quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O Cortiço: Uma metáfora bem atual.


O CORTIÇO: Uma metáfora bem atual.


“O cortiço”, romance de Aloísio Azevedo, foi publicado em 1890. Nele ou autor trata da “saga” de João Romão, português inescrupuloso, que juntando dinheiro com muito sacrifício, compra um estabelecimento comercial no bairro de Botafogo na cidade do Rio de Janeiro. Amasiando-se com Bertoleza, uma escrava fugida possuidora de algumas economias e de uma quitanda, João Romão a transforma em seu “burro de carga”, apropriando-se de todas suas posses. Com o dinheiro de Bertoleza, João Romão compra algumas terras e constroe algumas casinhas para aluguel. O negócio se expande e em pouco tempo o terreno enche-se de “cubículos”, imediatamente alugados por causa da grande procura de habitações. Para contentar Bertoleza, seu amásio lhe providencia uma carta de alforria falsa, perpetuando assim o ciclo de exploração. No terreno vizinho vem morar Miranda, outro português, mas de classe elevada, que não se dá com João Romão e não vê com bons olhos aquele cortiço apinhado de brancos, pretos, mulatos, lavadeiras, malandros, vadios, assassinos, etc.. Vários tipos residem no cortiço: a Machona, lavadeira gritalhona, com muitos filhos de pais diferentes; Alexandre, o mulato pernóstico; Pombinha, a mocinha que é desencaminhada pelas más companhias; Rita Baiana, mulata faceira que é amigada com Firmo, o malandro valentão; Jerônimo e sua mulher; e outros. João Romão compra uma pedreira que lhe dá muito dinheiro. No cortiço há muitas festas, destacando-se nelas Rita Baiana como dançarina e mulher sensual e provocante, o que causa ciúmes em Firmo, que acaba brigando com Jerônimo por esse motivo. Após abater o rival a golpes de capoeira e navalha mandando-o para o hospital, Firmo foge para outro cortiço que os inquilinos de João Romão chamam de “Cabeça de Gato”, sendo chamados em retribuição de “Carapicus”. Saindo do hospital, Jerônimo prepara uma emboscada, matando a pauladas ao Firmo, fugindo com Rita Baiana e abandonando sua mulher. Em vingança, os moradores do “Cabeça de gato” invadem o local dos “Carapicus” travando enorme briga e causando um incêndio no cortiço. João Romão, agora com muito dinheiro, reconstrói o cortiço dando-lhe nova feição. A fim de realizar o antigo sonho de casar-se com uma mulher de “fina educação”, João Romão aproxima-se de Zulmira, filha de Miranda, através da intermediação de Botelho, um velho parasita que recebe vinte mil contos de réis pela realização do serviço. Armando um plano para livrar-se de Bertoleza, João Romão entra em contato com os antigos donos da escrava, denunciando seu paradeiro. Quando a polícia chega, Bertoleza suicida-se com a mesma faca que estava limpando peixes para a refeição de João Romão .
Para entendermos a obra é necessário entendermos o autor. Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo, caricaturista, jornalista, romancista e diplomata, nasceu em São Luis do Maranhão em 1857 e faleceu em Buenos Aires, Argentina, em 1913. É o fundador da Cadeira número quatro da Academia Brasileira de Letras.
Filho do vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo e de Dona Emília Amália Pinto de Magalhães, Aluísio carrega o estigma de ser fruto de uma união ilegítima, pois sua mãe havia casado anteriormente com um rico e ríspido comerciante português aos dezessete anos, abandonando-o por causa de brutalidades sofridas. Essa condição influenciou sem dúvidas na escolha das temáticas de seus livros e na caracterização dos seus personagens.
Haveria alguma semelhança entre o primeiro marido da mãe e João Romão?
Aluísio embarcou para o Rio de Janeiro em 1876, matriculando-se na Imperial Academia de Belas Artes, hoje Escola Nacional de Belas Artes. Para manter-se, fazia caricaturas para os jornais da época, como o Fígaro, O Mesquetrefe, Zig-Zag e A Semana Ilustrada. Sua habilidade o ajudaria mais adiante na construção dos seus personagens, que, de uma forma ou outra, são caricaturizados. De volta a São Luis, publica em 1879 o romance “Uma Lágrima de Mulher”. Ajuda também a lançar o jornal anticlerical “O Pensador” que defendia a abolição da escravatura. Em 1881 lança o romance “O Mulato” que tratava da questão do preconceito racial, livro que fez grande sucesso, reconduzindo-o à Corte no Rio de Janeiro. Nessa nova fase, Aluísio passou a publicar seus romances em folhetins de jornais da época, que a princípio, eram obras menores. Posteriormente, surgiu uma nova preocupação: a observação e análise dos agrupamentos humanos, a degradação das casas de pensão e sua exploração pelos imigrantes, principalmente o português. Dessa preocupação é que surgiriam duas de suas melhores obras: “Casa de Pensão” (1884) e ‘O Cortiço” (1890). De 1882 a 1895 escreveu romances, contos e crônicas, e também peças de teatro em colaboração com Artur de Azevedo e Emílio Rouède. A partir de 1895 abraçou a carreira diplomática, viajando por muitos países até o seu falecimento na Argentina, aos cinquenta e seis anos de idade.
Suas obras são: “Uma Lágrima de Mulher” (1880); “O Mulato” (1881); “Mistério da Tijuca” (1882), reeditado como “Girândola de Amores”; “Memórias de Um Condenado” (1882), reeditado como “A Condessa Vésper”; “Casa de Pensão” (1884); “Filomena Borges” (1884); “O Homem” (1887); “O Coruja” (1890); “O Cortiço” (1890); “Demônios” (1895); “A Mortalha de Alzira” 1894); “Livro de Uma Sogra” (1895) .
A visão de mundo que o autor possui é a visão de mundo das elites do seu tempo. Em “O Cortiço”, Aluísio caracteriza seus personagens como primários, reduzindo-os ao grotesto e mesmo ao animalesco. O cortiço é algo como que uma aberração que gira em torno do português João Romão, de seu crescimento e de sua ganância. Seus moradores vivem nos limites da legalidade, da moral, da sociedade, da decência, da humanidade enfim, à semelhança e imagem de seu proprietário, este sim o verdadeiro sujeito histórico e autoridade de fato pela sua condição de possuidor do local. O autor obviamente é influenciado pelas idéias naturalistas da época, como o darwinismo e o determinismo: a raça e o meio determinam os indivíduos e os grupamentos sociais. Pressupõe-se dentro desses parâmetros, um projeto autoritário de construção da nação.
Duas versões cinematográficas da obra em questão foram produzidas, pelo que temos notícia. A primeira versão foi produzida em 1946 por Lulu Barros e não tivemos acesso à produção. A segunda, produzida por Edgard de Castro sob o selo da Embrafilmes – Argos futuro do Brasil, foi editada em 1977. Participam do elenco de atores, grandes nomes das artes cênicas nacional , hoje conhecidos mais como “atores globais” de novelas, tais como: Betty Faria, Mário Gomes, Armando Bogus, Beatriz Segall, Ítala Nandi, Maurício do Valle, entre outros. É essa versão que nos interessa sob o ponto de vista de análise.
A edição em vídeo aparece num momento histórico bem delimitado. É um momento de definições políticas, tanto por parte da ditadura e os governistas de direita, quanto por parte da esquerda jogada na clandestinidade e a oposição legal partidária de centro ou, no máximo, centro-esquerda. O ano de 1977 é o ano de acirramento do movimento estudantil (invasão da PUC), das exigências de anistia, abertura política e livre organização dos trabalhadores. É o pré-momento de mobilizações que culminariam com a conquista de sindicatos importantes como o dos Bancários em São Paulo (1978), as greves dos metalúrgicos em São Paulo conduzida pela oposição (MOUMSP-1979), a greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo (1980) e a fundação do Partido dos Trabalhadores (1980).
Nesse contexto, os argumentos centrais da obra apontam na direção de um futuro incerto. É a metáfora do fim da escravidão com o fim da repressão, da proclamação da república com o fim da ditadura. Ao mesmo tempo, revela em proposta uma identidade social entre as épocas: o povo ausente de seus destinos, a mercê das decisões das elites e das reivindicações das futuras elites. É o alijamento eterno das populações marginais que “nunca, de fato, estiveram integradas permanentemente num processo produtivo e político decisório”.
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Eduardo Melander Filho
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Resumo da resenha crítica sobre "O Cortiço" de Aloísio Azevedo.
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2001

Um comentário:

Anônimo disse...

muito boa critica ^^


parabens melander


luiz (bar do pica pau)