quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Escavações Arqueológicas num Sambaqui Fluvial - Parte IV





























Para aumentar o tamanho das imagens, clique sobre elas.
A porcentagem que se estabelece para os níveis 20 – 30 cm e 30 – 40 cm, 53%, é reveladora, pois tanto numa quanto noutra, pouca variação ocorre no gráfico de representação. Por outro lado, reveladora também é a porcentagem dos níveis 40 – 50 cm e 50 – 70 cm. Enquanto que, nas primeiras, a quantidade de ossos e fragmentos é mais que 50%, nas segundas, a quantidade de ossos normais é maior.
É possível aqui se concluir que houve queima no local, provavelmente por fogueira, pois a amostra estatística é contundente.
Igualmente, percebemos que a quantidade de lascas, algumas provavelmente produto de sucessivas reutilizações de líticos, que se encontraram no nível 20 – 30 cm é muito grande. Com exceção de uma lasca de sílex encontrada no nível 10 – 20 cm, talvez até integrante da mesma leva e nos limites dos níveis, e de outra de basalto encontrada no nível 70 – 80 cm, além de oito lascas não numeradas (por serem pequenas demais) encontradas no nível 40 – 50 cm, todas as outras nove lascas numeradas e seis não numeradas foram encontradas nesse nível. Por essa razão, acreditamos que essa concentração se deve a alguma atividade de lascamento por debitagem que foi desenvolvida diretamente no local e cercanias. Porém, pode se tratar sim de material coluvial, além de não ser nada fácil a verificação da hipótese, pois pode haver grande concentração de lascas nas cercanias e também por colúvio.



FOTO- Lasca produzida por debitagem.

O último nível da sucessão, para efeito de mera classificação, é constituído por entulho decorrente da abertura da pequena estrada que passa ao largo do Sambaqui, inclusive cortando parte dele. Os três líticos – raspador no machado, raspador em seixo lascado e lasca de sílex -, podem ter sido encontrados na superfície limite entre os níveis. Contudo, a tafonomia do terreno indica que provavelmente os materiais foram depositados por transferência. Foi também no nível 10 - 20 cm que foi encontrado fragmentos de uma concha marinha, outra indicação de contato desse povo com o mar.



FOTO- Caracol marinho de espécie não identificada.

Antes de avançar no segundo tema passível de hipóteses, é importante colocarmos que partimos da hipótese de que o contexto que se situou entre os níveis 40 cm e 70 cm, foi um contexto preservado, com pouquíssima contaminação por processos tafonômicos. Assim sendo, quando fizermos uma comparação entre a arqueofauna ali encontrada com a encontrada em outros níveis, estaremos procurando algumas regularidades ou diferenças expressas nas diferentes porcentagens que aparecem nas respectivas contagens, mesmo que estes outros níveis apresentem algum grau de contaminação. Através dessas regularidades ou rupturas, poderemos ou não sugerir novas hipóteses.
Uma outra consideração se faz necessária. As escavações, no começo, foram efetuadas em toda a quadricula D-34. Mais ou menos a partir do nível 20 cm, continuamos escavando somente a metade leste da quadrícula. A partir do nível, mais ou menos, 55 cm, seguimos escavando apenas o quarto sudeste da quadrícula. Isso criou uma situação insólita, no sentido de se fazer uma contabilização do material recolhido nos vários níveis. No entanto, conforme veremos, isso pouco afetará nas estatísticas, pois o volume resultante da decapagem do nível 40 – 50 cm, é o mesmo do nível 50 – 70 cm (por serem dois níveis em conjunto), não afetando nos encaminhamentos dos objetivos desse pequeno estudo.
Devemos também colocar que a quantidade de arqueofauna coletada, por se tratar da periferia do Sambaqui, em oposição às zonas centrais, é pequena. Não obstante, cremos na suficiência dessa amostragem, mesmo que ínfima.
Partindo da dúvida que se estabelece quanto ao consumo da carne do Megalobulimus como alimento pelos sambaquieiros fluviais, pois não temos vestígios consistentes de tal consumo como furos indicativos de extração de carne ou sinais de queima, dúvida que pode ser esclarecida através de estudos de composição química dos ossos resgatados dos sepultamentos, vamos considerar apenas os dados fornecidos pelo inventário da arqueofauna encontrada.
Tal comparação, que a princípio pode não ter significado, pois quantidade de ossos não significa necessariamente quantidade de alimento, visa, repetimos, procurar alguma regularidade porcentual. Já sabemos de antemão que, provavelmente, a maioria das refeições, rituais ou como oferendas, se constituíam de carne de mamíferos.
Mas mesmo essa totalização de mamíferos pode ser complicada, pois grande parte dos ossos encontrados, enquanto unidades, foram classificados como “fragmentos de ossos não identificados”. Em função disso, procuramos saber se havia alguma regularidade entre a proporcionalidade desses ossos em relação ao total de ossos de mamíferos em seus diversos níveis. Obtivemos o seguinte resultado:
- Nível 00 – 10 cm = 69%
- Nível 10 – 20 cm = 58%
- Nível 20 – 30 cm = 61%
- Nível 30 – 40 cm = 83%
- Nível 40 – 50 cm = 52%
- Nível 50 – 70 cm = 57%
- Nível 70 – 80 cm = 00%

Como se vê, independente dos processos de contexto que porventura tenham ocorrido nos respectivos níveis, há uma regularidade na proporção de fragmentos de ossos não identificados em relação ao total de ossos de mamíferos nos níveis respectivos, com exceção do nível 70 – 80 cm, que não apresentou ossos fragmentados e 94% de ossos normais em relação da categoria de queima, por isso mesmo, pois ossos queimados são mais fáceis de se fragmentar, e o nível 30 – 40 cm, cuja arqueofauna se localizava sob outro nível cujo registro arqueológico detectou queima contínua, segundo nossa interpretação, por isso mesmo, aí sim, fragmentados.
Mas, mesmo que desconsiderássemos todos os fragmentos de ossos não identificados, o total de ossos de mamíferos, em todos os níveis, sempre totalizou mais que o dobro da de outras classes de animais.
Para efeito de estatística percentual, desprezamos os répteis e os invertebrados marinhos, pois os primeiros referem-se a quatro ossos de cabeça de Jacaré encontrados no nível 50 – 70 cm, provavelmente ossos representantes de um único espécime, e um maxilar de Teiú, encontrado no nível 10 – 20 cm, e os segundos referem-se a um Caracol marinho e uma pata de Siri, com dúvidas se utilizados como alimento.
.
.
Eduardo Melander Filho
.
.
.
.
2006








Nenhum comentário: