quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Padre André João Antonil e os Senhores de Engenho: Uma reflexão sobre sua obra "Cultura e Opulência do Brasil".


Padre André João Antonil e os Senhores de Engenho: Uma reflexão sobre sua obra "Cultura e Opulência do Brasil".




No século IV a.C., Xenofonte escreveu o tratado “Oikonomikos”, baseado em tradições Socráticas. Tratava-se de um diálogo filosófico com o intuito de estabelecer regras sobre a “arte de bem governar a casa”. Nesse tratado existe uma série de orientações de como o homem livre deve administrar a sua propriedade, se relacionar com os escravos e servos, com a esposa, com os filhos, etc... Aliás, o termo grego oikonomikos dá origem à palavra atual “economia”.
Essa “arte de bem governar” foi, basicamente, durante a Idade Média, o padrão ideológico predominante no qual a Igreja se inspirava. Reproduzia o modelo do texto, tanto na construção formal dos seus documentos, quanto em termos éticos de como deveria ser o comportamento do Senhor Feudal em relação aos seus servos, familiares, vassalos e suseranos.
Antonil, ao que nos parece, seguiu essa tradição na construção formal do seu escrito (a obra em questão). A maneira de se escrever conforme os “antigos”, fazia parte da tradição à que nos referimos. Os Lusíadas tem o mesmo corpo de construção “poético” da Odisséia. Da mesma forma, Antonil tratava os Senhores de Engenho, de acordo com essa tradição, reconstruindo realidades da época a partir de linhas de construção de pensamento e métodos baseados na antiguidade Grega, como sendo pessoas de cabedal e com capacidade de dirigir. Sugeriu os comportamentos “nobres” que eles deveriam manter com a sua família, iguais (homens livres), escravos, etc...
Essa visão, perfeitamente encaixada na ordem Estamental da Idade Média, refletia a necessidade, segundo o que percebemos na obra do autor, de regulamentar uma situação existente, ou seja, o enquadramento dos Senhores de Engenho dentro do SISTEMA VIGENTE, tornando-os passíveis da conquista da dignidade de um verdadeiro “FIDALGO”.
O ponto de vista de Antonil era, possivelmente, o mesmo que na época tinham os Senhores de Engenho. Primeiro, pela notória influência cultural da Igreja, particularmente dos Jesuítas, na formação da Sociedade e até das instituições do período. Segundo, pela própria condição de serem, praticamente, os únicos letrados da época, condição essa que lhes dava o monopólio da produção da ideologia dominante.
De qualquer forma, os Senhores de engenho não tinham uma vocação “capitalista” na acepção da palavra. Vinham para o Brasil com a perspectiva pessoal de enriquecimento rápido “nesta terra de mil oportunidades” e com o intuito de reforçar ou conquistar um título de nobreza. Ou seja, o objetivo era o de acomodarem-se dentro do ESTAMENTO SOCIAL DOMINANTE.
A própria origem social deles era incerta. Sabemos que, originalmente, muitos Fidalgos despossuidos vieram para o Brasil. Na época de Antonil, muitos Jesuitas eram proprietários de Engenhos, o que revela um interesse Mercantil por parte dos mesmos. E, também, cristãos novos. Indícios dessa rama são latentes. Até hoje, grandes famílias nordestinas pertencentes à oligarquia “terratenente” nacional, tem sobrenomes tais como: Carvalho, Silva, Cajazeira, Oliveira, etc... A adoção desses sobrenomes era uma prática compulsória, pois anteriormente ao século XV, servos e artesãos foram obrigados a vincular ao seu nome o status profissional ou servil camponês (Ferreira, Trigo), sendo, muitas vezes, obrigados a acrescentar também o nome do seu local de origem profissional (sua jurisdição Feudal). Aos Judeus, e mesmo aos Cristãos Novos, deslocados dessa ordem por não estarem incluídos oficialmente num compromisso hereditário servil ou corporativo, restava a adoção de “apelidos alternativos” (em Portugal, adotavaram nomes de plantas ou árvores). Isso não aconteceu apenas em Portugal, mas em toda a Europa. Na Alemanha, por exemplo, Reismann (plantador de arroz) era o servo ligado à gleba da terra de origem hereditária e Reisman (com um “n” a menos), é de origem judaica, sem relação nenhuma de vínculo feudal.
A ausência de um substrato social relevante e predominante na formação da “classe dos Senhores de Engenho” (não se entenda “classe” como classe imbuída num Sistema Capitalista), levava, necessariamente, a uma perspectiva mais integrada com a opção ESTAMENTAL.
O discurso de Antonil era diferente do de Antônio Vieira. O primeiro, segundo várias biografias do autor, era contra os Cristãos Novos e a favor da escravidão indígena. Vieira, ao contrário, complicou-se com a Inquisição de Portugal por defender os Cristãos Novos e a não escravização indígena. Na verdade eram duas perspectivas diferentes perante uma realidade nova à ordem FEUDAL, mas ambas, no sentido de mantê-la. A de Antonil caminhava num sentido de integrar os homens de sangue puro (Cristãos Velhos) ao “stato quo”. Em relação aos índios, considerando o aumento de preço dos escravos negros em função de crises internas e externas que se apresentavam no contexto da época (Guerra de Sucessão Espanhola, descobrimento das “Minas Geraes”, fuga de escravos, Quilombo de Palmares, etc...), apoiava o “Aldeamento” sob tutela civil (a querela dos Paulistas caçadores de índios), o que significava escravidão indígena, na prática. Vieira, como podemos notar em seus famosos sermões, da época, defendia o resgate da antiga ordem, com a suposição de que todos os que eram daqui, nativos (indígenas), nascidos (crioulos) ou vindos (o que incluía os Cristãos Novos), eram passíveis de conversão à disciplina da “Ordem de Deus”. Nesse sentido, Antonil se aproximava muito mais da nova ordem ligada ao MERCANTILISMO, embora, contraditoriamente, abraçasse as orientações anti-semitas da Inquisição. Propunha a defesa dos interesses dos Senhores de Engenho, tentando amenizar a rígida disciplina religiosa que impunha um trato menos severo a ser dado aos escravos e a obrigatoriedade de descanso dos mesmos nos feriados e festas religiosas.
Por fim, a obra de Antonil projeta, através de suas críticas e observações, a organização da produção açucareira dirigida rumo à “EFICIÊNCIA”, não num sentido de um aumento de produtividade que apontasse rumo ao CAPITALISMO propriamente dito, mas sim em direção à uma maior lucratividade baseada na redução de perdas no aproveitamento da matéria prima e na redução de custos conseqüente.
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Eduardo Melander Filho
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1999

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