Marxista, o POUM, acusados injustamente de serem um braço do fascismo. A repressão foi uma extensão do que acontecia na própria URSS, onde ocorriam os “Grandes Processos” contra membros do partido. Lá, a cúpula da “oposição de esquerda” já havia sido executada em 1936. O próprio Trotsky seria assassinado no México em 1940 a mando de Stalin.

A fim de barrar o avanço dos nacionais, os republicanos iniciaram em julho a Ofensiva de Brunete e em agosto a Ofensiva de Belchite, usando como estratégia o uso de forças regulares em combates convencionais, desprezando a utilização dos guerrilheiros anarquistas, tendo como conseqüência grande perda de equipamentos e homens. Na verdade o que estava em jogo no lado republicano eram duas concepções estratégicas: ganhar primeiramente a guerra e fazer depois a revolução ou fazer a guerra combinada com a revolução. Obviamente o governo da Frente Popular não estava interessado numa revolução, mas sim numa reforma, no máximo. Os próprios partidos comunistas, seguindo a orientação do VII Congresso da Internacional Comunista – III Internacional – realizado em 1935, tinham como linha de atuação a aliança com partidos liberais em frentes populares a fim de combater o avanço fascista e nazista. O binômio “reforma” ou “revolução” foi um dos grandes causadores da derrota republicana.
Posição das tropas em outubro de 1937
Bilbao caiu em junho, Santander em agosto e Gijón em outubro, desaparecendo assim a Frente Norte, agora ocupada pelos nacionais. O governo se transladou à Barcelona em outubro. A ofensiva de Teruel pelos nacionais teve início em dezembro, tendo como objetivo cortar em dois a Espanha mediterrânea, isolando a Catalunia do resto do país.

Teruel caiu em fevereiro de 1938, juntamente com Viñaroz. Ainda nesse mês, o general Yague dos nacionais conquistou Lérida e outras tropas chegaram ao Mediterrâneo, isolando a Catalúnia. Castellón caiu no mês de junho em conseqüência da Ofensiva Nacional do Levante.


CONQUISTA DA CATALÚNIA

Os republicanos iniciaram em julho de 1938 a Ofensiva do Ebro. Sete divisões atravessaram o rio do mesmo nome, atacando as forças dos nacionais. As Brigadas Internacionais foram dissolvidas em setembro, numa tentativa sem resultado de atrair o apoio da França e da Inglaterra. Seus integrantes foram enviados para a França e alocados em campos de concentração. Muitos deles foram posteriormente enviados para a morte depois da ocupação alemã, principalmente os de origem germânica ou dos países ocupados. Não devemos nos esquecer que o contingente de comunistas alemães foi, depois do francês, o maior a compor as Brigadas.

A Ofensiva do Ebro terminou em novembro com a retirada republicana, depois de cerca de 70.000 baixas.
Posição das tropas em novembro de 1938
Os nacionais então iniciaram a Ofensiva Nacional da Catalúnia em dezembro, caindo Tarragona logo em seguida. Barcelona caiu janeiro de 1939 juntamente com Réus. Toda a Catalúnia caiu em fevereiro.

No dia 1 de abril de 1939 terminou a guerra. Antes, numa tentativa frustrada conseguir negociação com os nacionais, o Cel. Casado deu um golpe de Estado em Madri, sem resultados conseqüentes. As últimas cidades que se renderam aos nacionais foram Madri, Valência, Alicante e Múrcia.

A Guerra Civil espanhola foi, num certo sentido, um teatro de ensaio para a II Guerra Mundial que já despontava na Europa. O confronto envolveu, de um lado, comunistas, anarquistas, trotskistas, o governo liberal-democrático e os nacionalistas do País Basco, Catalúnia e Galícia, e de outro, monarquistas, falangistas, a extrema direita militar e a Igreja Católica. Os republicanos receberam apoio da URSS e de militantes de todo o mundo que compuseram as Brigadas Internacionais. Os nacionais receberam ajuda da Alemanha Nazista, da Itália fascista, de Portugal de Salazar que mandou a Legião Viriato, dos Camisas Azuis da Irlanda e o apoio de Pio XI.


O PAPEL DA GALÍCIA

O historiador John Patrick Thompson levanta algumas questões sobre a participação da Galícia na Guerra Civil. Basicamente são duas as que nos interessam.

A primeira é sobre o papel da Galícia e do possível alinhamento com os nacionais de Franco, refletido até recentemente pelo mandato prolongado de Manuel Fraga Iribarne, notório franquista que sempre se alardeou dessa condição, que foi eleito pelo voto popular como Presidente da Xunta de Galícia entre 1990 e 2005. Manuel Fraga escreveu o epílogo do livro “La mentira histórica” (1994), que nega o Holocausto e o genocídio da Espanha nas Américas.

A segunda é sobre a exumação de valas onde foram enterrados as vítimas do regime e os efeitos na memória coletiva causados por esses descobrimentos recentes. Nesse sentido, a Constituição de 1978 selou um “Pacto de Esquecimento”.

É paradoxal que a Galícia tenha exercido papel fundamental na defesa da democracia durante a II República e, logo em seguida, jogado também papel fundamental na vitória de Franco. Eminentes figuras políticas eram nascidas na Galícia: Castelao, um dos fundadores do Partido Galeguista e o principal idealizador do Estatuto de Autonomia; Santiago Casares Quiroga, membro da Izquierda Republicana; Portela Valladares, membro do centrismo; Calvo Sotelo, da Renovação Espanhola e o próprio Franco, que era de Ferrol.

A Galícia caiu nos cinco primeiros dias do levante nacional. Considerada “despensa y criadero”, forneceu comida e soldados às tropas falangistas. No entanto, durante o regime franquista, teve 5.000 dos seus assassinados pelos adidos do regime. Pelo fato de não ter havido batalhas em seu território, tornou-se praticamente invisível. A Galícia foi uma verdadeira ratoeira pelo seu isolamento geopolítico. Não havia lugar para onde se fugir, pois todos os limites do território davam para o mar, para a retaguarda dos nacionais ou para Portugal de Salazar, aliado de Franco.

A vitória imediata dos nacionais em território Galego e a repressão subseqüente deixaram cicatrizes profundas até hoje na memória coletiva e nas atitudes que tem o galego hoje na política, muito tendente à direita representada pelo Partido Popular, nicho passado e presente do antigo regime.

O estigma secular da Galícia como passiva e domável virou esteriótipo alimentado pelo franquismo, pecha existente até os dias presentes. M. Marino teve a audácia de dizer que:

“um dos maiores méritos da Galícia foi a naturalidade com que somou ao movimento”.

Essa percepção se mantém hoje ainda na memória coletiva. No entanto, a Frente Popular ganhou as eleições em 1936 na Galícia e dois terços dos votantes optaram pelo Estatuto da Autonomia, um mês antes do levante dos nacionais.

A população, principalmente a rural, ainda tem medo de falar sobre a guerra ou de denunciar os crimes passados.

Porém, essa situação começa a se dissipar após 30 anos de “democracia” baseada num “Pacto de Esquecimento” garantido pela Constituição de 1978. Esse “espírito de conciliação” se traduz na seguinte frase publicada por um periódico da Galícia:

“El espíritu de reconciliación y concordia, y de respeto al pluralismo y a la
defensa pacífica de todas las ideas, que guió la Transición, nos permitió
dotarnos de una Constitución, la de 1978, que tradujo jurídicamente esa
voluntad de reencuentro de los españoles articulando un Estado social y
democrático de derecho con clara vocación integradora”.

Essa situação começou a mudar a partir da promulgação da Lei de Memória Histórica e do descobrimento de valas onde foram enterrados os assassinados pelo regime franquista, durante e depois da Guerra Civil. Estimam-se em 30.000 os corpos ainda não identificados.

Por outro lado, O PSOE só recentemente demonstrou interesse nessa questão. Desnecessário dizer que o PP não foi e nem tem sido nada receptivo no assunto. Jornais como El Pais e La Voz de Galícia têm dado cobertura aos eventos. Os jornais de direita, no entanto, como ABC, El Mundo e El Correo Gallego, quase nada tem publicado a respeito.

O pacto do esquecimento se traduz numa verdadeira “amnésia histórica” e foi desenhado para suprimir a memória da guerra e dos crimes do regime. A esquerda ao aceitar a igualdade de culpa pelos acontecimentos durante a guerra, admitiu a co-responsabilidade por ela, ficando implícito o esquecimento também da II República. Por isso mesmo o papel democrático exercido pela Galícia durante aquele período, através da Izquierda Republicana e do Partido Galeguista, também caíram no esquecimento.

Devemos também destacar o papel importante que a guerrilha teve na resistência ao regime que se instaurou após o término da Guerra Civil. Idêntico destaque à resistência política clandestina dentro e fora do país, em especial à figura carismática de Castelao e Boveda.
Guerrilheiros da Galícia e Leon
A GUERRILHA GALEGA

A guerrilha foi uma das formas de resistência utilizada para combater o regime. Sabemos que ela passou a existir desde o início da Guerra Civil. A partir de 1940, quando havia alta repressão com fuzilamentos e “passeios”, ela aparece mais claramente de forma sempre crescente até 1956. Depois dessa data, começa a decrescer de intensidade.

Documentos acusam a criação da “Federación de Guerrillas de Leon-Galicia” em 1946, quando o guerrilheiro anarquista Abelardo Gutiérrez Alba se juntou a Xosé Castro Veiga, o famoso Piloto.

Guerrilheiros famosos construíram a mítica de toda essa época: Loucelas, fuzilado em 1951; Piloto, morto em 1965 e Curuxas, morto em 1967 no último episódio da guerrilha.

Mais de 10.000 pessoas foram presas ou mortas em episódios relacionados com a guerrilha na Galícia, muitos pelo método do passeio noturno, fuzilamento e enterro em valas comuns clandestinas. No total, somando passeios, execuções por Conselhos de Guerra, fuzilamentos sumários de prisioneiros de guerra e confrontos com a guerrilha, causaram 197.000 mortes na Galícia e mais 200.000 fugitivos exilados no exterior. Existiram vários campos de concentração onde os prisioneiros trabalhavam em regime de escravidão: Lubián; Barvacolla em Santiago de Compostela e Ilha de São Simão em Vigo.

Diferentemente de outras regiões, na Galícia são encontrados poucos corpos nas valas localizadas, numa média de cinco por local, enquanto que em outras regiões chegam a 40. Há também grande dispersão de locais de enterramento, que ficam distantes entre si.

Os mortos durante a Guerra Civil na Espanha ultrapassaram os 400.000. Os mortos durante o regime de Franco no país ultrapassaram os 2.000.000.
Estátua de Alexandre Boveda
ALEXANDRE BOVEDA IGLESIAS E ALFONSO DANIEL RODRIGUES CASTELAO

Alexandre Boveda nasceu em 07/06/1903 em Ourense e faleceu em 17/08/36 em Monte de Caiera.

Intelectual e funcionário público de carreira por diversos concursos públicos foi também deputado pelo Partido Galeguista.

“Motor do Partido Galeguista”, segundo palavras do próprio Castelao, foi fuzilado logo nos primeiros dias da rebelião, após ser julgado por um Conselho de Guerra inimigo. É um dos heróis da Galícia atual, juntamente com Castelao.
Castelao
Alfonso Castelao nasceu em 30/01/1886 em Rianxo e morreu em 27/01/1950 em Bos Aires (Buenos Aires da Argentina).

Considerado o pai do nacionalismo galego, foi médico, caricaturista, escritor, desenhista, pintor, teórico da arte, político e novelista.

Morou na Argentina entre 1895 e 1900.

Foi eleito deputado na II República em 1931, como Galeguista independente. Nesse mesmo ano, participou ativamente da constituição do Partido Galeguista.

Candidato novamente pela Frente Popular foi eleito deputado em 1936, quando apresentou o Estatuto de Autonomia da Galícia, aprovado em plebiscito. A rebelião estourou quando estava em Madri entregando os Estatutos aprovados às Cortes. Organizou então as Milícias Galegas juntamente com o Partido Comunista da Espanha. Transferiu-se juntamente com o governo da Republica para Valência e depois Barcelona.

Realizou uma viagem em 1938 para a URSS e outra para New York, quando organizou a Frente Popular Antifascista Galega. Radicou-se em seguida em Bos Aires.

Após o final da II Guerra Mundial, se transladou para Paris, onde assumiu a pasta de Ministro Sem Carteira do governo Republicano Espanhol no exílio, entre 1946 e 1947.

Castelao é um mito ainda hoje e o cidadão mais ilustre da Galícia recente. Adotou a definição de Stalin de nação, segundo a qual:

“Nación é unha comunidade estáble, historicamente formada de idioma, de território, de vida econômica e de hábitos psicolóxicos reflexados nunha comunidade de cultura. Somentes a eisistência de tódolos signos distintivos, em conxunto, pode formar a nación”.


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