sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Entrevista com Carlos Matus: uma resenha crítica.



Entrevista com Carlos Matus: uma resenha crítica.


Prólogo

Por simples curiosidade aguçada enveredamos no tema. Primeiramente por uma crítica que fizemos em relação a um vídeo que assistimos do Walter Barelli, no qual ele mostrava um fluxograma sobre a Educação e sua problemática, baseado inicialmente numa pesquisa quantitativa. Em parte estávamos corretos, pois o método PES é fundamentalmente qualitativo e na nossa opinião uma pesquisa probabilística não se aplica como alavanca de um planejamento. Aliás, o resultado do fluxograma ficou óbvio demais: a população não dá o devido peso à Educação (um dos nós críticos). Depois, pela defesa velada que o Prof. Dr. Moacyr Gadotti fez daquela argumentação, apresentando a todos a sugestão, para quem o quisesse, de se faver um trabalho sobre o livro "Entrevista com Carlos Matus: O método PES", de Franco Huertas. Aceitamos essa tarefa no ato, pelo desafio implícito.
Propriamente somos todos de origens distintas e com trajetórias distintas de vida. Essas origens e trajetórias, ou seja, nossa história particular de vida e nossa inserção na história universal (dizendo em termos Hegelianos), é o que nos define no momento. Procuramos e sim um caminho para o futuro sem a negação do nosso passado. Esse passado se constitui de tradições de luta, constituídas durante os tempos em que vivemos. Acreditávamos e ainda acreditamos numa sociedade igualitária, socialista, livre na acepção da palavra e sem classes sociais. Mas grandes questões ainda estão para serem respondidas: Reforma ou revolução? Centralismo democrático (não burocrático) ou descentralização? Via pacífica ou pelo enfrentamento? Atuar somente na legalidade ou também legitimamente na ilegalidade? Optar pela institucionalidade ou também por outras formas e contra a institucionalidade?
Em suma, essas questões são questões de fundo estratégico. Abrir mão de alguma das táticas é abrir mão de movimentos precisos. Pessoalmente consideramos que o revolucionário deve atuar em todas a frentes possíveis sem abdicar de nenhuma. A única coisa que não abrimos mão de fato é da revolução em favor da reforma.
Aí está o ponto crítico. A diferença entre reforma e revolução não é uma diferença tática, mas estratégica.
Nesse sentido o entrevistado se coloca num campo eminentemente reformista e delimitado ao institucional. Apesar disso, a proposta do Planejamento Estratégico Situacional de Matus nos impressionou profundamente. Institucionalmente pode ser uma ferramenta poderosa de democratização e em rumo à eficácia e, por que não, eficiência (cremos mesmo que o PNE foi parcialemente elaborado a partir dessas premissas). E, por tratar-se de um instrumental, são válidas as tentativas de reestruturação, baseadas nessa proposta, de partidos progressistas (sic), no sentido de combater a forte tendência à burocratização daqueles que se definem como ‘partido de massas’.
“Entrevista com Carlos Matus” é um livro que vale a pena de ser lido.

O método PES

“Eles não sabem que não sabem”. É assim que Matus começa a classificar uma das duas resistências ao PES. A primeira é a resistência ativa. A segunda, a citada, a da “segunda ignorância”, a passividade.
O autor desenvolve o Planejamento Estratégico Situacional, a partir de uma crítica ao sistema tradicional de planejamento, deplorando o determinismo das “leis de mercado”, porém, não renegando o mercado como algo positivo em si.
Segundo ele, um planejamento precede e preside a ação para criar o futuro. Não para predizê-lo, mas para preveni-lo. Assim, abre-se uma aposta estratégica em cima de possibilidades futuras, e não sobre um destino imutável. “Agir como se fosse ocorrer, ocorrerá”.
Matus delimita bem a história como um campo de possibilidades e não como algo predeterminado por leis imutáveis e mensuráveis. Da mesma maneira, assim como não se pode prever o futuro pela incerteza do que ocorrerá, pode-se prever na vastidão da potencialidade da incerteza das coisas, de que tudo é possível e passível de planejamento alternativo. “O que nos surpreendem nas surpresas é o momento em que ocorrem”. Basta uma vez para se apreender com os erros, pois ele é suficiente para se estabelecer um método. Nesse sentido, as improvisações nas emergências são margeadas pela nulidade.
Em continuação, Matus considera o planejamento como uma ferramenta de liberdade. Ou seja, apresenta-se ao homem as alternativas de criar pelas possibilidades ou resignar-se com a passividade do destino.
Classificando as abordagens que hoje os decisores (de Estado, Empresas, etc.) dão sobre vários tipos de planejamentos que existem e que se mesclam umas com as outras, Matus sugere três enfoques:
1 - O planejamento tradicional que é baseado no determinismo positivista e que se utiliza da estatística e da econometria (não economia na acepção da palavra) como guias, ignorando a política;
2 - O planejamento estratégico corporativo que se utiliza de diversos ductos, que embora oitenta por cento seja baseado no determinismo, há mais diferenças do que semelhanças entre esse e o anterior;
3 - A futorologia, a prospectiva e a análise de grande estratégia, que pensa num planejamento de longo prazo levando em consideração a solidariedade (positiva ou negativa) e o atores políticos presentes no processo.

Numa tentativa de comparação entre o planejamento estratégico tradicional e o PES, poderíamos dizer que enquanto o tradicional utiliza-se do diagnóstico de verdade única, da teoria econômica determinista positivista, da visão de um único ator (Estado, empresa, etc.) e tenta explicar a realidade, o PES utiliza-se da análise situacional (várias verdades), da consideração de todos os aspectos da vida humana, da visão de vários atores e procura o significado das diferenças entre as explicações. No planejamento tradicional apenas um explica. No PES há a determinação de quem explica, verificando-se as explicações diferentes de cada ator, diferenciando-as dentro de uma mesma realidade, considerando que existem respostas diferentes a perguntas diferentes (assimetria das explicações).
Estabelece-se assim no PES, um primeiro caminho: diagnóstico (pesquisa) – situação – plano (processamento). Para problemas atuais, um planejamento reativo. Para os potenciais, um planejamento proativo.
Matus projeta o PES em quatro momentos distintos.
O primeiro momento é o Explicativo. É quando se estabelece o que “foi, é e o que tende a ser”. Nele relaciona-se os problemas, buscando-se suas causas. Utiliza-se, para isso, da construção de um fluxograma situacional que descreve e explica os problemas e seu fluxo de maneira vetorial (positivo ou negativo, direção em que afeta as regras, acumulações, fluxo e VDP ((vetor de descrição de um problema))). A divisão do fluxograma é a seguinte:
-produção social, onde se relacionam as várias dimensões da realidade (econômica, social, ideológica, etc.);
-acumulações sociais, que são os produtos e produtores de fatos sociais, onde se localizam os atores;
-regras básicas, que são acumulações sociais e que condicionam os limites de atuação no jogo, que podem estar sob controle ou não.

O segundo momento é o Normativo. É quando se estabelece “o que deve ser”. É onde se desenha o projeto capaz de mudar a realidade, capaz de transformar ou influir numa Situação Inicial para uma Situação Objetivo. É o projeto de transformação situacional.
O momento seguinte é o Estratégico. É onde se analisa a viabilidade de transformar o normativo em realidade. Analisam-se também questões tais como poder e capacidade.
Por fim, o último momento é o Tático-Operacional. É o momento, finalmente, das ações destinadas a operarem as mudanças.
Obviamente o PES é algo complexo e que deve ser conduzido tecnicamente por especialistas. No entanto, no cerne de sua proposta, está a aliança do político com o técnico. A aliança da teoria com a prática, ou praxis.
Na complexidade do PES, o autor trabalha em cima de vários conceitos: viabilidade; decisão; operação transitória; operação estável; operação (unidade básica de ação de um ator para mudar a realidade); OP (operação principal ao nó crítico); OK (operação de apoio a OP); nó crítico, processamento tecnopolítico (OP mais OK); motivação; ator; VCR (vetor de recursos críticos do jogo); VP (vetor de peso de um ator); viabilidade; decisão; operação transitória; operação estável; metaestratégia; tática; estratégia e acumulação de forças.
Sua visão de planejamento sofre forte influência militar. Em suas citações traduz Von Clausewitz, segundo o qual “tática é o uso da força em combate, e estratégia é o uso do combate para alcançar o objetivo da guerra”, com o que concorda o autor (pg. 72). Em outro trecho reproduz a palavras de Von Moltke: “não há plano que resista ao contato com o inimigo” (pg. 114). Contudo, Matus que se declara um adepto da descentralização, pensa de maneira diferente da organização de um exército prussiano. Define estratégia como uma cadeia de eventos táticos (OP), situando a eficácia tática no critério da eficácia estratégica, o que permite conceber a vitória do fraco sobre o forte. Concebe como meios estratégicos (recursos, poder, etc.) fatores tais como: imposição, persuação, negociação (cooperativa, conflitiva e mista), mediação, julgamento em tribunais, coação, confronto, dissuasão e guerra.

Considerações finais

A obra de Matus traduz um conhecimento sobre o tema magistral. A proposta do PES é na realidade uma das mais avançadas no campo do planejamento estratégico. Porém, nosso conhecimento sobre o tema é escasso, pois o último contato que tivemos com planejamento desse tipo (e tradicional) foi há mais de dez anos. Contudo, parafraseando o próprio Matus que diz: “Esse jovem inteligente, amestrado e ensinado a imitar, vai depois ao exterior e lá assimila, acriticamente, com excesso de respeito, tudo o que vem de um mundo que lhe parece superior, e submete-se a ele, entrega-se e renuncia às próprias raízes.” (pg. 63 – o grifo é nosso); nos arriscaremos a formular algumas pequenas críticas.
Carlos Matus é contundente na sua crítica ao determinismo positivista e à incapacidade dos governantes latino-americanos de utilizarem instrumentos de governo eficazmente. Aliás, declara mesmo que as estruturas de Estado estão falidas e que merecem uma reestruturação completa, no que o PES seria um instrumento importante. No entanto reconhece que a onda neoliberal de esvaziamento do Estado deixa esse com poucos recursos para investir nos serviços públicos em geral. Ora, a reorganização das forças produtivas desencadeada pelo “Consenso de Washington” e por essa mesma onda neoliberal consequente, propõe exatamente uma nova ordem baseada na administração eficaz da escassez de recursos. É uma contradição, pois o PES se encaixa exatamente nessa mesma orientação.
Essa mesma reorganização do trabalho adota métodos, entre os quais, de horizontalização do processo produtivo, eliminando assim o controle vertical do trabalho, que passa a ser controlado de maneira também horizontal, através da relação “produto/cliente”, formando um círculo interminável que se lança à sociedade como um todo, reproduzindo essa mesma relação. As unidades produtivas (produto/serviços) são constituída de grupos de trabalho “democráticos” (sic), cuja ideologia necessária é a de manutenção do grupo como produtivo: interdisciplinaridade, reciclagem constante, respeito às diferenças, tolerância, etc. Obviamente que essa forma de organização típica da empresa moderna tem a tendência de se reproduzir no aparelho de Estado e nas instituições, e daí, para o conjunto da sociedade. Esse tipo de proposta não é exatamente o que o PES se propõe a executar, inclusive no campo da própria Educação, reproduzindo assim na escola a forma de organização social da empresa moderna?
Matus também propõe a aplicação do PES em partidos políticos progressistas. Já demos nossa opinião no prólogo. No entanto, a experiência de partidos de “quadros” ainda não está enterrada. Basta notar organizações guerrilheiras de diversos matizes que proliferam e são várias. A opção definitiva por um partido de “massas” é uma opção definitiva pelo reformismo e pela institucionalidade. Nesse sentido, o PES é uma proposta com essas características.



Bibliografia utilizada:

HUERTA, Franco. Entrevista com Carlos Matus: O método PES. São Paulo: Fundap, 1996.

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Eduardo Melander Filho

Resenha

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2001






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