sábado, 14 de janeiro de 2012

A Era Vargas



Professor Eduardo Melander Filho

APRESENTAÇÃO

Procuramos trabalhar na temática “Era Vargas” porque lá estão as principais questões do Brasil contemporâneo, cujas respostas elucidariam até às do presente.

Neste escrito, selecionamos alguns textos de diversos historiadores que discutem aspectos gerais do período: desde os antecedentes da Revolução de 1930 até o final do Estado Novo em 1945. São interpretações consagradas dentro da historiografia.

O professor Boris Fausto, de quem fomos aluno entre 1976 e 1978, já na época era bem conhecido por suas posições conservadoras, embora reconhecido como um intelectual de esquerda. Ele nega a luta de classes no período em questão, na justificativa de que ela só poderia existir como agente histórico se houvesse alguma manifestação organizada. Ora, a “condição” histórica não pode estar submetida à “realização” histórica, até porque essa realização, caso se efetivasse, seria a própria revolução proletária. Aliás, segundo ele, nenhuma classe social estava organizada. Em suma, ele trabalha na idéia da “organização de classe” como passível de ser locomotora ou não da história e não da “luta de classes” em si como locomotora potencial ou efetiva.

Zélia Lopes da Silva contradiz esse pensamento: “Para Zélia, a bibliografia que vê a gestão da Nação como uma imposição do Estado à burguesia e aos trabalhadores, parte do entendimento de que a burguesia, tal qual o operariado, é pensada como frágil e desorganizada, incapaz de formular um projeto político, donde a gestão do Estado só pode ter ocorrido à revelia”.

Os textos, no conjunto, tratam de algumas questões que consideramos fundamentais em termos de discussão, mesmo que estejam respondidas mais ou menos por acontecimentos e articulações recentes, em termos históricos.

O primeiro desses temas tratados é a questão da nação sujeito ou objeto. Para nós é uma discussão, que embora distinta, não responde à questão básica que procuramos em termos de conceito histórico: o da luta de classes como locomotora da história e das transformações sociais. Portanto, a idéia de que o Estado ou a Nação possam ter uma identidade quase que “humana” e que, ao contrário de uma classe social, tenham dinâmicas próprias, independentes e determinantes no processo histórico como um todo, para nós é uma conclusão muitíssimo questionável.

O segundo tema recidivamente tratado é o do liberalismo versus autoritarismo político. É um tema recorrente que se baseia em afirmações de que o comunismo e o fascismo são “farinha do mesmo saco”, ou seja, regimes autoritários. Tirando Hannah Arendt, que tem uma interpretação própria do autoritarismo e que é dirigida ao fascismo, outras, em geral, partem de uma noção ideológica da realidade, segundo a qual os conflitos se dão ao nível político e não econômico. Nessa visão, que nega a luta de classes, a redução “democracia x autoritarismo” vem em oposição ao “capitalismo x socialismo”. São linguagens distintas.

O terceiro tema, que não iremos aprofundar, embora não esteja sequer no início da superação discursiva, é o tema do racismo enquanto ideologia arraigada em termos nacionais. No entanto, os autores dos textos apontam, de maneira bem clara, as relações entre o fascismo e o racismo. Juntamente a esse tema, as questões da inspiração do regime brasileiro no fascismo italiano, assim como a do papel da Igreja Católica no apoio ao Varguismo, sob influência da Concordata do Vaticano com o regime fascista de Mussolini em 1929, que preservou propriedades religiosas e a representação territorial em troca da não participação política de católicos e a desarticulação de partidos políticos e movimentos sociais ligados à Igreja, ficaram também evidentes.

Há um quarto tema muito abordado pelos autores, que é o conceito de nação (povo).

Enfim, nosso trabalho possui três partes: esta Apresentação; os Textos Referência e os Comentários Finais.

Obviamente, independente do tema, este é um trabalho comprometido com a nossa maneira de viver e com os ideais pelos quais temos vivido.

Os descaminhos de nossos pseudos dirigentes, alguns que se apresentaram como verdadeiros gigantes, mas que hoje se revelam em suas reais dimensões, anões que são, embora nos tirem parte da esperança num mundo futuro muitíssimo melhor, não nos condenam completamente ao esquecimento ou inatividade.

A história não se repete. Nem tampouco acabou ou acabará.

Aqueles que desejam repetir a história, naquilo que Marx escreveu em “O Dezoito de Brumário de Luiz Napoleão”, que façam e engulam sua farsa.

O problema maior é que no Brasil os acontecimentos vêm se transformando cada vez mais, assustadoramente, de farsa numa uma gigantesca tragédia histórica.

TEXTOS REFERÊNCIA

Boris Fausto em seu “Prefácio” de “Revolução de trinta” reafirma seus escritos originais de anos anteriores, não aceitando com isso as explicações baseadas na luta de classes enquanto locomotora da história. Para ele, nenhuma das classes tinha organização ou consciência de si o suficiente para dirigir qualquer revolução e, como conseqüência, que o Estado adviesse dessa. Tais explicações sobre a revolução de trinta baseadas no conceito de luta de classes revelam uma visão presa a um etapismo histórico (escravismo, feudalismo, capitalismo e socialismo) (o autor não cita o modo de produção asiático), visão essa com clara inspiração política marxista e que tenta explicar, dando suporte científico, a aliança entre burguesia nacional e a classe operária, cimentada pelo Estado, contra os latifundiários e imperialistas, responsáveis pela espoliação do país e a manutenção da estrutura agrária feudal ou semifeudal.

Sobre a interpretação de que a revolução de trinta refletia a ascensão da classe média urbana, hoje descartada segundo o autor, isso seria reduzir a mesma a uma expressão de classe de caráter empobrecedora em termos de interpretação. Tenentes são, acima de tudo, tenentes.

Critica também certa tradição da esquerda, por sua interpretação simplista, por atribuir que as revoluções contemporâneas na Europa devam passar também pelo Brasil, numa tentativa de enquadrar a revolução de trinta no modelo da revolução burguesa, conduzida por uma burguesia industrial ou classe média, ou ambas.

Sobre a perspectiva de uma corrente parlamentar organizada em representação do proletariado (Bloco Operário Camponês) e o desenlace negativo, para ele, o BOC, de uma conjuntura revolucionária que deixou aberto o caminho a uma classe dominante, diz que não havia conjuntura revolucionária (favorável à esquerda) e que o BOC era “minúsculo”.

A perspectiva do autor é a de que o Estado não é reflexo da sociedade e nem tampouco instituição sobreposta à sociedade.

Caracterizando a primeira República, ao longo do período as economias regionais se desenvolveram, havendo um grande surto migratório nas regiões centro-sul, desenvolvendo-se o fenômeno da urbanização. Em decorrência, cresceu a classe média urbana e surgiu um primeiro contingente da classe operária. Ao mesmo tempo, a expansão e especialização do setor agro-exportador demarcaram quem eram os produtores, os comerciantes do setor exportador e o setor financeiro. Em termos sócio-políticos, ganhou força a opinião pública da classe média urbana.

O entendimento das relações Estado/sociedade após 1930 passa necessariamente pelo entendimento, em primeiro lugar, da crise de 1929, que forçou o controle do câmbio e a destruição dos estoques de café, incentivando a centralização e concentração do poder do Estado e, em segundo lugar, de que o governo provisório teve de enfrentar várias dificuldades, descontentamentos regionais, revolta dos quadros inferiores, pressões dos tenentistas, a guerra paulista, etc. No entanto, esse processo político levou ao reforço do poder central e à reconstrução do Estado.

Citando Francisco Weffort e a implantação do “Estado de compromisso” após 1930, afirma que nenhum setor ou classe poderia construir sua hegemonia, dada a crise da burguesia cafeeira, fraqueza dos demais setores agrários e a dependência das classes médias. Foi um Estado em crise que se “forma e se reforma” em busca de resposta à crise agrária e à crise das instituições liberais.

A industrialização impulsionada pela crise beneficiada pela dificuldade sujeita às importações foi uma opção do governo em afirmar o setor industrial. Houve investimentos em infra-estrutura e em uma indústria básica por pressão não dos empresários industriais, mas de outros setores como a cúpula das forças armadas e os técnicos do governo. A ordem urbano-industrial foi implantada tendo como agente o “Estado” e não as “classes sociais”.

Edgar Salvadori de Decca, em “A dissolução da memória histórica”, observa caminhos interpretativos diferentes.

Aponta no sentido de destruir o discurso sobre a revolução de 1930, pois é um discurso do poder, e, portanto, no de construir um contra discurso que assuma a ótica e a dimensão simbólica de outra classe social, o proletariado.

Esse discurso do poder, que periodiza trinta como uma espécie de divisor de águas entre o antes e depois, é um discurso ideológico que visa justificar um período, qualificando o antes de uma república oligárquica e o depois de um “sujeito histórico” que caminha sobre seus próprios passos, a Nação. O antes, a ausência da Nação. O depois, seu despertar. O passado, o domínio das oligarquias. O presente, uma revolução sem data para acabar.

Diversos enfoques históricos são dados no sentido de justificar esse discurso de exercício de poder, como o estabelecimento de oposições entre Nação objeto x Nação sujeito, economia agro-exportadora x industrialização, mercado interno e inorganicidade das classes sociais x Estado criador das classes, liberalismo x autoritarismo. Em resumo, a revolução de 1930 seria a representação da idéia de construção da Nação sujeito.

Na verdade, em 1930 há o “ocultamento da luta de classes” e a origem disso tudo temos de buscar em 1928, quando realmente um processo de construção da revolução estava em curso e a prática política das “classes” a orientava para tal, inserindo-se na concepção de revolução democrático-burguesa.

Três observações o autor sugere na elucidação argumentativa da compreensão desse processo.
Em primeiro lugar, “o partido operário” representado pelo BOC, definiu a estratégia de sua luta política, determinando o “seu real” e o “dos outros”, numa orientação em rumo à “revolução democrático-burguesa”.

Em segundo, na análise que o autor desenvolve, esse movimento partiu da cidade de São Paulo, pelo fato da já existência de uma classe operária e da contradição capital x trabalho estar presente nessa cidade.

Por último, define 1928 como “data referência” e não 1930, porque nessa época todos os grupos se jogaram na perspectiva de uma revolução em cima de dois delineamentos básicos: a luta contra a oligarquia e a aceitação de Luis Carlos Prestes como seu líder máximo. Houve uma conjugação de forcas contra o PRP (Partido Republicano Paulista). Além disso, uma dessas forças políticas que trabalharam pela revolução, o BOC (Bloco Operário Camponês), braço parlamentar do PCB (Partido Comunista Brasileiro), na época PC do B (Seção brasileira da III Internacional ou Internacional Comunista), após ter firmado comitês em todas as partes do Brasil, em São Paulo atuou na organização sindical dos têxteis e batalhou em prol a leis sociais, juntamente com a luta parlamentar. A existência de uma “CIESP” forte também reforça essa relação histórica.

Três grupos políticos se articulavam num sentido revolucionário: o BOC, o PD (Partido Democrático) e os tenentes, que representavam os setores médios urbanos da sociedade.

Os tenentes são os revoltosos de 1922 e 1924, que integraram, após a última, a coluna Prestes, unida sob um programa genérico de combate às oligarquias. Tinham eles várias visões de revolução e o que os unia e os definia era exatamente as luta contra as oligarquias e a liderança de Prestes. Adquiriram “status” próprio no campo da revolução, passando de “tenentes” a “revolucionários”, esse seu novo estatuto que os definiu como “sujeito político”.

O Partido Democrático era formado por setores da classe dominante que se posicionavam favoravelmente à revolução, sem, contudo, assumí-la diretamente. No momento em que o tema da revolução entrou em polarização defendeu o mais geral da proposta, ou seja: uma revolução contra as oligarquias em aliança com os “revolucionários”, sob comando de Prestes. Na verdade jogava na indefinição e no sentido de ganhar tempo, pois necessitava de ampliar as bases partidárias em vista às eleições que se aproximavam. Daí a sua aproximação com os “revolucionários” e “operários” (BOC) que se sentiam próximos do PD. Para ele (o PD) o eixo da revolução não passaria de fato pela classe operária. Era como se ela estivesse fora da revolução. Para Prestes, ao contrário, necessariamente a revolução passaria pelo proletariado. O PD também liderou a campanha de anistia para os revolucionários (da Coluna Prestes) no sentido de trazer Prestes de volta para liderar a revolução.

Ambas as tendências, revolucionários e PD, queriam ganhar a classe operária para, em seguida, esvaziá-la de seu conteúdo.

O BOC se definiu como porta voz do proletariado, tentando, de um lado, isolar o movimento anarquista que era forte e de outro, lançar a classe na luta político-parlamentar, propondo a revolução democrático burguesa. Propôs a aliança entre os três blocos: BOC; PD e “revolucionários”. Defendeu propostas dos revolucionários através de Prestes e incentivou o PD para uma tomada mais decisiva de posição política.

A “revolução democrático-burguesa” foi adotada pelo BOC muito antes da realização do Congresso da Secção Sul Americana da Internacional Comunista, realizado em 1929. Em seu programa, o BOC assumiu a aliança entre o proletariado e a uma burguesia industrial, que pelo fato de ser “débil”, a burguesia, associou-se aos setores agrários e aos interesses imperialistas. Dessa maneira, foi eleita a luta contra o feudalismo e o imperialismo que barravam o desenvolvimento das forças produtivas. Em cumprimento dessa etapa histórica (a revolução democrático-burguesa), condição prévia para a futura revolução socialista (proletária), se abria mão da “luta de classes”. Segundo o BOC era necessária uma “aliança de classes” para a criação do Estado Nacional na etapa do imperialismo e o banimento da luta de classes se daria pela debilidade da burguesia nacional. A luta contra o imperialismo era uma prioridade maior do que a luta de classes.

Mesmo assim, a partir de 1928 o BOC, já reconhecido como porta voz do operariado, distanciou-se da proposta de revolução democrático-burguesa, pois ao realizar tarefas da burguesia, não desenvolveu a luta contra o capital. A atuação do PCB (o BOC era seu braço parlamentar) dentro dos sindicatos em defesa de direitos políticos e leis sociais, assim como participação e direção das greves de 1929 e a fundação da CGT (Confederação Geral do Trabalho) com mais de 60.000 filiados, mais a greve de setenta dias dos operários em São Paulo levaram os seus aliados, primeiro ao distanciamento, acusando os oligarcas de fazerem “vista grossa” ao perigo vermelho e depois, em unidade geral contra o proletariado, a se unificarem aglutinados na luta contra o “comunismo”.

Assim, o conjunto da sociedade, num primeiro momento, dividiu-se em relação à oligarquia, mas, num segundo momento, uniu-se para combater o comunismo.

Wanderley Guilherme dos Santos em “Matizes do pensamento autoritário” traça uma discussão mais engendrada no caráter ideológico dos sujeitos e agentes políticos da revolução de trinta, esquadrinhando as forças que atuaram na dita cuja revolução.

Os “liberais doutrinários” defendiam o legalismo no escopo do Estado liberal. Para eles a reforma político institucional se daria e se concretizaria através da formulação e concepção de “regras legais” (a transformação através da regulamentação). “Boas leis criam eficientes instituições”.

Os “tenentes” não possuíam matrizes políticas unificadas e faziam política de acordo com a lógica dos acontecimentos e das circunstâncias. Preencheram cargos políticos importantes. Ideologicamente queriam o fim da corrupção. Daí defendiam que a burocracia deveria deixar de ser um sistema de nomeações políticas, que levavam ao reforço do paternalismo e ao conformismo político. Em detrimento desse sistema, defendiam uma burocracia estabelecida por mérito (assim como nas forças armadas) e técnica, portanto, apolítica. Entendiam, também, que a descentralização não era um método desejável para impedir a corrupção. Não possuíam, segundo sua visão, os “meios liberais” para continuar seus “fins liberais”, em contraposição aos liberais doutrinários.

Todos os liberais, depois de 1945, viraram-se contra Vargas e as medidas trabalhistas, compondo a UDN (União Democrática Nacional). Segundo eles, a conseqüência da intervenção do Estado fora longe demais, criando corrupção maior do que antes de trinta, uma burocracia incompetente e contaminada pelo nepotismo, que atingiu as instituições como um todo. Pela explicação liberal, o período passado era baseado num sistema de privilégios concedido aos políticos corruptos que apoiavam o autoritarismo.

Os doutrinários, que antes de trinta defendiam reformas que seriam executadas por “meios liberais”, após quarenta e cinco avaliaram que Vargas, no período anterior, planejou, criou partidos e legou uma sociedade cuja interação propiciou somente aos políticos corruptos a possibilidade de vencer. Nesse sistema era impossível não “romper com os métodos legais”. Dessa maneira, a UDN, partido liberal por excelência, tornou-se o mais subversivo partido, que junto ao PL (partido libertador) e PRP (partido da representação popular) tentaram evitar que vários presidentes eleitos assumissem seu cargo entre 1945 e 1964. Em suma, a remoção de mecanismos que impediam a operação liberal era a meta dos doutrinários.

Havia também os “autoritários instrumentais”, que consideravam que os políticos requeriam algumas “habilidades especiais” e por isso teriam acesso privilegiado ao poder. Somente os melhores deveriam governar, conforme a literatura integralista dos anos trinta. Segundo Azevedo Amaral, numa explicação não naturalista, “o autoritarismo moderno brotou de determinadas condições históricas e não de uma estratificação política natural entre os homens”, numa explicação biológica para os fenômenos sociais, econômicos e políticos. O conflito social seria uma ameaça à sobrevivência da sociedade inteira se sua solução dependesse de agentes privados do Estado liberal. Como não haveria mais conflitos entre empresas familiares e pequenos grupos de trabalhadores, mas sim entre grandes corporações e grandes sindicatos, os sistemas autoritários, livres da necessidade de “consentimento” da população, seriam ágeis para enfrentar esses desafios de uma sociedade industrial e de massa.
Tanto os “biológicos” de Azevedo Amaral como os integralistas, acreditavam que o autoritarismo não era transitório devido a causas conjunturais, pois quanto mais a sociedade progredisse, mais necessários regimes autoritários a fim de administrar conflitos. Essa era a diferença entre esses e os autoritários instrumentais.

Diferentemente também dos liberais doutrinários e autoritários de outros tipos, os autoritários instrumentais trabalhavam com duas idéias chaves. A primeira era a formulação de que as sociedades não apresentam uma forma natural de desenvolvimento. Daí a inevitabilidade do Estado em se intrometer em assuntos da sociedade, para garantir metas de representação dessa sociedade e a legitimidade dele regular e administrar a vida social, o que os distinguia dos liberais. A segunda é a de que o exercício autoritário do poder era a maneira mais rápida para implantar uma sociedade liberal, quando logo após o autoritarismo deveria ser abolido. Era a idéia de que o Estado deveria fixar metas porque a sociedade não teria capacidade de fixá-las (tanto as elites como os liberais).

Em citação à Oliveira Viana, que avaliava o passado como uma história de um território amplo em que se estabeleceram clãs familiares, formando autarquias territoriais com economias isoladas e auto-suficientes, ou seja, clãs parentais sem comunicação entre si. Nessas condições a vida urbana não poderia se desenvolver. A dependência dos trabalhadores rurais dos proprietários de terras na época da separação de Portugal, exatamente quando os conservadores iniciaram a centralização imperial, nesse processo perderam os senhores de terra e ganharam os cidadãos, segundo o autor deste trecho. No entanto, a república não alterou o padrão básico de uma sociedade familística, oligárquica e autoritária e, nesse sentido, a intervenção do Estado não representava ameaça aos cidadãos, mas sim sua única esperança, num prelúdio justificativo ao que estaria acontecendo após trinta.

A tese era a de que o liberalismo político fornecia poder aos oligarcas em detrimento dos cidadãos. O liberalismo político seria inviável na ausência de uma sociedade liberal previamente estabelecida no Brasil, cuja efetiva edificação requeria um Estado forte o suficiente para romper com a sociedade familística, exigia também a transformação política da sociedade através de uma elite política nova (que surgiria “sabe-se lá de onde”) e de uma maciça conversão cultural.

Virgínio de Santa Rosa concordava com Oliveira Viana. Era favorável a um governo autoritário e centralizado. Considerava somente possível a implantação do liberalismo após prévias reformas sociais e econômicas. Mas também associava à sua agenda liberalizante a realização da reforma agrária, como condição básica para a efetivação dessa mesma agenda.

Esses analistas sabiam que criar uma sociedade liberal significava estimular relações de mercado, prover estruturas institucionais favoráveis ao desenvolvimento, destruir relações pré-mercantis na economia e relações sociais.

O Estado Novo de 1937 deu forma ao Estado forte dos autoritários instrumentais, mas nem a elite dirigente se atraiu pela transitoriedade, como também não tomou medidas que liberalizasse a sociedade. Não optou pela reforma agrária e nem, por outro lado, rompeu com a agricultura tradicional. Houve algumas medidas liberalizantes e regulatórias da sociedade, como em relação aos operários que foram reconhecidos como membros da sociedade, embora sob controle, indicando um comportamento heterodoxo e ambíguo desse novo sistema. Após 1945, a aliança entre PSD e PTB de apoio ao Varguismo, indicou uma política de forte apoio ao desenvolvimento industrial, mais proteção aos setores agrícolas tradicionais, interesse pela educação, saúde e habitação.

O Estado liberal não surgiu por acaso e nem por necessidade lógica ou dialética. Como as demais instituições, foi provisório e resultado do choque de interesses vários.

O autor sustenta que a burguesia nacional, que na Europa e em outros lugares facilitou e modelou novas sociedades impondo a lógica da competição, no Brasil, após trinta, essa burguesia, que deveria estar organizada para moldar o aparelho do Estado com a lógica do mercado, não existiu até recentemente enquanto classe política organizada e como ator político, que tem, ou deveria ter, como meta última de classe de qualquer burguesia, o domínio das relações de mercado através do controle da oferta e demanda, ou seja, o controle das instrumentalidades.

O burguês, que na Primeira República desprezou as instituições do Estado, pois se sentia inserido no sistema capitalista mundial, dentro da divisão internacional do trabalho promovido pela Inglaterra, nunca quis “capturar o Estado”. Segundo o autor, não estava ligado a um mercado nacional que dependeria da ação do Estado, mas ligado ao mercado internacional, que era mediado por outros Estados nacionais. Era uma burguesia nacional não organizada e periférica do capitalismo internacional.

Sempre segundo o autor, que lida com o conceito de “classe organizada”, a burguesia brasileira, como autora política, não revelou expressão unificada e nem comportamento inequívoco e homogêneo. Critica os “marxistas ortodoxos”, afirmando que a burguesia, embora beneficiária da ordem capitalista, não é propriamente “uma classe” (não é organizada e, por isso, não é atora política determinante), estabelecendo uma oposição conceptual entre a “luta de classes” e os “reais atores organizados”. Em suma, abandona o conceito de “luta de classes” como unidade de análise, substituindo-o pelos “reais atores mais ou menos organizados”.

A burguesia, pelo fato de não estar organizada e participando da gestão do Estado, se desinteressou pelos três pilares básicos de reprodução de uma sociedade liberal: a organização militar, o sistema educacional e a burocracia pública.

O exercito se constituiu como organização, com contornos de supra-instituição, fora e independente da burguesia. Foi levado (sic!), por isso mesmo, como definidor dos limites constitucionais brasileiros.

O sistema educacional servia para distribuição de status social. Na Europa, ele tinha servido, na revolução industrial, para articular a produção de conhecimento com a de bens materiais. No Brasil, o sistema educacional não foi submetido à hegemonia burguesa como na Europa e Estados Unidos da América do Norte.

A burocracia, que antes de trinta era um “filão de emprego”, foi imiscuída com os critérios de meritoriedade. A burguesia, também nesse segmento, não produziu influência relevante.

Roberto M. Levine aborda a problemática que gira em torno de trinta, enfocando os pontos que as forças opositoras da oligarquia pré trinta, tão dispares entre si, tinham mais em comum: exatamente essa oposição. O movimento, que de certa forma refletia as aspirações das novas forças sociais, permaneceu, entretanto, conservador e paternalista (Getúlio o era).

Em 1929, a crise internacional derrubou quatro governos republicanos latino-americanos, inclusive o da Argentina.

No Brasil, a dissidência entre os militares de 1922, com os "dezoito do forte", que deu origem ao “tenentismo”, marcou o início do movimento contra os fazendeiros. Após a revolução de 1924 foi formada a “Coluna Prestes”, que era composta de oitocentos a mil homens de armas, a qual percorreu durante anos o Brasil afora até se internar na Bolívia. Participaram desse evento histórico, dentre outros, Miguel Costa como comandante geral, Siqueira Campos, João Alberto, Djalma Dutra e Cordeiro de Farias, comandantes de colunas, além do próprio Prestes, chefe de estado maior e também comandante de uma coluna.

Os tenentes, a maioria, voltaram do exílio nas vésperas das eleições de 1930, colocando-se à disposição de Vargas. Eles advinham de posições militares secundárias dos Estados periféricos e se originavam da classe média. A Aliança Liberal, enquanto revolta organizada, teve como participantes muitos desses tenentes gaúchos: Aranha, Góis Monteiro, Fontoura, Luzardo, Lindolfo Collor, etc.

Prestes, todavia, condena a Aliança Liberal e solta seu próprio manifesto em Buenos Aires. Em conseqüência, Osvaldo Aranha renuncia ao cargo estadual de Secretário do Interior do RS, de cujo posto tinha ordenado anteriormente a compra de armas da Checoslováquia para a rebelião.

Fato novo colocou de novo a revolução na agenda geral, que foi o assassinato de João Pessoa (possivelmente por motivos não políticos), governador da Paraíba e candidato à vice-presidente de Vargas, causando a reunificação da Aliança Liberal em rumo à revolução.

O primeiro ministério de Vargas dependia de vários grupos de apoio. No dia onze de novembro de trinta, com um decreto lei, Vargas adquiriu poderes ditatoriais, dissolvendo o congresso e órgãos estaduais e municipais e com a faculdade de demitir e nomear funcionários.

A divisão da Aliança Liberal após trinta, teve, de um lado, os tenentes, que eram pela reorganização nacional e contra o retorno dos liberais ortodoxos, influenciados notadamente pelo exército, e, de outro, a ala constitucionalista, que era por reformas políticas que apontassem o fim da ditadura, através de uma constituinte.

Houve também a instalação de “legiões” de feições semifascistas (sic!) em lugares de bases tenentistas, com o propósito de substituir aos “velhos partidos políticos”, pelas inabilidades que os fizeram fracassar. Plínio Salgado dirigia a “legião” de São Paulo.

O “clube três de outubro”, formado por oficiais do exército, dividiu-se ideologicamente logo na primeira eleição. De um lado estavam os “tenentes radicais”: Miguel Costa; Hercolino Castardo; etc., que exaltavam a coluna Prestes e viam na reforma socialista a pré-condição para a destruição do controle político da oligarquia. Do outro lado, estavam os “tenentes conservadores” (Góis Monteiro, chefe do clube), que eram favoráveis à continuidade do governo por decreto e possuíam um programa de cunho corporativista para o desenvolvimento nacional.

Em 1932 surge a “questão paulista”, com as exigências de uma constituinte e do fim do governo provisório. O levante armado subseqüente foi comandado pelos generais: Euclides Figueiredo, que havia se recusado a comandar a Aliança Liberal em 1930; Isidoro Dias Lopes, comandante das revoltas de 1893 e 1924 e Kinger, antitenentista. No Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros (apoiador do movimento) foi preso e exilado. Com a influência do Partido Republicano do RS em decadência em decorrência da prisão de Borges, Flores assume o controle da situação no Estado, recusando-se à aliança com São Paulo, salvando, assim, a União.

Apesar da derrota Paulista, a repressão não foi tão dura como seria de se esperar. O Banco do Brasil assumiu as dívidas dos Bônus de Guerra Paulista, demonstrando assim a “grandeza de Vargas” (sic!) com os vencidos.

Em novembro de 1933 foi instalada a Constituinte, tendo Afrânio de Melo como seu Presidente, que inclusive rejeitou a representação classista de 40 deputados nomeados. Vargas não se intimidou e mudou a decisão de Afrânio. Assim, a Constituinte se instalou finalmente com 214 deputados eleitos nos Estados e mais 40 classistas, discutindo diversas regulamentações, mas calando-se sobre o equilíbrio de poderes entre o executivo e legislativo e entre os Estados e União. Os tenentes gostaram dos conceitos de organização corporativista geral aprovados, tais como a proteção dos sindicatos baseada num paternalismo de controle. A igreja católica conseguiu passar a educação confessional, numa vitória da LEG (Liga Eleitoral Católica), indo de confronto com o conceito de separação Igreja Estado. Foram aprovados também os deputados classistas (cinqüenta), a restrição à imigração, a restrição de cargos públicos a não brasileiros (reivindicação tenentista) e a anistia geral. Após a promulgação da nova Constituição, partidários dos tenentes reclamaram que a oligarquia ameaçava voltar ao poder pela via eleitoral.

Na economia, Vargas exerceu grande autoridade, delegando poderes ao Banco do Brasil. Com o declínio do comércio exterior e depressão do setor agrícola, houve a expansão da industrialização e crescimento do mercado interno (injeções oficiais de dinheiro, segundo Celso Furtado).

O Clube três de outubro entrou em declínio após a saída do governo de proeminentes figuras: Oswaldo Aranha; Lindolfo Collor; Maurício Cardoso; etc. Os tenentes radicais voltaram-se para Prestes, que já optara pelo comunismo a partir de 1931.

Os produtores de café viam com esperanças a atuação do governo federal, aprovando os esforços para a implantação da diversificação de culturas agrícolas, estímulo ao consumo interno e aumento da produção.

Os trabalhadores também foram beneficiados com a implantação de medidas de proteção social, tais como: seguro social; pensões; férias pagas e licença saúde.

Também o exército apoiou Vargas em troca do fortalecimento do poder militar.

As principais questões levantadas pelo golpe de trinta ainda estavam por resolver em 1934: Estados x União; a posição ideológica dúbia de Vargas; papel das forças armadas; etc.

Após a intentona de 1935, o poder de Vargas se consolidou com a classe média abrindo mão, em sacrifício, das liberdades civis, pois havia o perigo de que a oligarquia retornasse ao poder pela via eleitoral, pois controlavam o voto nos municípios.

Em 1937, com a instituição do Estado Novo, o poder se instalou definitivamente até o fim do período (1945), com a condenação da democracia liberal e adoção do planejamento central em nome do desenvolvimento nacional.

Maria Helena Capelato apresenta em seu texto um quadro social e ideológico da época.

Em 1920, 65% dos brasileiros eram analfabetos. Em 1940, dois terços dos brasileiros viviam na zona rural. Somente as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro possuíam mais de um milhão de habitantes. As endemias proliferavam no interior. As refeições da classe média se constituíam de feijão preto, farinha de mandioca e charque, o que representava menos de 200 calorias por dia. São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, representavam mais da metade do PNB – Produto Nacional Bruto. Os pobres urbanos tinham pouquíssimo acesso aos serviços públicos essenciais e a Igreja Católica (Cardeal Leme) não reivindicava qualquer papel social.

Os professores se formavam com quatro anos de Escola Normal, aos dezoito anos de idade. Das 74.000 professoras em 1937, 65% não tinham o curso completo. O Ministério da Guerra recebia 25% do orçamento nacional, enquanto que o Ministério da Educação e Saúde Pública recebia 5% na década de trinta.

A educação secundária estava nas mãos de particulares. Os colégios preparavam seus alunos para os exames de admissão e mesmo as academias militares exigiam proeficiência em línguas, geografia, história, ciências e matemáticas. A tônica geral do ensino era o saber como um ornamento das elites e não como chave da mobilidade popular, com ênfase na memorização.

Os ricos estudavam em escolas particulares, além de não pagarem impostos. Os pobres viviam com salários miseráveis.

A vida social no Rio de Janeiro girava em torno às boates e restaurantes, dos três cassinos de praia, dos clubes e embaixadas. No verão, os ricos iam para Petrópolis. Havia 8.900 automóveis em 1925 e 25.700 automóveis em 1935, todos importados dos Estados Unidos ou Europa. O Rio de Janeiro possuía também 13 estações de rádio, 45 telefones por mil habitantes e 19 jornais.

A classe média demonstrava certo constrangimento com a Umbanda e a Macumba. A elite evitava a “pecha de mulatice” no exterior. Alguns intelectuais eram orgulhosos do “amalgamento social” de Gilberto Freire e Afonso Celso, mas, no entanto, os dignitários eram inevitavelmente brancos.

Oswaldo Aranha, escrevendo de Washington, comentou: “...precisamos nada de outras raças...”. Louvava os Estados Unidos por ser uma “sociedade nórdica”, lamentando-se com Vargas pela “fraqueza do caráter brasileiro”.

Na década de trinta, a xenofobia e o anti-semitismo manifestaram-se principalmente por parte de membros da elite intelectual desconcertada com o espectro marxista. Os judeus eram 7.000 em 1917 e sete vezes mais entre 1928 e 1934. Após essa data, a restrição à imigração reduziu drasticamente a entrada deles no país.

Afonso Arinos de Melo Franco catalogou séculos de agitação promovidas pelos judeus. Marx, Marat, Danton, Robespierre e Rousseau, dentre outros, eram os mais eminentes representantes.

Miguel Couto, médico e deputado, condenou com veemência a imigração japonesa.

Havia também aqueles, que indignados, se opunham a essas considerações, como o sociólogo Guerreiro Ramos, que acusou Graça Aranha, Alberto Torres e outros, de “envergonhados” das raízes brasileiras.

Afonso Arinos escreveu em 1936: “...a contribuição do índio, consistiu na imprevidência e dissipação e do negro, obsessão sexual e ocultismo...”.

Azevedo Amaral escreveu em 1935: “...desde o século XIX, o Brasil sofrera uma desnacionalização progressiva, portanto carecia de consciência nacional”.

Dois movimentos propunham na década de trinta transformações drásticas: a AIB (Ação Integralista Brasileira) e ANL (Aliança Nacional Libertadora).

A classe média urbana compartilhava os valores e aspirações da elite. Compunha-se de burocracia governante, do alto comércio, clero, oficialidade mediana e funcionalismo civil. Manteve-se indiferente a Vargas por medo de ascensão dos trabalhadores. Aceitou passivamente o rebaixamento de salários e ao aumento de impostos.

A classe baixa era formada por negros, mulatos e brancos, dos setores urbano e rural.
A classe trabalhadora, que em 1920 somava 275.000, em 1938 era de 700.000.

Os sindicatos eram apenas um por categoria e de inspiração corporativista. Só os membros dos sindicatos reconhecidos podiam postular nos Tribunais do Trabalho. Em 1934 foram instituídas as férias pagas e só os filiados dos sindicatos oficiais é que tinham direito. Os comunistas controlavam alguns sindicatos não legais. Houve também várias greves ilegais na década de trinta, mas não eram noticiadas. Havia um “pacto de silêncio” por parte da imprensa. Os trabalhadores rurais estavam literalmente fora da legislação trabalhista.

Em maio de 1938, o movimento integralista foi destruído, embora Vargas tenha adotado algumas medidas nacionalistas de direita e também de esquerda.

O nacional socialismo (nazismo) no Brasil possuía de 800.000 a 1.000.000 de militantes de origem alemã, dos quais 200.000 eram alemães e 100.000 deles ainda mantinham a nacionalidade original.

Italianos, espanhóis e portugueses evitaram a militância fascista, embora grupos culturais ítalo-brasileiros aplaudissem Mussolini.

Poloneses, alemães e italianos mantinham escolas secundárias com a linguagem materna.

Os movimentos de juventude teuto-brasileiros promoviam acampamentos e treinamento militar com pequenas armas. Alguns iam à Alemanha para treinamento complementar. Em princípios de 1938, Vargas suprime o “volksdeutsche”, prendendo seus líderes e, pelo decreto de 18 de abril, declara fora da lei as organizações com sede fora do país. Na verdade estavam envolvidos na tentativa de golpe em 1938 juntamente com os integralistas.

Os poloneses, que se referenciavam no herói nacional “Pilsudski”, recebiam apoio financeiro da Polônia e nazistas alemães, através dos consulados em São Paulo e Curitiba. Agentes poloneses tinham grande influência junto ao clero polonês do Paraná. A União Central dos Poloneses do Brasil tinha sede em Curitiba. A organização paramilitar JUNAK (juventude polonesa) possuía 84 grupos no país. Após 1935 as atividades polonesas entraram em declínio.

O integralismo era composto por membros advindos da classe média, acadêmicos, descendentes de alemães e italianos, das forças armadas (principalmente da marinha).

A igreja católica patrocinou, através de D. Sebastião Leme, a Liga Eleitoral Católica, organização militante e muito ativa na Assembléia Constituinte, onde obteve a aprovação do ensino religioso. Em 1934, Leme permitiu que a política de influência diminuísse, incorporando a LEC na Ação Católica.

O exército, em função da missão francesa do General Gamelin antes da primeira guerra (Góis Monteiro era seu discípulo) aceitou o ponto de vista “tenentista” de fortalecimento do exército. Mesmo assim, havia um abismo que separava oficiais de praças.

A marinha, a mais tradicionalista das instituições, era pouco simpática a Vargas e à reforma. Alguns oficiais aderiram ao Partido Monarquista Brasileiro, que reivindicava a restauração monárquica.

Segundo a autora, Vargas, no princípio, era hostil aos industriais, pelo desejo de ser o pai dos pobres, mas depois, a aliança foi estabelecida por uma necessidade política.

O Bloco Parlamentar de Oposição de 1934 refletia o desejo de limitar o poder federal. Encabeçado por Artur Bernardes, representava os liberais oligarcas.

O PCB (Partido Comunista Brasileiro), carente agora de base sindical, sofria de uma divisão interna insanável. Formado por intelectuais de classe média e de imigrantes urbanos da Europa central e oriental, construiu-se na base dos movimentos anarco-sindicalista. Os conflitos entre stalinistas e trotskistas debilitaram enormemente o partido. Colocado fora da lei em 1927 durante o governo Washington Luiz, continuou na clandestinidade dirigido por Otávio Brandão e com Astrogildo Pereira na secretaria geral. Fundou a CGT e o BOC, seu braço parlamentar. O cisma interno e a repressão enfraqueceram a esquerda radical. Entre 1931 e 1934 aconteceram vários expurgos internos.

Em carta a Góis Monteiro, Oswaldo Aranha escreveu que: “...as fraquezas civis, militares e econômicas... (...) ...são fruto da ignorância, doença, da incapacidade pessoal...”. Em outro trecho: “...se o Brasil não se livrasse da desorganização interna, iria nos passos da Itália...”.

Góis Monteiro escreveu: “...a tendência nacional ao autoritarismo advém da falta de confiança no brasileiro de governar-se...”.

Viriato Vargas escreveu ao irmão em 1936, citando Nietzche: “...o democratismo é uma forma de decadência e de decomposição da força organizada...”.

Ângela de Castro Gomes em “O redescobrimento do Brasil” escreve sobre a fundação do Depto. de Imprensa e Propaganda (DIP) na época de Vargas. Era formado por seis seções: propaganda; rádio difusão; cinema e teatro; turismo; imprensa e serviços auxiliares.

Durante a Primeira República, o Estado liberal não conseguiu integrar o homem à terra brasileira. As instituições colidiam com a realidade brasileira, formando dois mundos distintos: o homem e a natureza. O mundo da política era distante de tudo e de todos. Havia desordem em todos os campos da realidade social, com a ruptura de um caminho evolutivo justo e bom. Ao Estado natureza se opunha o Estado guerra (Hobbes) e a revolução de trinta veio em resposta à crise, levando ao fim essa sociedade do conflito. Foi uma demarcação de fronteiras entre a anarquia e a ordem.

A contemporização (antes de trinta) somente foi possível no plano político, mas com o advento da massa proletária, conseqüência por sua vez da industrialização pós I guerra, a questão se agravou, até por influência de agitadores profissionais. A revolução, assim, veio interromper o curso dos acontecimentos.

A ameaça da anarquia era real, visualizada como a perda do curso da evolução normal do país. O descontento popular foi materializado na “questão social”.

Houve a preservação da personalidade nacional do risco de uma catástrofe anarquizante. O sentido restaurador da revolução (Azevedo Amaral) era evidente, dando a ela um caráter duplo de ordem e revolução, tradição e inovação. O projeto do Estado Novo (em 1937) tornou mais evidente a sua dimensão transformadora e conformadora da realidade nacional. Era a retomada da vocação histórica e da continuação da construção da nossa nacionalidade.

Os liberais desacreditavam dos nossos homens, que teriam uma atitude comodista pela “lei do menor esforço”, explicando tudo pela negação de nossa raça (a preguiça do brasileiro, uma raça de bugres).

O retorno à realidade equivalia ao reconhecimento do brasileiro, de suas necessidades e potencialidades, pois ele guardaria as virtudes mais puras do país, estabelecendo a oposição liberalismo europeizante x valores brasileiros.

Antes de 1930, as elites se opunham ao povo. Depois de 1930 e 1937, houve comunicação entre elites e massas, pois era uma revolução “autentica” que reunia a todos (povo).

Restaurar a sociedade brasileira era retirá-la do estado de natureza e organizá-la pelo poder político, o que implicava num retorno à natureza, que eram as riquezas potenciais do país e a cultura nacional.

Essa restauração, enquanto ato de construção da terra e do homem, deu-se pela exploração da terra e da formação do homem, ambos os processos coordenados por “novas elites políticas”.

Nessa nova etapa, a obra da revolução foi perturbada em 1932 e 1934, tendo sua segunda fase implantada em 1937 com a constituição de uma nova ordem política. A Constituição de 1934 foi considerada como um malogro revolucionário, pois os ideais reformadores eram considerados desvios.

Com a revolução, a finalidade do Estado devia ser encontrada fora da política, na promoção do bem estar nacional, na realização do bem comum e no enfrentamento da questão social. Se antes não elegeram a questão social como prioridade é porque encaravam a pobreza como “inevitável”. A questão social como questão política só se resolveria pela intervenção do Estado.

A missão histórica do novo regime era a de salvar a tempo a situação do operariado, dando certa feição democrática ao regime. A democracia social foi considerada como o reinício dos tempos.

O abandono da idéia da existência de doutrinas permanentes com base na mutabilidade no desenvolvimento das idéias era também uma das características ideológicas do regime. Mudança era um indicador de força social.

Nessa nova democracia, que tinha o ser humano como alvo, não se desejava a desintegração do homem, como no liberalismo e nem a estatização, como no totalitarismo. Seria a humanização do Estado Moderno.

O trabalho, outrora escravo, era o meio de emancipação da personalidade, pois quanto maior o dever, mais alta a virtude.

No projeto liberal democrático, os homens eram livres pela natureza, mas tornados diferentes pelas injunções sociais e políticas. Na nova democracia, a sociedade era formada por indivíduos desiguais por natureza. A missão do Estado era a de torná-los iguais artificialmente, atingindo assim a igualdade social. Estabelecia-se assim a independência entre os conceitos de democracia e liberal-democracia. Procurar meios de tornar a autoridade mais justa e a prevalência do principio de autoridade como meio legítimo da realização da liberdade individual, eram as metas desejáveis. A nova democracia era a democracia das corporações, girando em torno dos centros de organização e orientação dos indivíduos para o bem público.

A idéia do Estado neutro (face aos interesses de mercado) ou do Estado que negava o mercado (comunismo), precisavam ser combatidas.

Desenvolveu-se também o combate ao formalismo político, com a substituição do conceito de separação de poderes pelo de harmonia de poderes e pela impossibilidade de proliferarem partidos políticos, pois eles seriam a manifestação de antagonismos sociais. A nação não seria redutível às partes que a compõem (sentido universal).

Quanto aos sindicatos, eles são transformados em órgãos públicos, de tutela Estatal e restritos a questões técnicas.

Alcir Lenharo em “A pátria como família”, escreve sobre o Estado, que como sujeito histórico nasce do vazio político, surgindo como único sujeito político e único agente histórico, antecipando-se às classes.

O Estado Novo se proclamava como o único agente capaz de intervir no fluxo histórico e estancar a luta de classes, concordando com os integralistas que apontavam na solução autoritária como a única possível. Para os liberais e marxistas, essa foi a única solução encontrada pela classe dominante, impossibilitada de exercer seu próprio poder.

A substituição do conceito de luta de classes pelo conceito positivo de colaboração de classes foi a tônica do regime, no sentido de romper com o processo de anarquia liberal. Francisco Campos afirma que “o corporativismo mata o comunismo, assim como o liberalismo cria o comunismo”.

O Estado Novo levou a sério a existência da luta de classes e as possibilidades da classe operária no jogo do poder. O integralismo, dessa maneira, agiu como um freio às mobilizações operárias. Marilena Chauí relaciona a classe média como ponta de lança para a repressão contra o proletariado.

Fugindo à luta de classes, os sindicatos se apresentavam como um instrumento dessa harmonia, dessa simbiose perfeita. Assim, as forças produtivas se movimentavam harmonicamente no sentido do progresso, num movimento coletivo acima dos indivíduos.

Mesmo assim, a intervenção do Estado nas negociações é inevitável, pois a fragilidade dos negociadores ou a irredutibilidade das partes (anarquistas) forçavam sua intervenção.

Antes de 1930, o BOC (Bloco Operário Camponês) entrou em luta comum com as oposições contra as oligarquias. Depois os aliados se voltaram contra ao eleger “o fantasma do comunismo” como inimigo comum. Todos se aliaram contra a classe operária. Após 1930, ao operariado coube duas decisões possíveis: ou aceitava a mentalidade nova (corporativismo) ou se considerava como dentro da “questão de polícia”.

Após a instituição da “lei de segurança nacional”, corriam o risco de serem enquadrados em crimes contra a ordem, todos aqueles acusados por incitação ao ódio de classe ou paralisação dos serviços públicos. A instituição da Carteira de Trabalho também foi um ato de controle, pois os patrões não respeitavam a diferença entre a vida social e profissional, podendo “sujar” a Carteira, arruinando profissionalmente o empregado. Além disso, raramente os empresários respeitavam o direito dos trabalhadores, como demonstram as várias greves que surgiram entre 1931 e 1935, por cumprimento de direitos adquiridos. Em 1942, com a economia de guerra, houve o aumento da jornada de trabalho para dez horas diárias.

O PCB (Partido Comunista Brasileiro) ganhou a guerra contra os anarco sindicalistas nos sindicatos, reforçando-os e criando outros. Criou também o BOC como seu braço político eleitoral. No entanto, a maior parte das greves era de organização “espontânea” (sic!), independente dos sindicatos, operadas por “comissões de fábrica”. O peleguismo era reinante nos sindicatos (direções biônicas), fazendo com que, por desinteresse dessas direções, não se interessassem no crescimento das filiações: o imposto sindical sustentava os aparelhos.

O conceito de nação (todos) se instaurou e o Estado era solitário e sem partidos políticos. Os operários não precisavam mais fazer nada, pois tudo estava dado, cientificamente determinado por especialistas competentes, na pretensão de que os trabalhadores exercitassem uma prática de seu próprio “emparedamento”.

O plano Cohen, segundo o qual uma potência estrangeira invadiria o Brasil, apoiada por traidores brasileiros, teve o estabelecimento dessa mentira como verdade inconteste, seguindo uma prática muita afeita ao nazismo.

A criação do DIP em 1939, teve como finalidade o controle, a propaganda, a censura, a promoção de atividades cívicas e culturais. Sérgio Cabral afirmou: “...o Estado Novo utilizou o rádio como Hitler”. O DIP intervinha nos desfiles carnavalescos, gravadoras e rádios. Convencia aos letristas de músicas populares a não incorporarem alguns temas a suas obras, dentre os quais o “culto à malandragem”.

A propaganda, seguindo orientações de Hitler, devia levar em consideração o sentimento das massas, para alcançar os fins que se propunha. O Estado Novo utilizou-a tal qual e também como tarefa preventiva da máquina repressora, mandando mensagens familiares.

A igreja disseminava a angústia religiosa e o sentimento de culpa sexual e repulsa aos instintos, que o poder aprovou e reproduziu. Segundo Willian Reich (psicólogo comunista revolucionário), a família é o microcosmo do Estado autoritário e sua célula reacionária central. Plínio Salgado dizia: “...o Estado capta na família a força de que precisa na sua constituição”.

Houve também o culto à personalidade de Vargas, cujo nome foi dado a logradouros, praças, estabelecimentos, provas esportivas, etc. Sua vida é descrita nos mínimos detalhes.

Nas escolas, os livros escolares evidenciavam o labor quotidiano, cuidados do lar, tenacidade, grande virtude militar, a disciplina, etc. O espaço escolar era elaborado de maneira neutralizadora, como uma redoma defensiva do mundo exterior, pleno de tensão e conflitos.

COMENTÁRIOS FINAIS

Vamos, a seguir, relacionar algumas das mais importantes questões tratadas nos diversos temas. Vamos, também, caracterizá-las e contextualizá-las na medida do possível.

Segundo Boris, a esquerda força para enquadrar a revolução brasileira (democrático-burguesa) nos padrões revolucionários da Europa. Parte evidentemente de uma avaliação de que o processo histórico na Europa é distinto e diferente do processo brasileiro. Nega, portanto, não apenas a revolução baseada em classes sociais como também ao etapismo stalinista, segundo o qual há a necessidade de primeiro se fazer a revolução capitalista e depois a socialista. Fausto tem razão na segunda parte, pois o cumprimento de etapas históricas, não é necessariamente um dogma marxista e nem leninista.

O mesmo autor, além do que já abordamos no primeiro tópico (as classes não existem porque não são organizadas) afirma também que o Estado autoritário de Vargas assumiu o papel que as “classes” deveriam ter, ou seja, de sujeito histórico. De Decca se contrapõe a essa teoria, afirmando, corretamente, que esse Estado vem justamente para sufocar a classe operária, que era razoavelmente atuante (vide o exemplo do BOC).

No entanto, Decca constrói uma “aliança” contra os liberais, que deixa a sugerir a construção de um movimento de caráter autoritário. Mesmo sua tentativa de explicar a situação posterior
(a aliança se vira contra seu real inimigo, o comunismo) esbarra muito numa justificativa a la “Arendt”.

A questão do Estado como locomotor da industrialização se insere no contexto da explicação de que as classes não existiam como atores históricos (não eram organizadas) e que os reais sujeitos históricos eram o Estado e os militares (um Estado dentro do Estado). Essa mesma justificativa ideológica foi uma das bases para o golpe de 1964.

Em relação à estratégia internacional do PCB, na época PC do B ou secção do Brasil da Internacional Comunista, a partir de 1928 seguiu a orientação do VI Congresso do “Komintern” realizado no mesmo ano e que traçou algumas diretrizes básicas internacionais, dentre as quais a da aliança com setores das burguesias nacionais. O exemplo clássico é a aliança do PC Chinês com o Kuomitang. Aliás, segundo Mao, a longa marcha realizada posteriormente foi inspirada na Coluna Prestes.

Outra questão é a de que o PCB, a partir da estratégia da revolução democrático-burguesa (uma opção reformista e não revolucionária) nunca mais abraçou a tese da revolução socialista como estratégia de transformação da sociedade, o que nos parece verdade, na medida em que nem durante a ditadura militar de 1964 o partido optou pela luta armada, embora grupos dissidentes o tenham feito.

Wanderlei Guilherme Santos faz uma explicação da ideologia reinante no período, mas cai no risco de justificar simplesmente o caráter “sujeito histórico” do Estado autoritário.

Pelos textos, o tenentismo, ora produto da classe média, ora um “sujeito histórico distinto”, (novamente uma instituição transformada em ator político) permanece uma figura histórica indefinida até hoje. Indecifrável, à primeira vista, pelo fato de terem alimentado, fornecendo quadros, tanto à esquerda quando à direita reacionária.

A outra questão fundamental que permanece em discussão até hoje é a do caráter da sociedade brasileira naquele período: feudal; capitalista ou ambas? Uma outra seria a idéia de que a burguesia nacional tinha interesses nacionais. A revolução de 1964 provou bem que a burguesia nacional pensa estrategicamente como burguesia. Eventualmente se apresenta, em termos táticos, ao longo da história, como nacional ou internacional. Essa é a grande lição.


BIBLIOGRAFIA

CAPELATO, Maria Helena. “Estado Novo: novas histórias”. In: FREITAS, Marcos (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo, Contexto, 1998.

DE DECCA, Edgard. “A dissolução da memória histórica”. In: 1930: O silencio dos vencidos. São Paulo, Brasiliense, 1980.

FAUSTO, Boris. “Prefácio à edição de 1997”. In: Revolução de 30. História e historiografia. São Paulo, Brasiliense, 1979.

GOMES, Ângela de Castro. “O redescobrimento do Brasil”. In: A invenção do trabalhismo. IUPERJ?Vértice, 1988.

LENHARO, Alcir. “A pátria como família”. In: A sacralização da política. Campinas, Ed. Unicamp/Papirus, 1987.

LEVINE, Robert. “Introdução”. In: O regime Vargas: os anos críticos 1934/1938. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980.

SANTOS, Wanderley Guilherme. “Matizes do pensamento autoritário” In: Ordem burguesa e liberalismo político. São Paulo, Duas Cidades, 1978.

SILVA, Zélia Lopes da. “A Domesticação dos Trabalhadores nos anos 30”. Marco Zero, São Paulo, 1991.

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