quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Escavações Arqueológicas num Sambaqui Fluvial - Parte III






















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FOTO: Perfil estratigráfico da quadrícula D-34
3- A ARQUEOLOGIA DE SAMBAQUIS

3.1- A QUADRÍCULA D-34

Partindo de uma reflexão inicial sobre os trabalhos de escavação, laboratório e o registro dos dados estratigráficos no perfil, podemos, grosso modo, adotar algumas constatações.
Primeiramente, em relação ao perfil do quarto SE da quadrícula D-34, numa leitura geral, percebemos que:

- A camada do concheiro começa no nível 40 cm, na parte nordeste da metade leste, segundo observações durante a escavação, registradas também através de foto;
- No quarto SE, a camada de concheiro vai se inclinando no sentido sudoeste, onde atinge uma profundidade máxima de 75/80 cm, numa espessura que passa dos 20 cm na face norte do quarto para cerca de 5 cm na profundidade máxima, se estreitando cada vez mais conforme corre nessa direção;
- Os primeiros 20 cm são constituídos de aterro, cuja origem se remete à abertura da pequena estrada lateral, que passa rente à quadrícula D-34;
- Há um seixo incrustado na parede sul do quarto SE, mais ou menos no nível 30 - 40 cm, que juntamente com outros líticos encontrados no mesmo nível, foi devidamente registrado, permanecendo como testemunha de um possível processo tafonômico;
- A camada de terra preta, vai do nível 20 cm ao 40 cm, quando se encontra com o concheiro, acompanhando-o conforme sua inclinação até o nível 75 cm;
- Entre os níveis 80 cm e 90 cm, há uma camada estéril de argila;
- Não há camada de areia configurada como paleopraia, o que acontece nas regiões mais centrais do Sambaqui.

Em segundo lugar, no tocante aos registros efetuados durante a escavação, pudemos observar a dois aspectos importantes:

- A presença de carvão entre os níveis 20 cm e 40 cm;
- Uma concentração de líticos mais ou menos no nível 30 - 40 cm.

Terceiro, como produto das observações realizadas durante os trabalhos de classificação do material recolhido em laboratório, consideramos de relevância que:

- Grande parte das lascas pequenas se encontrava concentrada no nível 20 – 30 cm;
- Os grandes líticos aparecem entre os níveis 0 e 20 cm, assim como no nível 30 - 40 cm;
- Os vestígios de arqueofauna grande aparecem somente nos níveis 40 – 50 cm e 70 – 80 cm;
- Os artefatos aparecem somente do nível 40 cm para baixo.

Por último, numa rápida observação, a contabilização da arqueofauna nos indica que:

- Existe uma quantidade desproporcional de arqueofauna entre os níveis 40 cm e 70 cm;
- Há uma alta quantidade de fragmentos de ossos não identificados.

A partir deste quadro, abraçando a hipótese de que o Sambaqui do Moraes é um centro de atividades rituais ligadas aos sepultamentos, vamos também formular duas pequenas hipóteses iniciais. A primeira se refere às atividades que foram desenvolvidas naquele espaço periférico durante os vários períodos e os processos de construção e constituição daquela porção de terreno. Propomos então, a seguinte sucessão:

1- A camada referente ao nível 70 – 80 cm é estável e seus vestígios se ligam a atividades em torno de sepultamento (s) não muito próximo (s) do local;
2- As camadas que vão do nível 40 cm ao 70 cm, referem-se a um período de atividades mais intensas, provavelmente ligadas aos rituais filiados ao sepultamento encontrado entre as quadrículas E- 33 e E-34 e outros próximos, se constituindo numa camada estável e com pouca ou nenhuma contaminação coluvial;
3- Os líticos que apareceram no nível 30 - 40 cm é material de colúvio, produto de rolamento pela inclinação do terreno;
4- A camada que vai do nível 20 cm ao 40 cm, constitui-se, grande maioria, de material de colúvio, sendo que, no entanto, houve, nas mesmas camadas, atividades de combustão proposital e de lascamento;
5- Os líticos encontrados entre as camadas 0 e 20 cm foram trazidos de outro lugar, durante as escavações da pequena estrada.

A segunda hipótese que nos atrevemos a propor, refere-se à alimentação daquele povo. Abraçamos a proposta de que eram caçadores e que o consumo de carne era preferencialmente de mamíferos. Falaremos disso mais adiante. No momento, começamos com a primeira hipótese.
Antes de tudo, é importante colocarmos que, por se tratar da extrema periferia do sítio, provavelmente nenhuma camada estratigráfica se apresenta completamente imune de material de

colúvio. O que estamos tentando dizer aqui é que, entre os níveis 40 cm e 80 cm, houve uma grande estabilidade, com pouca contaminação. Assim, o que está em jogo é se houve o desenvolvimento de atividades ligadas ao sepultamento ao lado e se os vestígios podem mostrar isso. Nesse sentido, a pouca contaminação é um indicador positivo.
A quantidade de arqueofauna encontrada nessa camada, provavelmente associada a restos de alimentos oferecidos aos mortos e ou consumidos em companhia dos mortos, atingiu proporções que nunca mais seriam atingidas. A presença de grandes ossos e fragmentos de ossos de grandes mamíferos, muito embora apareçam nos níveis 40 – 50 cm e 70 – 80 cm, são um indicativo de oferendas de grandes nacos de carne aos mortos. Não devemos nos esquecer que toda essa camada, de 40 cm a mais ou menos 70 cm, faz parte de um mesmo período, em que as deposições se dão por cima do concheiro, que se inclina de 40 cm a 75 cm, no sentido SO. Assim, quando encontramos grandes ossos em níveis tão díspares, estamos, na verdade, falando de uma mesma camada, na prática.
A presença de artefatos feitos em ossos, não encontrados em outros níveis, vem reforçar nossa hipótese de grandes atividades desenvolvidas no período de ocupação referente. Inclusive, a garra de Siri que foi encontrada no nível 50 – 70, não se sabe se resto de alimentação ou de outra utilização, indica também o contato desses homens com o litoral.
Propomos, por estas razões, que houve uma estabilidade decorrente do aumento da intensidade de utilização do espaço. No entanto, nossa hipótese não se baseia no aumento de ocupação do espaço do Sambaqui, mas sim no espaço da D-34, em função de rituais ligados a sepultamentos próximos, notadamente o da E-33/34. Tal hipótese pode ser testada através de comparação com outras quadrículas nas cercanias de outros sepultamentos, nas mesmas camadas, estabelecendo um padrão ou não. Nossa preocupação aqui é a de fazer, no momento, uma tentativa de estudo de fenômenos que se referem à D-34, mais exatamente.
Finalmente, por estar esta camada na base do sítio, representando o início das atividades humanas ali desenvolvidas, por isso mesmo, é menos susceptível aos processos tafonômicos que alterariam sua integridade inicial muito profundamente.
Mais acima dessa camada, no nível 30 – 40 cm, nos limites do nível 40 – 50 cm, aparecem alguns seixos e líticos, de maneira contígua, que, segundo nossa hipótese, se acumularam na D-34 por rolamento de encosta, por colúvio. O fenômeno preenche quatro condições para que ele pudesse ser reconhecido como tal.
A primeira condição é a existência de um terreno inclinado. Obviamente, pelos detalhes apresentados, pelo que sugere também o perfil e pelo fato da quadrícula D-34 estar localizada na periferia do sítio, esse é um terreno propício a tal acontecimento.



FOTO- Deslizamento em leque – nível 30 – 40 cm – Da esquerda para a direita (as pedras em linha) – 1- Mo 1682 – NP-2392 – Z = 364 cm – 2- descartada – Z = 367 cm – 3- Mo 1679 – NP- 2388 – Z = 368 cm – 4- Mo 1681 – NP- 2391 – Z = 371 cm – seguindo inclinação no sentido sudoeste.

A segunda condição é que as pedras, ou material, se acomodem em relação a essa inclinação de maneira também inclinada, seguindo o curso. No nosso caso isso também acontece. A primeira rocha possuía Z = 364 cm e a última, no sentido da inclinação abaixo, Z = 375 cm.
Não menos importante é a abertura em leque que a rolagem deve fazer no sentido da inclinação abaixo. Também esse quesito corresponde ao evento, conforme se pode verificar em registro fotográfico, feito em campo.
Por último, a forma das pedras. Elas devem ter o formato arredondado para que se permita a “rolagem ladeira abaixo”. Todas as pedras eram arredondadas, tipificando enfim o fenômeno que queríamos retratar.
Associado, encontramos processo semelhante, mais do que isso, provavelmente parte de um mesmo evento, na quadrícula E-35, onde no mesmo nível, apareceram pedras em disposição semelhante.



FOTO- Lítico recolhido em contexto decorrente de processo coluvial.

O processo que se dá na camada que se encontrava entre os níveis 20 cm e 40 cm é diferente. Muito provavelmente boa parte do material recolhido nessa faixa de nível pode ser coluvial. Apesar da ausência de estruturas de queima ou resquícios dela, pois não encontramos pedras queimadas ou pedaços de carvão de bom tamanho (encontramos um bom espécime no nível 40 – 50 cm, que seria uma boa amostra para exames antracológicos), acreditamos que houve queima produzida no local. A ausência pedaços maiores de carvão ou madeira pode ser explicada por processos tafonômicos, causados por chuva, colúvio, etc...
Para testar essa hipótese, vamos comparar o grau de queima de ossos com os outros níveis, pois sabemos que ossos são queimados se jogados na fogueira ou se elas forem feitas em cima dos ossos. Sabemos que a maior concentração de carvão se deu no nível 20 – 30 cm. Portanto ossos de arqueofauna desse nível, assim como do nível 30 – 40 cm, devem apresentar um grau de queima maior que os recolhidos em níveis que não apresentam sinais de fogueira.
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Eduardo Melander Filho
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2006









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