quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O "SE" NA HISTÓRIA

Universidade de São Paulo: Campus da capital


Professor Melander

Foi Platão quem primeiro professou a ideia, conforme os ideais socráticos, de que vencer a sabedoria pela ignorância e a essência pela aparência, utilizando uma retórica comprometida como “ganhar uma discussão a qualquer custo”, é sofisma, diminutivo pejorativo de “sophoi” (sabedoria), em oposição aos propósitos vinculados à busca incessante da verdade.
Os sofistas, dessa maneira, estariam mais propensos primeiramente à persuasão e por último à verdade. Em última análise, os sofismas ou falácias são tapeações bem montadas e destinadas a consecuções de práticas demagógicas.
Aristóteles, posteriormente, montou um esquema de prevenção, onde desenvolveu uma classificação tipológica dos sofismas conhecidos na época. Nela ele descreveu treze falácias ou argumentos falaciosos, dentre as quais o “contrafáccio” ou “hipótese contrária ao fato”, que é um argumento do tipo “se Judas não tivesse traído, Jesus teria sido crucificado?”.
Quando pensamos em História, pensamos imediatamente no passado, em fatos que aconteceram. Pensar, pois, em possibilidades outras de acontecimentos que poderiam surgir como alternativa contestatória aos fatos reais, seria no mínimo de temeridade certa, pois a matéria prima do historiador é a dos acontecimentos do passado e não dos possíveis acontecimentos que nunca se realizaram.
Para um historiador positivista, que pensa numa História descritiva e não interpretativa, a simples ideia da possibilidade de existir acontecimentos históricos não registrados em documentos deve ser considerada heresia.
Já para um historiador que pensa numa explicação teológica da História, o contrafáccio seria aceitável, pois, segundo ele, a História não seria mais do que uma ilustração dos desígnios divinos, uma alegoria em que os homens seriam apenas atores de Deus, que provariam através dos acontecimentos a pequenez humana e a Sua grandeza perante a trama formada por Ele mesmo. Aos que professam essa História baseada num “didatismo moral divino” é necessário se mostrar a todo o momento a ideia do contrário. Deus luta constantemente contra as forças opostas: as dos príncipes angelicais traidores. São eles mandados por “Lúcifer” ou “Mefistófeles dos gregos”, que “dá ordens a setenta e oito príncipes, que comandam seiscentas e sessenta e seis Legiões formadas cada uma delas por seis mil, seiscentos e sessenta e seis anjos caídos ou demoníacos”. A possibilidade de acontecimentos paliativos ou alternativos está a todo momento em colocação disponível, mesmo que, inexoravelmente, Ele, com seus vaticínios deíficos, sempre Se impôs, Se impõe e Se imporá perante a História, pois Ele era, é e será.
A princípio, os maiores adversários da hipótese contrária ao fato deveriam ser os historiadores marxistas, pois acreditamos que a História é uma ciência cujas experiências não se realizam em laboratório, mas sim nos próprios acontecimentos passados (a História é seu próprio laboratório). Assim, o processo histórico é definido como objeto de estudo, onde o coletivo se sobrepõe ao individual, a infra-estrutura à superestrutura, o econômico à sociedade. As realizações efetivas e concretas, portanto, seriam os parâmetros de uma análise marxista da História, o que implicaria numa noção analítica aplicável sobre os “acontecimentos reais” e não sobre os “hipotéticos”. Apesar disso, alguns historiadores marxistas, como é o nosso caso, consideramos aceitável a utilização do contrafáccio enquanto “indagação”, como algo presente na própria elaboração construtiva das ciências, mas não enquanto “imposição metodológica”.

FONTE:

MELANDER FILHO, Eduardo. O “Se” na História. Gazeta de Interlagos, São Paulo, 14 ago 2009 a 27 ago 2009. História, p. 2.

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